Como Venci o Medo de Falar em Público
Por
George Marmelstein, juiz federal e doutor em direito pela Universidade de
Coimbra
Instagram:
@georgemarmelstein
Quando encarei o concurso de juiz
federal, sabia que não ia ser fácil. Eram 6 fases, cada uma pior do que a
outra. E eu tinha apenas 22 anos!
A prova objetiva era a peneira
principal... 5 mil candidatos. Passaram 90. E eu estava lá, entre os aprovados.
Depois veio a prova dissertativa.
Escrever 20 páginas sobre um tema que eu mal dominava! Outra peneira: restamos
40 candidatos!
Em seguida, a tão temida prova de
sentença... Matéria super complexa de direito tributário, com muitas
pegadinhas... 5 horas de prova. E o funil continuou a pleno vapor: só passaram
18!
A cereja do bolo era a prova
oral.
Eu, sozinho, diante de 5 juristas
experientes, com uma plateia de curiosos, tendo que responder a várias
perguntas de improviso, sobre 10 matérias diferentes, de direito marítimo a sistema
financeiro!
Pensei seriamente em desistir, pois
jamais imaginei que seria capaz de vencer minha timidez e falar com confiança,
ao ponto de ser aprovado em uma prova oral para a magistratura!
O meu temor ia muito além de uma
falta de experiência. Era um bloqueio comunicacional, misturado com uma grande
dose de introversão e um verdadeiro pavor de falar em público.
Como eu tinha que enfrentar o
desafio, acabei me consultando com uma psicóloga, que me passou algumas dicas simples,
mas poderosas.
Lembro que, naquela ocasião, as
principais estratégias para aumentar a confiança eram relacionadas à linguagem
corporal. Manter a postura sempre ereta para mostrar segurança ou fincar os
dois pés firmes no chão, inclusive quando estiver sentado, foram duas mensagens
bem básicas que assimilei facilmente.
A partir daí, um pouco mais
confiante, fui lá encarar a banca e, sem saber que era impossível, passei! E
passei até bem, ficando em quarto lugar, concorrendo com pessoas simplesmente
geniais!
Com o passar do tempo, fui
aprimorando cada vez mais minhas habilidades de falar em público e hoje consigo
me comunicar com eficiência para uma plateia mais ampla, embora ainda sinta um
pequeno desconforto provocado pela introversão. Mesmo enrolando as palavras ou
gaguejando, sou capaz de transmitir o recado com clareza.
Nesse processo de aprendizado,
devo muito ao material que consumi. Por isso, faço questão de compartilhar um
pouco dessa experiência, reunindo aqueles livros e vídeos que considero mais
importantes nessa minha jornada.
Dois TED Talks foram bem
inspiradores para eu compreender melhor minha introversão e saber usar isso a
meu favor.
O primeiro é a palestra da Amy
Cuddy: “a nossa linguagem corporal
modela quem somos”. É uma apresentação inspiradora sobre como controlar as emoções a
partir da linguagem corporal. Até hoje, faço o exercício da “postura de poder”
para ganhar confiança. Mão na cintura, peito estufado e pernas levemente
abertas. O livro que aprofunda a palestra é “O poder da
presença”.
O segundo TED Talk foi a apresentação da Susan Cain “O Poder dos Introvertidos”, que me fez perceber que a introversão não é
necessariamente um atributo negativo a ser combatido.
Inspirado pela palestra, li o best-seller
"O Poder dos Quietos", que mostra como é difícil ser introvertido em um mundo
que valoriza a extroversão, mas, ao mesmo tempo, nos faz perceber que ser
introvertido também tem suas vantagens.
Foi
graças ao livro da Susan
Cain que percebi que não devemos
esconder esse traço de nossas personalidades para tentar abraçar, inutilmente,
um comportamento extrovertido. O melhor é manter-se fiel à própria natureza e
tirar proveito disso! Quando nos esforçamos para ser aquilo que não somos, a
tendência é perder a autenticidade, transmitir insegurança e se esgotar
mentalmente.
O
interessante é que, um pouco antes de ler o livro “O Poder dos Quietos”, eu havia lido alguns livros do Dale Carnegie, que é um autor
que sublima o comportamento extrovertido. Com isso, eu pude conhecer os dois
lados da equação.
Carnegie
é mais conhecido pelo seu impactante livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas.
Mas ele tem também um livro específico sobre comunicação: Como falar em
público e encantar pessoas, em que direciona suas
tradicionais dicas de persuasão para a comunicação verbal, com muitas dicas para
melhorar a habilidade de falar em público e superar medos.
