Dizer o Direito

sábado, 11 de junho de 2022

O juiz pode encerrar o interrogatório sem permitir perguntas caso o réu diga que somente irá responder as indagações do seu advogado?

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

Vitor era réu em um processo criminal.

Durante o interrogatório, Vitor negou-se a responder as perguntas do magistrado e da acusação.

O acusado ressaltou que só responderia as perguntas formuladas por seu advogado.

O juiz, contudo, disse que isso não seria possível e impediu Vitor de responder aos questionamentos da defesa. Para o juízo, o fato de o acusado ter se negado a responder perguntas feitas pelo magistrado excluiria a possibilidade de outros esclarecimentos de qualquer das partes, inclusive da defesa.

O advogado se insurgiu imediatamente suscitando nulidade do ato por cerceamento de defesa.

 

O caso chegou até o STJ. Agiu corretamente o magistrado?

NÃO.

 

Direito ao silêncio

O direito à não autoincriminação consiste na prerrogativa do investigado ou acusado a negar-se a produzir provas contra si mesmo, e a não ter a negativa interpretada contra si.

O direito ao silêncio é um dos aspectos, talvez o mais conhecido, do direito à não autoincriminação.

O direito ao silêncio consiste na prerrogativa, ou seja, no direito que o investigado possui de se recusar a depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas. Esse silêncio não poderá ser interpretado como se este investigado estivesse admitindo a responsabilidade pelo fato.

O direito ao silêncio foi previsto pela CF/88 nos seguintes termos:

Art. 5º (...)

LXIII - o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado (...)

 

Vale ressaltar que, além da CF/88, o direito ao silêncio foi consagrado também em tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Nesse sentido:

• Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos;

• Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

 

Três observações importantes relacionados com o direito ao silêncio no interrogatório

Confira o que o art. 186 do CPP fala sobre o interrogatório:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

 

Veja agora três importantes observações sobre o tema:

1) O interrogatório judicial é dividido em duas fases:

• a primeira, relativa à qualificação do réu;

• a segunda, relativa à versão dos fatos.

Quanto à primeira fase do interrogatório (qualificação), prevalece que o acusado não tem o direito ao silêncio. Assim, não pode se negar a responder as perguntas relativas à sua qualificação.

O direito ao silêncio é relativo apenas à segunda parte do interrogatório, ou seja, quanto ao mérito, a autodefesa se exerce de modo livre, desimpedido e voluntário.

Nesse sentido:

A primeira parte do interrogatório não se relaciona com o direito de não produzir prova contra si. O direito a não se autoincriminar diz respeito ao mérito da pretensão punitiva, não à identificação do investigado/acusado.

STJ. 6ª Turma. RHC 126.362/BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 29/09/2020.

 

2) o silêncio do interrogado não pode ser interpretado como confissão ficta, devendo ser encarado pelo magistrado como mera ausência de resposta.

3) o direito ao silêncio também é conhecido como nemotenetur se detegere.

 

É possível ao acusado optar por responder apenas as perguntas da defesa?

SIM. A ampla defesa assegura isso ao réu. Trata-se do chamado direito ao silêncio seletivo.

Assim, o procedimento adotado pelo juízo violou a ampla defesa, além de não ter amparo legal.

Não há nenhuma previsão legal que determine o encerramento do interrogatório sem possibilidade de indagações pela defesa após a declaração da opção do exercício do direito ao silêncio seletivo pelo acusado.

Na verdade, o art.186 do CPP prevê que, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. A letra da lei é clara ao dizer que serão formuladas perguntas, às quais o réu pode ou não responder. Significa que o interrogatório, como meio de defesa, permite a possibilidade de responder a todas, nenhuma ou a algumas perguntas direcionadas ao acusado, que tem direito de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver.

O interrogatório é o dia do réu no Tribunal (seu “day in Court”). Trata-se da única oportunidade, ao longo de todo o processo, em que ele tem voz ativa e livre para, se assim o desejar, dar sua versão dos fatos, rebater os argumentos, as narrativas e as provas do órgão acusador, apresentar álibis, indicar provas, justificar atitudes, dizer, enfim, tudo o que lhe pareça importante para a sua defesa, além, é claro, de responder às perguntas que quiser responder, de modo livre, desimpedido e voluntário (STJ. 6ª Turma. REsp 1825622/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/10/2020).

 

Em suma:

É ilegal o encerramento do interrogatório do paciente que se nega a responder aos questionamentos do juiz instrutor antes de oportunizar as indagações pela defesa.

STJ. 6ª Turma. HC 703.978-SC, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), julgado em 05/04/2022 (Info 732).


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