Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi surpreendido por
policiais com 17g de maconha, que ele alegou ser para consumo próprio.
Com medo de ser preso, João ofereceu
um aparelho celular para os policiais pedindo, em troca, que eles o liberassem
sem conduzi-lo à Delegacia de Polícia.
Os policiais não aceitaram e prenderam João em flagrante por
corrupção ativa, delito previsto no art. 333 do Código Penal:
Art. 333. Oferecer ou prometer
vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir
ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12
(doze) anos, e multa.
Chegando na Delegacia, a
autoridade policial entendeu que houve, de fato, corrupção ativa e que, pela
quantidade de entorpecente encontrada aliado às demais circunstâncias, o caso
envolvia porte de droga para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006),
não havendo que se falar em tráfico de drogas (art. 33 da mesma Lei).
O Ministério Público ofereceu
denúncia contra João por corrupção ativa.
A defesa argumentou que:
- a droga encontrada era para consumo pessoal. Logo, a
conduta se amoldava ao art. 28 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes
penas:
I - advertência sobre os efeitos das
drogas;
II - prestação de serviços à
comunidade;
III - medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.
- a conduta do art. 28 da Lei nº 11.343/2006
não configura crime, mas sim infração sui generis;
- logo, não havia ato de ofício a
ser praticado pelos policiais porque não cabe prisão em flagrante na hipótese
do art. 28 da Lei de Drogas;
- como não era possível a prisão
em flagrante, João não ofereceu vantagem indevida para omitir “ato de ofício”,
conforme prevê o art. 333 do CP;
- diante disso, o oferecimento do
celular foi um fato atípico.
O STJ concordou com a tese
da defesa?
NÃO.
O art. 28 da Lei de Drogas, ainda
que não preveja pena privativa de liberdade, permanece como crime. Não houve
descriminalização da conduta, mas tão somente sua despenalização, uma vez que a
norma especial conferiu tratamento penal mais brando aos usuários de drogas.
Em casos dessa natureza, muito embora não se imponha a
prisão em flagrante, é obrigação do policial conduzir o autor do fato diretamente
ao juízo competente ou, na falta deste, à delegacia, lavrando-se, neste caso, o
respectivo termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames
e perícias necessários, nos termos do art. 48, §§ 2º e 3º da Lei nº 11.343/2006:
Art. 48. (...)
§ 2º Tratando-se da conduta prevista
no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do
fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste,
assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e
providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.
§ 3º Se ausente a autoridade judicial,
as providências previstas no § 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela
autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do
agente.
(...)
Cumpre ressaltar, ainda, que, para a configuração do delito
de corrupção ativa, a norma penal sequer exige que o ato de ofício tenha sido
efetivamente praticado, até porque, em se constatando que o funcionário
retardou ou omitiu ato de ofício, ou o praticou infringindo dever funcional,
incidirá a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 333 do
Código Penal:
Art. 333 (...)
Parágrafo único. A pena é aumentada de
um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite
ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Em suma:
STJ. 5ª Turma. AREsp 2.007.599-RJ,
Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em
03/05/2022 (Info 735).