quinta-feira, 28 de julho de 2022
A comunidade indígena cuja posse é questionada em ação de nulidade de demarcação deve ser considerada como litisconsorte passiva necessária
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 2007, foi criada uma reserva indígena.
Em razão disso, diversos agricultores
foram desalojados de suas propriedades, recebendo apenas indenização pelas
benfeitorias existentes no local.
Passado algum tempo, esses
agricultores propuseram ação contra a FUNAI e a União pedindo a declaração de
nulidade da demarcação porque teria havido violação de dispositivos da Constituição
Federal e da lei.
Na sentença, o juiz julgou
improcedentes os pedidos. Os autores apelaram.
O TRF deu provimento à apelação e
declarou a nulidade da demarcação.
A FUNAI e a União interpuseram
recurso especial.
Além disso, a comunidade indígena
interessada apresentou petição requerendo seu ingresso na lide na qualidade de
litisconsorte passivo necessário. Alegou que ela (comunidade) deveria ter sido integrado
a lide desde o início e, como não houve a sua citação, deveriam ser declarados nulos
todos os atos decisórios.
Os argumentos da comunidade
indígena foram acolhidos pelo STJ?
SIM.
O art. 232 da Constituição prevê que “os
índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e
interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo.”
A norma é taxativa: os índios e suas
comunidades são os legitimados para as causas. Isso existe porque eles são os titulares
dos direitos discutidas nessas causas.
Como proteção adicional dos direitos
dos indígenas, a Constituição exige a presença do MPF, nas causas em que se
debaterem seus direitos. Essa exigência constituição de intervenção do MPF existe
porque os índios nem sempre estão em condições sociológicas de aquilatar as
implicações de processos em seus direitos, e nisso não diferem tanto dos demais
leigos em direito, malgrado disponham das condições intelectuais, morais e
psicológicas para se inteirar do assunto, se devidamente esclarecidos a
respeito.
O problema está em que todo o processo
judicial se desenvolve no universo de sentido europeu, que muitas vezes é
estranho ou apenas superficialmente conhecido pelas comunidades indígenas. Caso
as relações fossem inversas, isto é, se nossa sociedade ainda se pautasse pelo
código de sentido indígena, seríamos nós, os especialistas no direito nos
demais ramos do conhecimento europeu, que necessitaríamos de explicações
antropológicas e sociológicas para a compreensão do País.
O fato de o MPF estar na lide não supre
a citação da comunidade indígena?
NÃO. O fato de o MPF ter como uma de
suas atribuições a defesa dos direitos dos índios e o fato de ele estar na lide
não significa que a comunidade indígena tenha que ser afastada do processo.
Portanto, o fato de o MPF participar
de demanda não exclui o pressuposto básico de validade de qualquer processo: a
necessidade de se promover a citação do titular do direito cuja existência se
quer negar (no caso, a citação da comunidade indígena).
Em suma:
A
comunidade indígena cuja posse fundiária é questionada em ação de nulidade de
demarcação tem o direito subjetivo de ser ouvida no processo, na qualidade de
litisconsorte passivo necessário.
STJ. 2ª Turma. AgInt na Pet
no REsp 1.586.943-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/05/2022 (Info
737).
Obs: no caso concreto, considerando as
particularidades, o STJ entendeu desnecessária a anulação do processo a partir
da contestação, haja vista a inexistência de prejuízo à comunidade indígena. Para
o STJ, o prejuízo só ocorreu a partir do momento em que ela não foi intimada da
sentença de primeiro grau.
Diante disso, o STJ decidiu que o processo
deveria ser anulado a partir da intimação da sentença.