Dizer o Direito

sábado, 14 de maio de 2022

Não se aplica às ações civil públicas propostas por associações e fundações privadas o princípio da simetria na condenação do réu nas custas e nos honorários advocatícios

 

Imagine a seguinte situação hipotética (situação 1):

A União ajuizou ação civil pública contra um empresa.

O juiz julgou o pedido improcedente.

A autora (União) será condenada a pagar custas processuais e honorários advocatícios?

Não. Se o autor da ACP perder a demanda, ele não irá pagar honorários advocatícios, salvo se estiver de má-fé. É o que prevê o art. 18 da Lei nº 7.347/85:

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

 

Imagine agora que o pedido foi julgado procedente (situação 2):

A União ajuizou ação civil pública contra uma empresa.

O pedido da ACP foi julgado procedente.

A empresa (ré) será condenada a pagar custas processuais e honorários advocatícios?

Também não. A justificativa para isso está no princípio da simetria.

Logo, pelo princípio da simetria, se o autor vencer a ação, também não deve ter direito de receber a verba.

Desse modo, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora. Esse entendimento foi firmado pela Corte Especial do STJ no EAREsp 962250/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 15/08/2018. Confira alguns trechos da ementa:

(...) 1. Trata-se de recurso interposto em ação civil pública, de que é autora a União, no qual pleiteia a condenação da parte requerida em honorários advocatícios, sob o fundamento de que a regra do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 apenas beneficia o autor, salvo quando comprovada má-fé.

2. O acórdão embargado aplicou o princípio da simetria, para reconhecer que o benefício do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 se aplica, igualmente, à parte requerida, visto que não ocorreu má-fé. (...)

5. Dessa forma, deve-se privilegiar, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985.

6. Embargos de divergência a que se nega provimento.

(EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018)

 

Imagine que a autora da ACP foi uma associação (situação 3):

A associação de defesa do consumidor ajuizou ACP contra uma empresa.

O juiz julgou o pedido improcedente.

A associação autora será condenada a pagar custas processuais e honorários advocatícios?

Não. Aplica-se, neste caso, o art. 18 da Lei nº 7.347/85.

 

Vamos para a quarta situação (associação foi autora, mas o pedido foi procedente):

A associação de defesa do consumidor ajuizou ACP contra uma empresa.

O juiz julgou o pedido procedente.

A empresa (ré) será condenada a pagar custas processuais e honorários advocatícios? Sim.

 

Mas e o princípio da simetria? Ele não se aplica nessa quarta situação?

NÃO.

 

Ao analisar-se o inteiro teor do voto proferido no EAREsp 962.250/SP, é possível aferir que a União, embargante, pretendia que prevalecesse o entendimento no sentido de que seria cabível a condenação em honorários advocatícios, em ação civil pública, sendo isento de tal verba apenas o autor, salvo quando atuasse de má-fé. Assim, a União pretendia a reforma do acórdão embargado, para condenar o vencido ao pagamento de honorários advocatícios em seu favor.

Esse pedido da União não foi aceito.

Neste EAREsp 962.250/SP, não se discutiu, contudo, o caso em que a autora é uma associação ou fundação privada.

O entendimento proclamado no EAREsp 962.250/SP não deve ser aplicado para as ações civil públicas propostas por associações e fundações privadas. Isso porque se deve incentivar que associações e fundações privadas proponham ações civis públicas em defesa da coletividade. Se os réu, neste caso, não for condenado em custas e honorários, esse ônus recairá sobre as associações e fundações privadas autoras. Logo, isso dificulta o acesso à justiça para a sociedade civil organizada.

 

Não confundir

• O princípio da simetria na condenação do réu nas custas e nos honorários advocatícios se aplica se o autor da ACP foi pessoa jurídica de direito público ou o Ministério Público;

• O princípio da simetria na condenação do réu nas custas e nos honorários advocatícios não se aplica às ações civil públicas propostas por associações e fundações privadas.

 

Observação final

No Informativo original, constou a seguinte redação no destaque:

“Não se aplica às ações civil públicas propostas por associações e fundações privadas o princípio da primazia na condenação do réu nas custas e nos honorários advocatícios.”

Desse modo, o informativo original falou em “princípio da primazia”. Essa expressão constou na ementa do julgado, no entanto, acredito, respeitosamente, que tenha sido um erro de digitação considerando que no inteiro teor não se fala em princípio da primazia, mas sim em princípio da simetria, conforme aliás consta nos demais julgados do STJ.


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