Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 2014, João foi condenado a 2
anos de reclusão. Essa pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas
restritivas de direito: prestação de serviço à comunidade e prestação
pecuniária. A sentença transitou em julgado e o condenado iniciou a execução
(cumprimento) da pena restritiva de direitos.
Em 2015, João cometeu outro crime
e foi novamente condenado. Nesta segunda vez, a pena privativa de liberdade não
foi convertida em restritiva de direitos. Em outras palavras, João terá que
cumprir pena privativa de liberdade por esse segundo delito.
A pergunta que surge é a
seguinte: o que acontece com o cumprimento da pena restritiva de direitos?
Depende:
• Se o regime inicial fixado nesta
segunda condenação for o semiaberto ou fechado: as penas serão unificadas, com
a reconversão da pena alternativa (pena restritiva de direitos) em privativa de
liberdade.
• Se o regime inicial fixado for o aberto: será permitido que o condenado cumpra simultaneamente a pena restritiva de direitos e a pena privativa de liberdade.
Essa conclusão é baseada no § 5º do art. 44 do CP:
Art. 44 (...)
§ 5º Sobrevindo condenação a pena
privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá
sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado
cumprir a pena substitutiva anterior.
O art. 181 da Lei de Execução Penal também deixa claro que é
possível que o cumprimento da pena restritiva de direitos continue mesmo
sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade. Veja:
Art. 181. A pena restritiva de
direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do
artigo 45 e seus incisos do Código Penal.
§ 1º A pena de prestação de
serviços à comunidade será convertida quando o condenado:
(...)
e) sofrer condenação por outro
crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.
Vamos agora mudar o
exemplo:
Em 2014, Pedro foi condenado a 10
anos de reclusão (pena privativa de liberdade). Pro não ser cabível, não houve
conversão em penas restritivas de direito. A sentença transitou em julgado. O
condenado iniciou a execução (cumprimento) da pena privativa de liberdade.
Dm 2015, Pedro foi condenado a 2
anos de reclusão. Essa pena privativa de liberdade foi substituída por duas
penas restritivas de direito: prestação de serviço à comunidade e prestação
pecuniária. A sentença transitou em julgado.
O juízo da execução unificou as
penas e, entendendo pela incompatibilidade do cumprimento simultâneo da pena
privativa de liberdade com a pena restritiva de direitos, reconverteu a pena
restritiva de direitos em privativa de liberdade.
Agiu corretamente o
magistrado?
NÃO.
Se o penado estava cumprindo pena
privativa de liberdade e sobreveio nova condenação em que a pena corporal foi
substituída por pena alternativa, neste caso, o juiz da execução não pode
converter a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. Não pode por
dois motivos:
a) não há amparo legal para isso
considerando que essa situação (pena privativa de liberdade e depois pena
restritiva de direitos) não é tratada no art. 44, § 5º do CP nem no art. 181 da
LEP;
b) essa conversão ofenderia a coisa julgada, tendo em vista que o benefício (pena restritiva de direitos) foi concedido na sentença, que transitou em julgado. Logo, o condenado somente pode “perder” esse benefício (pena restritiva de direitos) se incidir em uma das situações expressamente previstas na lei, em especial no art. 44, §§ 4º e 5º, do Código Penal.
Confira a explicação de Guilherme de Souza Nucci:
“(...) Quando houver nova condenação, durante o
gozo de pena restritiva de direitos, a reconversão não é automática (art. 44, §
5.º, CP). É imprescindível que haja impossibilidade de cumprimento cumulativo
das penas (restritiva de direitos + privativa de liberdade). Assim, se a
segunda pena, apesar de privativa de liberdade, for cumprida no regime aberto,
mormente na modalidade de prisão albergue domiciliar, nada impede que o
condenado execute, concomitantemente, a restritiva de direitos, consistente em
prestação de serviços à comunidade, por exemplo. (...)” (NUCCI, Guilherme de
Souza. Manual de Direito Penal. 16ª ed, Rio de Janeiro: Forense: 2020,
epub)
O juiz da execução penal
não poderia se valer do parágrafo único do art. 111 da LEP para converter a
pena restritiva de direitos imposta a Pedro em pena privativa de liberdade?
Esse dispositivo não autorizaria essa conversão?
NÃO. Veja o que diz o art. 111 da LEP:
Art. 111. Quando houver
condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a
determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou
unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.
Parágrafo único. Sobrevindo
condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está
sendo cumprida, para determinação do regime.
Repare que o parágrafo único fala
que essa unificação e soma das penas ocorre para fins de “determinação do
regime”. Logo, isso significa que esse dispositivo está tratando de penas
privativas de liberdade, ou seja, de condenações que já se encontram impingidas
sob o formato da pena corporal. Não é possível extrair do aludido dispositivo a
imposição de conversão da pena alternativa.
A pena restritiva de direitos
serve como uma alternativa ao cárcere. Logo, se o julgador reputou adequada a
concessão do benefício, a situação do condenado não pode ser agravada por meio
de interpretação que amplia o alcance do § 5º do art. 44 do Código Penal em seu
prejuízo, notadamente à vista da possibilidade de cumprimento sucessivo das
penas.
Em suma:
STJ. 3ª Seção.
REsp 1.918.287-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz,
julgado em 27/04/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1106) (Info 736).