Imagine a seguinte situação adaptada:
A Delegacia Estadual de Combate à
Corrupção – DECCOR, do Estado de Goiás, estava investigando possíveis desvios
de recursos públicos destinados ao custeio das unidades de saúde do Estado de
Goiás.
Durante a investigação, a DECCOR
representou pela quebra de sigilos bancário e fiscal de diversas pessoas
físicas e jurídicas.
O Juiz de Direito deferiu os
pedidos em 17/02/2021.
Dois meses depois, a DECCOR
representou pela interceptação de comunicações telefônicas e fluxo de dados
telemáticos dos acusados, o que também foi deferido pelo magistrado estadual.
Posteriormente, com o avanço das
investigações, foi feita nova representação, dessa vez pela busca e apreensão e
sequestro de bens.
Mais uma vez, o Juiz de Direito
acolheu os pedidos.
João, um dos investigados que foi
alvo das medidas, impetrou habeas corpus alegando que todas as medidas
cautelares decretadas seriam nulas de pleno de direito porque foram deferidas
por juízo absolutamente incompetente.
A defesa argumentou que a
competência para julgar a causa seria da Justiça Federal porque o que se estava
investigando eram eventuais desvios de recursos públicos do SUS, mediante
repasse “fundo a fundo” ou por gestão. Nesses casos, não importa que as verbas já
tenham sido incorporadas ao patrimônio do Município ou do Estado federativo. A
competência será da Justiça Federal.
Diante disso, requereu que fosse
declarada a incompetência absoluta do juízo estadual, bem como a nulidade de
todas as medidas cautelares decretadas, além das provas delas derivadas.
A questão chegou ao STJ. O
Tribunal concordou com os argumentos da defesa?
Em parte.
A competência para julgar a
causa e, portanto, para decretar as medidas cautelares, era da Justiça Estadual
ou da Justiça Federal?
Justiça Federal.
Em caso de desvios de verbas do
Sistema Único de Saúde – SUS, a competência será da Justiça Federal, tendo em
vista que existe um dever de fiscalização e de supervisão por parte do Governo
Federal (União).
Assim, como no caso concreto se
estava apurando justamente suposto desvio de verbas no âmbito do SUS,
constatada está a competência da Justiça Federal.
Isso significa que todas as medidas cautelares decretadas deverão ser
consideradas nulas de pleno direito?
NÃO.
Apesar de reconhecer que o Juiz
de Direito era absolutamente incompetente para decretar as medidas cautelares,
o STJ afirmou que os atos processuais praticados devem ser avaliados pelo Juízo
competente (Juiz Federal) e ele poderá ratificar (validar), ou não, os atos até
então praticados.
No STJ é pacífica a possibilidade
de se aplicar a Teoria
do Juízo Aparente para ratificar medidas cautelares deferidas no curso
do inquérito policial quando autorizadas por Juízo aparentemente competente.
Desse modo, as provas colhidas ou
autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou
produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a
autoridade judicial que as decretou venha a ser posteriormente considerado
incompetente, ante a aplicação no processo investigativo da teoria do juízo
aparente (STF. 2ª Turma. RE 1318172 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma,
julgado em 04/04/2022).
No mesmo sentido:
Esta Suprema Corte tem endossado, com base na teoria do juízo
aparente, a possibilidade de ratificação de atos processuais praticados por
juízo aparentemente competente ao tempo de sua prática.
STF. 1ª Turma. HC 185755 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
08/06/2021.
Em suma:
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC
156.413-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
Diante
disso, o STJ reconheceu a incompetência absoluta da Justiça estadual,
determinando a remessa imediata do feito ao Juízo Federal, que deverá avaliar
se convalida ou não os atos até então praticados.