Dizer o Direito

quinta-feira, 30 de junho de 2022

A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de coerção não se mostrar a mais adequada e eficaz

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Desde 2017, João não paga a pensão alimentícia que foi fixada judicialmente e que seria devida em favor do seu filho Lucas.

Em 2019, o juiz chegou a decretar a prisão civil de João em razão do inadimplemento, no entanto, a medida não foi cumprida por conta do início da pandemia o que ocasionou a suspensão das custódias dessa natureza.

Em 2021, Lucas voltou a pedir a prisão civil de João porque ele continua inadimplente.

O devedor pediu para que a prisão fosse afastada porque ele não tem condições de trabalhar em razão de estar enfrentando enfermidades crônicas (depressão e disfunção digestiva) que o impedem de manter trabalho e dele exigem muitos gastos com consultas médicas e tratamento.

Além disso, argumentou que o filho é maior de idade, possui formação superior e, portanto, tem condições de trabalhar para se sustentar.

 

A questão chegou até o STJ. O Tribunal concordou com os argumentos do pai?

SIM.

Inicialmente, é importante esclarecer que, em regra, o fato de o credor ser maior de 18 anos e ter, em tese, capacidade de se sustentar não são, por si só, argumentos suficientes para desconstituir a obrigação alimentar, devendo haver prova pré-constituída da ausência de necessidade dos alimentos.

No entanto, no caso concreto, existem outros particularidades que permitem concluir que não existe atualidade e urgência no recebimento dos alimentos, porque:

a) o credor é maior de idade, com formação superior em Psicologia, estando inscrito no respectivo conselho de classe e, portanto, apto a trabalhar;

b) o devedor está com a saúde física e psicológica fragilizada, razão pela qual não consegue manter regularidade no exercício de atividade laborativa; e

c) a dívida se prolongou no tempo e se tornou gravoso exigir todo seu montante para afastar o decreto de prisão.

 

De acordo com o quadro fático delineado, a medida extrema da prisão civil, no caso, não vai conseguir compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar na medida em que, pelo menos desde 2017, nada foi pago ao credor, mesmo com a ameaça concreta de sua constrição, com a expedição do mandado de prisão civil em janeiro de 2019, que só não foi efetivada em virtude da pandemia causada pelo Covid-19.

Portanto, a medida coativa extrema se revela desnecessária e ineficaz, pois o risco alimentar e a própria sobrevivência do credor não se mostram iminentes e insuperáveis, podendo ele, por si só, como vem fazendo, sustentar-se pelo próprio esforço.

 

Em suma:

A prisão civil do devedor de alimentos pode ser excepcionalmente afastada, quando a técnica de coerção não se mostrar a mais adequada e eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações.

STJ. 3ª Turma. RHC 160.368-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/04/2022 (Info 733).

 

Confira outro julgado do STJ em sentido semelhante:

Na hipótese, o fato de a credora ter atingido a maioridade civil e exercer atividade profissional, bem como o fato de o devedor ser idoso e possuir problemas de saúde incompatíveis com o recolhimento em estabelecimento carcerário, recomenda que o restante da dívida seja executado sem a possibilidade de uso da prisão civil como técnica coercitiva, em virtude da indispensável ponderação entre a efetividade da tutela e a menor onerosidade da execução, somada à dignidade da pessoa humana sob a ótica da credora STJ. 3ª Turma. RHC 91.642/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/3/2018.



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