Dizer o Direito

quinta-feira, 12 de maio de 2022

O erro do sistema eletrônico do Tribunal de origem na indicação do término do prazo recursal é apto a configurar justa causa para afastar a intempestividade do recurso

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação contra Pedro e Paulo.

O juiz julgou o pedido procedente.

Os réus, com advogados de escritórios diferentes, interpuseram apelação.

O TJ negou provimento às apelações.

Pedro foi intimado do acórdão do TJ em 16/2/2018.

Vale ressaltar que o sistema eletrônico do TJ efetuou a intimação e calculou o prazo de 30 dias úteis (art. 229 do CPC) para a interposição de recurso, fixando a data final para 4/4/2018.

Pedro interpôs o recurso neste exato dia (04/04/2018).

Ocorre que essa informação estava errada. O termo final do prazo era dia 02/04/2018. Isso significa que Pedro, induzido em erro pelo sistema eletrônico do TJ, interpôs o recurso especial intempestivamente.

 

Diante dessa peculiaridade, é possível considerar que o recurso foi tempestivo?

SIM.

Se houve um erro do sistema eletrônico do Tribunal na indicação do término do prazo recursal e, em razão disso, a parte interpôs o recurso intempestivamente, essa circunstância pode ser utilizada como justa causa para prorrogação do prazo, aplicando-se a regra prevista no art. 223 do CPC/2015:

Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.

§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.

 

Embora seja ônus do advogado a prática dos atos processuais segundo as formas e prazos previstos em lei, o CPC abre a possibilidade de a parte indicar motivo justo para o seu eventual descumprimento, a fim de mitigar a exigência.

Considerando o avanço das ferramentas tecnológicas e a larga utilização da internet para divulgação de dados processuais, eventuais falhas do próprio Poder Judiciário na prestação dessas informações não podem prejudicar as partes.

Dessa forma, a falha induzida por informação equivocada prestada por sistema eletrônico de tribunal deve ser levada em consideração, em homenagem aos princípios da boa-fé e da confiança, para a aferição da tempestividade do recurso.

Ainda que os dados disponibilizados pela internet sejam “meramente informativos” e não substituam a publicação oficial (fundamento dos precedentes em contrário), isso não impede que se reconheça ter havido justa causa no descumprimento do prazo recursal pelo litigante, induzido por erro cometido pelo próprio Tribunal.

 

Em suma:

O erro do sistema eletrônico do Tribunal de origem na indicação do término do prazo recursal é apto a configurar justa causa para afastar a intempestividade do recurso.

STJ. Corte Especial. EAREsp 1.759.860-PI, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/03/2022 (Info 730).

 

Em reforço ao que foi exposto acima, vale a pena lembrar a regra do art. 197 do CPC:

Art. 197. Os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade.

Parágrafo único. Nos casos de problema técnico do sistema e de erro ou omissão do auxiliar da justiça responsável pelo registro dos andamentos, poderá ser configurada a justa causa prevista no art. 223, caput e § 1º.



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