Imagine a seguinte situação
hipotética:
Roberto consultou-se com um
médico em busca de solução para o seu problema de ronco.
Após os exames, o médico
diagnosticou que Roberto tinha apneia do sono, que pode gerar, inclusive, morte
súbita. Para correção da síndrome, o médico indicou a realização de uma cirurgia.
Na consulta, foi dito ao paciente
que a cirurgia seria rápida e a laser.
Infelizmente, durante a cirurgia
houve um choque anafilático e o paciente faleceu.
O laudo pericial da necropsia
concluiu que as condições anátomo-funcionais do paciente foram decisivas para o
evento que desencadeou o óbito em razão da dificuldade de intubação.
Os familiares da vítima ajuizaram
ação de indenização por danos morais contra o cirurgião e o anestesiologista.
A causa de pedir dessa ação não
foi eventual erro médico, mas sim a ausência de esclarecimentos, por parte dos
médicos, a respeito dos riscos do procedimento cirúrgico, notadamente em razão
de suas condições físicas (obeso e com hipertrofia de base de língua), as quais
poderiam dificultar bastante uma eventual intubação do paciente, o que, de
fato, acabou ocorrendo.
Segundo as provas produzidas, não
houve consentimento informado ao paciente.
Para o STJ, os médicos têm
responsabilidade civil neste caso?
SIM.
Todo paciente possui, como
expressão do princípio da autonomia da vontade (autodeterminação), o direito de
saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um determinado
procedimento médico. Isso é necessário para que ele possa manifestar, de forma
livre e consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica
envolvida. Isso se chama “consentimento informado”.
Esse dever de informação decorre do art. 22 do Código de
Ética Médica e dos arts. 6º, III, e 14 do CDC:
É vedado ao médico:
Art. 22. Deixar de obter
consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre
o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 6º São direitos básicos do
consumidor:
(...)
III - a informação adequada e
clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e
preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 14. O fornecedor de serviços
responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Além disso, o Código Civil também disciplinou o assunto no seu
art. 15:
Art. 15. Ninguém pode ser
constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervenção cirúrgica.
Justamente por isso, é
indispensável o consentimento informado do paciente acerca dos riscos inerentes
ao procedimento cirúrgico. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos
riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos
resultantes da operação.
Conclui-se, assim, que o médico
precisa do consentimento informado do paciente para executar qualquer
tratamento ou procedimento médico, em decorrência da boa-fé objetiva e do
direito fundamental à autodeterminação do indivíduo, sob pena de inadimplemento
do contrato médico-hospitalar, o que poderá ensejar a responsabilização civil.
Não é suficiente o “blanket consent”
Vale ressaltar, ainda, que a
informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos, benefícios e
alternativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando
que o profissional de saúde informe, de maneira genérica ou com termos
técnicos, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o
consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação.
Com efeito, não se admite o
chamado “blanket consent”, isto é, o consentimento genérico, em que não há
individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o
exercício de seu direito fundamental à autodeterminação.
Os médicos poderiam ter
provado que eles forneceram todas as informações ao paciente antes da cirurgia,
mas que essas informações foram prestadas oralmente ou é indispensável que os
riscos da cirurgia sejam informados por escrito?
Não há qualquer obrigatoriedade
no ordenamento jurídico de que o consentimento informado seja exercido mediante
“termo”, isto é, na forma escrita.
O que se exige é tão somente a
prestação clara e precisa de todas as informações sobre os riscos, benefícios e
alternativas do procedimento médico a ser adotado, independentemente da forma.
Admite-se, portanto, qualquer meio de prova para tentar
demonstrar que foi cumprido o dever de informação, nos termos do art. 107 do
Código Civil, que assim dispõe:
Art. 107. A validade da
declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei
expressamente a exigir.
Entretanto, não se pode ignorar
que a ausência de “termo de consentimento informado” gera uma enorme
dificuldade para que o médico consiga comprovar que cumpriu seu dever de
informação ao paciente. Logo, recomenda-se, sobretudo em casos mais complexos,
em que há um maior incremento do risco, que o consentimento informado seja
feito em documento próprio, por escrito e assinado, a fim de resguardar o
profissional médico em caso de eventual discussão jurídica sobre o assunto.
Em suma:
O médico é civilmente responsável por falha no dever
de informação acerca dos riscos de morte em cirurgia.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.848.862-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
05/04/2022 (Info 733).
Obs: no caso concreto, o STJ
condenou os réus ao pagamento de R$ 10 mil em favor de cada autor (eram dois
autores), acrescido de correção monetária desde a data da sessão de julgamento
(data do arbitramento), a teor do disposto na Súmula 362 do STJ, além de juros
de mora a partir da data do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ.