Dizer o Direito

terça-feira, 5 de julho de 2022

É aplicável a teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

A Delegacia Estadual de Combate à Corrupção – DECCOR, do Estado de Goiás, estava investigando possíveis desvios de recursos públicos destinados ao custeio das unidades de saúde do Estado de Goiás.

Durante a investigação, a DECCOR representou pela quebra de sigilos bancário e fiscal de diversas pessoas físicas e jurídicas.

O Juiz de Direito deferiu os pedidos em 17/02/2021.

Dois meses depois, a DECCOR representou pela interceptação de comunicações telefônicas e fluxo de dados telemáticos dos acusados, o que também foi deferido pelo magistrado estadual.

Posteriormente, com o avanço das investigações, foi feita nova representação, dessa vez pela busca e apreensão e sequestro de bens.

Mais uma vez, o Juiz de Direito acolheu os pedidos.

João, um dos investigados que foi alvo das medidas, impetrou habeas corpus alegando que todas as medidas cautelares decretadas seriam nulas de pleno de direito porque foram deferidas por juízo absolutamente incompetente.

A defesa argumentou que a competência para julgar a causa seria da Justiça Federal porque o que se estava investigando eram eventuais desvios de recursos públicos do SUS, mediante repasse “fundo a fundo” ou por gestão. Nesses casos, não importa que as verbas já tenham sido incorporadas ao patrimônio do Município ou do Estado federativo. A competência será da Justiça Federal.

Diante disso, requereu que fosse declarada a incompetência absoluta do juízo estadual, bem como a nulidade de todas as medidas cautelares decretadas, além das provas delas derivadas.

 

A questão chegou ao STJ. O Tribunal concordou com os argumentos da defesa?

Em parte.

 

 

A competência para julgar a causa e, portanto, para decretar as medidas cautelares, era da Justiça Estadual ou da Justiça Federal?

Justiça Federal.

Em caso de desvios de verbas do Sistema Único de Saúde – SUS, a competência será da Justiça Federal, tendo em vista que existe um dever de fiscalização e de supervisão por parte do Governo Federal (União).

Assim, como no caso concreto se estava apurando justamente suposto desvio de verbas no âmbito do SUS, constatada está a competência da Justiça Federal.

 

Isso significa que todas as medidas cautelares decretadas deverão ser consideradas nulas de pleno direito?

NÃO.

Apesar de reconhecer que o Juiz de Direito era absolutamente incompetente para decretar as medidas cautelares, o STJ afirmou que os atos processuais praticados devem ser avaliados pelo Juízo competente (Juiz Federal) e ele poderá ratificar (validar), ou não, os atos até então praticados.

No STJ é pacífica a possibilidade de se aplicar a Teoria do Juízo Aparente para ratificar medidas cautelares deferidas no curso do inquérito policial quando autorizadas por Juízo aparentemente competente.

Desse modo, as provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a autoridade judicial que as decretou venha a ser posteriormente considerado incompetente, ante a aplicação no processo investigativo da teoria do juízo aparente (STF. 2ª Turma. RE 1318172 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 04/04/2022).

No mesmo sentido:

Esta Suprema Corte tem endossado, com base na teoria do juízo aparente, a possibilidade de ratificação de atos processuais praticados por juízo aparentemente competente ao tempo de sua prática.

STF. 1ª Turma. HC 185755 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 08/06/2021.

 

Em suma:

 

Diante disso, o STJ reconheceu a incompetência absoluta da Justiça estadual, determinando a remessa imediata do feito ao Juízo Federal, que deverá avaliar se convalida ou não os atos até então praticados.


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