O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
João e a filha Renata, que moram
em Belo Horizonte (MG), adquiram ingressos para um grande show que seria
realizado no Rio de Janeiro (RJ), no dia 29/11/2015.
Os ingressos foram comprados pela
internet, no site da “Ingresso Rápido”, uma empresa que comercializa ingressos on
line de eventos realizados por outras empresas.
Um dia antes do evento, João e a
filha viajaram de Belo Horizonte (MG) para o Rio de Janeiro (RJ) para
participarem do festival.
Depois que chegaram na capital
fluminense, eles ficaram sabendo que o evento havia sido cancelado.
Diante disso, João e Renata
ajuizaram ação de indenização contra a “Ingresso Rápido” e a empresa
organizadora do evento pedindo a reparação dos danos materiais e morais
sofridos.
Como estava havendo enorme
dificuldade de citação, os requerentes desistiram do prosseguimento do feito em
relação à segunda ré.
A “Ingresso Rápido” contestou a demanda
argumentando que:
a)
é parte ilegítima para a demanda tendo em vista que atuou apenas como
intermediadora na venda dos ingressos e que o adiamento foi realizado pela produtora.
Logo, se houve culpa, esta foi exclusiva de terceiro;
b) os serviços de intermediação
foram prestados por ela e foram efetivamente utilizados pelos requerentes,
independentemente do acontecimento do evento;
c) o cancelamento ou adiamento do
show não gera danos morais.
A questão chegou até o STJ.
A empresa ré, neste caso, mesmo sendo mera intermediária da venda dos
ingressos, responde pelos prejuízos causados decorrentes do cancelamento do
evento?
SIM.
A sociedade empresária que comercializa ingressos no
sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação do serviço.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.985.198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2022 (Info
733).
O Código de Defesa do Consumidor,
ao tratar sobre responsabilidade pelo fato do serviço, não faz qualquer
distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual se entende que toda a cadeia
produtiva é solidariamente responsável.
A venda de ingresso para um
determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio. Como se trata do
negócio da empresa, ela deverá arcar com o risco da própria atividade
empresarial. Isso porque, como a empresa visa ao lucro, esse risco é parte integrante
do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no
preço.
É impossível conceber a
realização de espetáculo cultural, cujo propósito seja a obtenção de lucro por
meio do acesso do público consumidor, sem que a venda do ingresso integre a
própria escala produtiva e comercial do empreendimento.
A venda por intermédio da
internet alcança um número infinitamente superior à venda presencial e reduz o
prazo do retorno dos investimentos empregados.
Desse modo, as sociedades empresárias
que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do
local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente
responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não
prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento
do evento.
A jurisprudência do STJ é no
sentido de que os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória
consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não
cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus
integrantes.
A responsabilidade só seria
afastada no caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não podendo,
contudo, uma empresa que integra a cadeia de consumo ser considerada como
“terceiro”.
O STJ afastou, por fim, a
alegação de que o cancelamento, no caso concreto, não geraria dano moral.
Na hipótese dos autos, o pai e
filha deslocaram-se de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro exclusivamente para
a participação no evento. Em virtude da ausência eficaz de comunicação do
cancelamento/adiamento, nutriram sentimento de frustração, decepção e
constrangimento, ante a não realização do evento e a desinformação.
Qualquer interpretação em sentido
contrário, estimularia lesões aos consumidores, especialmente porque os
fornecedores de produtos ou serviços, sob o argumento de ocorrência de “meros
aborrecimentos comuns cotidianos” ou “meros dissabores”, atentariam contra o
princípio da correta, segura e tempestiva informação, figura basilar nas
relações consumeristas e contratuais em geral. Em síntese, não se pode
confundir mero aborrecimento, inerente à vida civil em sociedade, com a
consumação de ilícito de natureza civil, passível de reparação.
Curiosidades:
• O evento foi cancelado com
quatro dias de antecedência;
• O STJ afirmou que não é obrigatório
que os autores formulem pedido administrativo prévio de estorno do valor pago,
o qual não é pressuposto para o ajuizamento da ação indenizatória;
• Pai e filha foram indenizados
por danos morais em R$ 3 mil, cada um, mais os prejuízos materiais.