Mesmo sendo um livro mais voltado
para pessoas extrovertidas, tem algumas lições valiosas: (a) identifique seu
público-alvo e use uma linguagem compreensível, direta e clara que possa alcançá-lo,
encantá-lo e convencê-lo; (b) adote o sorriso e a empolgação como o seu
modo-padrão, alterando o estado emocional de acordo com as circunstâncias; (c)
quando possível, mencione o nome do interlocutor, pois todos gostam de ouvir o
próprio nome; (d) se possível, direcione a fala para as emoções do interlocutor,
instigando suas necessidades e seus desejos; (e) controle o ritmo, as pausas e
a entonação de voz para conduzir o público e criar clímax e emoção na sua fala;
(f) tente manter o contato visual com o ouvinte (esta, em particular, nunca
consegui implementar por conta da minha introversão).
Outro livro marcante foi o “Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e
elegância”, de Steven Pinker. Não é propriamente um livro
de oratória, mas de escrita cativante. Mesmo assim, aprendi com ele
alguns conceitos valiosos que também se aplicam à linguagem falada.
Por exemplo, foi nele que conheci
o conceito de maldição do conhecimento.
É um vício muito comum de quem domina um assunto e quer transmitir a mensagem
para um público mais amplo, pois há uma tendência de pressupor que aquelas
informações são de senso comum. Como diz Pinker, “quanto mais você conhece
alguma coisa, menos você lembra como foi difícil aprendê-la”. Isso pode
fazer com que o comunicador atropele algumas etapas do raciocínio na hora de
desenvolver uma ideia e acabe suprimindo algumas informações necessárias que,
para ele (orador), parecem óbvias, mas que o público talvez não conheça.
A solução para evitar a maldição
do conhecimento é falar de modo pedagógico, explicando exatamente o que você
pretende dizer com aquelas palavras e narrando os passos que você dará para
chegar à conclusão que você pretende oferecer. Afinal, o interlocutor não sabe
o que se passa na sua cabeça e provavelmente não leu o mesmo material que você
leu.
Apelos visuais também ajudam
nessa tarefa. A ideia é tratar a comunicação como um tipo de conversa em que o palestrante
dirige a atenção do interlocutor para alguma coisa no mundo, preferencialmente
instigando os sentidos visuais. É como se fosse um passeio de mãos dadas por um
museu, em que o comunicador vai mostrando os quadros e explicando a sua
história para um observador interessado. O segredo é colocar-se na posição do ouvinte
e fazer com que ele possa ver o que você está vendo.
Em relação à apresentação
propriamente dita, vale a pena dar uma olhada nos livros do Carmine Gallo: a) TED: falar,
convencer e emocionar; b) Storytelling:
aprenda a contar histórias; c) Faça com Steve
Jobs e realize apresentações incríveis em qualquer situação.
Os três livros tratam de apresentações de alto impacto
e são úteis a seu modo. De qualquer forma, se fosse para escolher um, eu iria
no TED: falar, convencer e
emocionar,
pois explica o essencial do storytelling,
mesclando com dicas práticas para montar apresentações memoráveis.
Em síntese, Carmine Gallo sugere que uma apresentação
convincente precisa ser: (a) emocional,
ou seja, a mensagem deve tocar o coração do ouvinte antes de alcançar a mente
e, para isso, deve ser transmitida com paixão e entusiasmo; (b) inovadora, ou seja, a apresentação deve
trazer ensinamentos novos, surpreendentes e significativos para a audiência;
(c) memorável, ou seja, a
apresentação deve produzir uma lembrança duradora no ouvinte, o que pode ser
facilitado por meio de histórias. Uma boa história sempre cativa a audiência.
Mas há um livro ainda melhor, que é o livro mais
popular sobre apresentação de alto impacto: Ted Talks: o
guia oficial do TED para falar em público, de Chris Anderson. Se eu tivesse que indicar só um livro, seria este.
É um livro excelente que usa as melhores palestras TED
como proposta de aprendizagem. Eu o incluiria no topo de qualquer lista de
livros sobre falar em público, não só porque é o mais popular, mas porque é bom
mesmo, sendo um dos livros mais bem avaliados no GoodReads, com mais de 12 mil avaliações!
Anderson defende que a principal tarefa de um
comunicador é fazer brotar uma ideia na mente das pessoas que estão ouvindo.
Para isso, ele alicerça seu modelo em quatro dicas bem simples: (a) foque sua
apresentação em uma grande ideia apenas, tornando-a sua linha de raciocínio
durante toda a sua fala, de forma que tudo o que disser remeta a ela de alguma
forma; (b) dê à plateia uma razão para
querer ouvi-lo, instigando a sua curiosidade com perguntas intrigantes e
histórias envolventes; (c) construa sua ideia com conceitos vívidos e familiares,
que façam sentido para a sua plateia; (d) faça com que valha a pena
compartilhar a sua ideia, mostrando como ela pode ser útil para outras pessoas.
