Revisão periódica da necessidade
da prisão preventiva: o parágrafo único do art. 316 do CPP
A prisão preventiva é decretada
sem prazo determinado. Contudo, a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) alterou
o CPP para impor a obrigação de que o juízo que ordenou a custódia, a cada 90
dias, profira uma nova decisão analisando se ainda está presente a necessidade
da medida.
Trata-se do novo parágrafo único do art. 316 do CPP:
Art. 316 (...) Parágrafo único.
Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a
necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão
fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
Imagine agora a seguinte
situação hipotética:
O juiz decretou a prisão
preventiva de João.
O mandado de prisão não foi
cumprido porque João fugiu e não foi encontrado.
Depois de 90 dias a defesa
impetrou habeas corpus afirmando que a prisão se tornou ilegal porque o
magistrado não proferiu nova decisão analisando a necessidade, ou não, de
manutenção da custódia cautelar.
A defesa alegou que existe a
obrigação do Juízo processante de revisar, ex officio, a cada 90 dias,
os fundamentos da prisão preventiva, mesmo no caso em que o acusado encontra-se
foragido.
A defesa apontou dois argumentos
para fundamentar sua tese:
• o texto do art. 316, parágrafo
único, do CPP afirma literalmente que deverá ocorrer a revisão da custódia quando
“Decretada” (e não quando efetivamente cumprida) a prisão;
• a simples existência de um
mandado de prisão, mesmo que não cumprido, implica constrangimento ao seu
destinatário e, como nenhum constrangimento pode durar indefinidamente –
notadamente, quando fundamentado em razões acautelatórias –, o decreto
preventivo deveria ser revisto periodicamente, enquanto subsistir.
Os argumentos da defesa
foram acolhidos pelo STJ? Existe a obrigação do Juízo processante de revisar, ex
officio, a cada 90 dias, os fundamentos da prisão preventiva, no caso em que
o acusado encontra-se foragido?
NÃO. Não existe o dever de
revisão previsto art. 316, parágrafo único, do CPP, caso o acusado esteja
foragido.
No caso concreto, é necessário
fazer uma interpretação teleológica de viés objetivo
A finalidade do dispositivo é a
de evitar o gravíssimo constrangimento experimentado por quem está com efetiva
restrição à sua liberdade, ou seja, por quem está passando pelo constrangimento
da efetiva prisão, que é muito maior do que aquele que advém da simples ameaça
de prisão.
Somente o gravíssimo
constrangimento causado pela efetiva prisão justifica o elevado custo
despendido pela máquina pública com a promoção desses numerosos reexames
impostos pela lei.
Não seria razoável ou
proporcional obrigar todos os Juízos criminais do país a revisar, de ofício, a
cada 90 dias, todas as prisões preventivas decretadas e não cumpridas, tendo em
vista que, na prática, há réus que permanecem foragidos por anos.
Se, por exemplo, um réu ficasse
foragido por 15 anos, o Juízo processante seria obrigado a reexaminar, de
ofício, a prisão, quase 60 vezes. E mais: esse mesmo Juízo teria de fazê-lo em
um sem número de processos, cujas prisões foram decretadas e não cumpridas.
Como lembra Guilherme de Souza
Nucci, “o objetivo principal desse parágrafo [do art. 316 do CPP] se liga ao
juízo de primeiro grau, buscando-se garantir que o processo, com réu preso,
tenha uma rápida instrução para um término breve” (Código de Processo Penal
comentado [e-book]. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021).
Soma-se
a isso o fato de que, se o acusado – que tem ciência da investigação ou
processo e contra quem foi decretada a prisão preventiva – encontra-se
foragido, já se vislumbram, antes mesmo de qualquer reexame da prisão,
fundamentos para mantê-la – quais sejam, a necessidade de assegurar a aplicação
da lei penal e a garantia da instrução criminal –, os quais, aliás,
conservar-se-ão enquanto perdurar a condição de foragido do acusado.
Assim, pragmaticamente, parece
pouco efetivo para a proteção do acusado, obrigar o Juízo processante a
reexaminar a prisão, de ofício, a cada 90 dias, nada impedindo, contudo, que a
defesa protocole pedidos de revogação ou relaxamento da custódia, quando
entender necessário.
Em suma:
Quando o acusado encontrar-se
foragido, não há o dever de revisão ex officio da prisão preventiva, a cada 90
dias, exigida pelo art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
STJ. 5ª Turma. RHC 153.528-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
29/03/2022 (Info 731).