Imagine a seguinte situação adaptada:
Vitor era réu em um processo
criminal.
Durante o interrogatório, Vitor
negou-se a responder as perguntas do magistrado e da acusação.
O acusado ressaltou que só
responderia as perguntas formuladas por seu advogado.
O juiz, contudo, disse que isso não
seria possível e impediu Vitor de responder aos questionamentos da defesa. Para
o juízo, o fato de o acusado ter se negado a responder perguntas feitas pelo
magistrado excluiria a possibilidade de outros esclarecimentos de qualquer das
partes, inclusive da defesa.
O advogado se insurgiu imediatamente
suscitando nulidade do ato por cerceamento de defesa.
O caso chegou até o STJ.
Agiu corretamente o magistrado?
NÃO.
Direito ao silêncio
O direito à não autoincriminação
consiste na prerrogativa do investigado ou acusado a negar-se a produzir provas
contra si mesmo, e a não ter a negativa interpretada contra si.
O direito ao silêncio é um dos
aspectos, talvez o mais conhecido, do direito à não autoincriminação.
O direito ao silêncio consiste na
prerrogativa, ou seja, no direito que o investigado possui de se recusar a
depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas. Esse silêncio
não poderá ser interpretado como se este investigado estivesse admitindo a
responsabilidade pelo fato.
O direito ao silêncio foi previsto pela CF/88 nos seguintes
termos:
Art. 5º (...)
LXIII - o preso será informado de seus
direitos entre os quais o de permanecer calado (...)
Vale ressaltar que, além da
CF/88, o direito ao silêncio foi consagrado também em tratados de direitos
humanos dos quais o Brasil é signatário. Nesse sentido:
• Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos;
• Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
Três observações
importantes relacionados com o direito ao silêncio no interrogatório
Confira o que o art. 186 do CPP fala sobre o interrogatório:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado
e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz,
antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não
responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará
em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Veja agora três importantes
observações sobre o tema:
1) O interrogatório judicial é
dividido em duas fases:
• a primeira, relativa à
qualificação do réu;
• a segunda, relativa à versão
dos fatos.
Quanto à primeira fase do
interrogatório (qualificação), prevalece que o acusado não tem o direito ao
silêncio. Assim, não pode se negar a responder as perguntas relativas à sua
qualificação.
O direito ao silêncio é relativo
apenas à segunda parte do interrogatório, ou seja, quanto ao mérito, a
autodefesa se exerce de modo livre, desimpedido e voluntário.
Nesse sentido:
A primeira parte do interrogatório não se relaciona com o
direito de não produzir prova contra si. O direito a não se autoincriminar diz
respeito ao mérito da pretensão punitiva, não à identificação do
investigado/acusado.
STJ. 6ª Turma. RHC 126.362/BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
DJe 29/09/2020.
2) o silêncio do interrogado não
pode ser interpretado como confissão ficta, devendo ser encarado pelo
magistrado como mera ausência de resposta.
3) o direito ao silêncio também é
conhecido como nemotenetur se detegere.
É possível ao acusado optar
por responder apenas as perguntas da defesa?
SIM. A ampla defesa assegura isso
ao réu. Trata-se do chamado direito ao silêncio seletivo.
Assim, o procedimento adotado
pelo juízo violou a ampla defesa, além de não ter amparo legal.
Não há nenhuma previsão legal que
determine o encerramento do interrogatório sem possibilidade de indagações pela
defesa após a declaração da opção do exercício do direito ao silêncio seletivo
pelo acusado.
Na verdade, o art.186 do CPP
prevê que, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da
acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas. A letra da lei é clara ao dizer que serão
formuladas perguntas, às quais o réu pode ou não responder. Significa que o
interrogatório, como meio de defesa, permite a possibilidade de responder a
todas, nenhuma ou a algumas perguntas direcionadas ao acusado, que tem direito
de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver.
O interrogatório é o dia do réu
no Tribunal (seu “day in Court”). Trata-se da única oportunidade, ao longo de
todo o processo, em que ele tem voz ativa e livre para, se assim o desejar, dar
sua versão dos fatos, rebater os argumentos, as narrativas e as provas do órgão
acusador, apresentar álibis, indicar provas, justificar atitudes, dizer, enfim,
tudo o que lhe pareça importante para a sua defesa, além, é claro, de responder
às perguntas que quiser responder, de modo livre, desimpedido e voluntário
(STJ. 6ª Turma. REsp 1825622/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe
28/10/2020).
Em suma:
STJ. 6ª Turma. HC 703.978-SC, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador
convocado do TRF 1ª Região), julgado em 05/04/2022 (Info 732).