A vantagem do livro do Chris Anderson é que une a
teoria com a prática, ilustrando os conceitos fundamentais com exemplos
concretos extraídos das palestras TED, que são gratuitas. Assim, é possível
aprender assistindo os melhores e entendendo como eles fazem. Subir nos ombros
dos gigantes é sempre uma boa estratégia para aprender mais rápido.
Um exemplo pode ser extraído da apresentação de Simon
Sinek. Mesmo sendo bastante introvertido, a TED TALK do Sinek teve mais de 22
milhões de visualizações, sendo uma das mais assistidas de todos os tempos.
Qual o segredo?
São estratégias bem úteis: (a) nunca comece a falar
imediatamente, pois a pressa pode ser interpretada como ansiedade, insegurança
e medo. Em vez disso, respire fundo, espere alguns segundos e comece; (b) faça
contato visual com o máximo de pessoas possível, de modo individual, evitando a
visão panorâmica. O ideal é olhar para uma pessoa atentamente durante uma frase
ou pensamento inteiro, sem quebrar o olhar. Somente quando terminar a frase,
passe para outra pessoa e continue se conectando com pessoas individuais até
terminar de falar; (c) se ficar nervoso, fale bem devagar. A fala mais lenta
acalma o coração, reduz a tensão e mostra para a sua audiência que você está no
controle da situação; (d) transforme o nervosismo em excitação, reinterpretando
os sinais corporais associados à ansiedade – mãos úmidas, coração acelerado, agitação,
nervos tensos – como efeitos colaterais de empolgação e alegria; (e) agradeça
quando terminar.
Posso dizer, sem medo, que esses livros e vídeos mudaram
a minha vida, permitindo que eu não apenas superasse o meu medo de falar
em público, mas também pudesse desenvolver uma habilidade de me apresentar para
grandes plateias. Basta dizer que, a despeito de toda a minha introversão, me
tornei professor e até palestrante! Em 2015, defendi a minha tese de doutorado
na temida Sala dos Capelos, encarando a conhecida hostilidade da academia
portuguesa por quatro horas e fui aprovado com louvor!
Não digo que é preciso ler todos
esses livros para ser um bom orador. No meu caso, foi muito mais uma
necessidade, porque eu simplesmente travava diante da possibilidade de encarar
uma audiência desconhecida e precisava superar esse medo para alcançar meus
objetivos. Para muitos, talvez seja suficiente assistir a alguns TED TALKS e
tentar mimetizar e aprimorar o estilo dos melhores palestrantes.
Seja como for, tenha em mente
que, como qualquer soft skill, a
habilidade de falar em público se aprimora com a prática. Mas a prática sem uma
base teórica é contraprodutiva. E a base teórica, sem a prática, é inútil.
Então, o segredo é usar a base
teórica para orientar uma prática
deliberada.
Ou seja, a melhor forma de
aprender, caso não esteja disposto a pagar um curso, é seguir um treinamento
orientado pelos livros. Para isso, vale a pena praticar sozinho, em frente ao
espelho ou se filmando. Observe seus vícios de linguagem e trejeitos corporais.
Identifique seus pontos fracos e tente corrigi-los. Também vale fazer
apresentações para amigos ou familiares, pedindo feedback sincero.
As primeiras apresentações
provavelmente serão péssimas, mas isso é bom. Os primeiros passos são sempre
desajeitados. A qualidade só melhora com o tempo. Garanto que não é nada do
outro mundo. Se eu, que estou na escala mais elevada de introversão, consegui,
certamente você também é capaz!
PS. Se você está em um nível
muito básico, com pouca experiência e sem uma base mínima para falar em
público, vale a pena dar uma olhada no livro “A Arte de Falar em
Público”, de Stephen E. Lucas. É o livro mais didático
sobre o tema. É um manual para servir como um roteiro para ensinar a fazer uma
apresentação persuasiva, desde a preparação até o feedback. Além de ter um conteúdo espetacular, a edição é de
altíssima qualidade. Se você está no nível zero e pretende dar o primeiro
passo, talvez aqui seja o melhor ponto de partida.
PS2. Se gostou, aproveita e acompanhe minha Newsletter Brain Hacks. Toda sexta,
compartilho gratuitamente dicas para uma vida mais inteligente! São pitadas
semanais de curiosidades intelectuais para afiar a mente.
***
Aqui a lista de livros citados:
“O poder da presença” – Amy Cudy.
“O Poder dos Quietos" – Susan Cain.
“Como falar em
público e encantar pessoas” –
Dale Carnegie
“Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância” - Steven Pinker
“TED: falar,
convencer e emocionar”; “Storytelling:
aprenda a contar histórias”; “Faça com Steve
Jobs e realize apresentações incríveis em qualquer situação” – Carmine Gallo
“Ted Talks: o
guia oficial do TED para falar em público, de Chris Anderson” – Chris Anderson
“A Arte de Falar em
Público” – Stephen Lucas