Dizer o Direito

sábado, 2 de abril de 2022

Se houver conflito entre duas sentenças transitadas em julgado, qual deverá prevalecer: a primeira ou a segunda? Conheça a regra e a exceção

 

CONFLITO DE SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO E DECISÃO DO STJ NO EARESP 600.811/SP

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação de cobrança contra a empresa “XYZ”, tendo o pedido sido julgado improcedente, decisão que transitou em julgado.

Alguns anos depois, João ajuizou novamente a mesma ação de cobrança contra a empresa e, por desorganização desta, não se percebeu que já havia coisa julgada em favor da ré. O processo seguiu normalmente seu curso e o pedido foi julgado procedente, tendo transitado em julgado.

Repare, portanto, que temos duas ações, com as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ambas transitadas em julgado e com decisões diferentes, a primeira improcedente, a segunda procedente.

João ingressou com pedido de cumprimento de sentença em relação ao segundo processo (no qual ele ganhou).

Quando a empresa foi intimada, um advogado antigo da empresa lembrou do primeiro processo e avisou ao novo escritório de advocacia, que estava cuidando do caso. A empresa executada apresentou, então, exceção de pré-executividade alegando que a segunda sentença seria nula por ter violado a coisa julgada.

 

Caso haja duas sentenças transitadas em julgado envolvendo as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido, qual delas deverá prevalecer?

Esse é um tema de grande relevância e polêmica na doutrina, sendo possível encontrar posições antagônicas de renomados autores do processo civil. Confira:

Deverá prevalecer a 1ª coisa julgada

Deverá prevalecer a 2ª coisa julgada

Arruda Alvim, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, Araken de Assis, Teresa Wambier, Sérgio Gabriel Porto, Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Pontes de Miranda, Vicente Greco Filho, Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Jr.

Os que sustentam essa posição defendem que a segunda sentença deverá prevalecer até que seja desconstituída por meio de ação rescisória. Passado o prazo, não há mais jeito.

 

Qual das duas posições foi acolhida pelo STJ? Qual coisa julgada deverá prevalecer?

Em regra, a segunda.

Havendo conflito entre sentenças transitadas em julgado deve valer a coisa julgada formada por último, enquanto não invalidada por ação rescisória.

STJ. Corte Especial. EAREsp 600811/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 04/12/2019.

 

Veja trechos da ementa desse julgado:

(...) 1. A questão debatida neste recurso, de início, reporta-se à divergência quanto à tese firmada no aresto embargado de que, no conflito entre duas coisas julgadas, prevaleceria a primeira decisão que transitou em julgado. Tal entendimento conflita com diversos outros julgados desta Corte Superior, nos quais a tese estabelecida foi a de que deve prevalecer a decisão que por último se formou, desde que não desconstituída por ação rescisória. Diante disso, há de se conhecer dos embargos de divergência, diante do dissenso devidamente caracterizado.

2. Nesse particular, deve ser confirmado, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento majoritário dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, na seguinte forma: “No conflito entre sentenças, prevalece aquela que por último transitou em julgado, enquanto não desconstituída mediante Ação Rescisória” (REsp 598.148/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/8/2009, DJe 31/8/2009).

3. Entendimento jurisprudencial que alinha ao magistério de eminentes processualistas: “Em regra, após o trânsito em julgado (que, aqui, de modo algum se preexclui), a nulidade converte-se em simples rescindibilidade. O defeito, arguível em recurso como motivo de nulidade, caso subsista, não impede que a decisão, uma vez preclusas as vias recursais, surta efeito até que seja desconstituída, mediante rescisão (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed, Forense: 1985, vol. V, p. 111, grifos do original). Na lição de Pontes de Miranda, após a rescindibilidade da sentença, “vale a segunda, e não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se”. (Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. , t. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 214). (...)

(EAREsp 600.811/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/12/2019, DJe 07/02/2020)

 

A REGRA ACIMA EXPOSTA POSSUI UMA EXCEÇÃO: CASO JÁ TENHA SIDO INICIADA OU CONCLUÍDA A EXECUÇÃO DO PRIMEIRO TÍTULO

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro, servidor público, ajuizou ação cobrando da União o pagamento de adicionais que lhe seriam devidos relativos ao período de 1998 a 2001. Vamos denominar de “processo 1”.

O Juiz julgou o pedido parcialmente procedente condenando a União a pagar os adicionais dos anos de 2000 e 2001.

Houve o trânsito em julgado.

Pedro ingressou com o cumprimento de sentença (execução) desse julgado (execução do processo 1) e recebeu as quantias devidas.

Logo em seguida, os servidores colegas de repartição de Pedro afirmaram para ele que iriam ingressar com uma ação contra a União pedindo o pagamento de determinadas quantias que lhes seriam devidas.

Pedro topou participar da demanda.

A ação foi ajuizada. Vamos chamar de processo 2.

O que Pedro não sabia ao certo é que o pedido feito neste processo 2 era o mesmo que ele já havia formulado e conseguido parcialmente no processo 1 (adicionais dos anos de 1998 a 2001).

A União e o magistrado não perceberam o fato no curso do processo e foi prolatada sentença de mérito julgando o pedido integralmente procedente.

O juiz, neste processo 2, afirmou que houve um marco interruptivo e que, portanto, não havia prescrição. Logo, condenou a União a pagar os adicionais dos anos de 1999 a 2001.

Houve o trânsito em julgado.

Diante disso, tem-se o seguinte cenário:

• Processo 1: pedido parcialmente procedente (adicionais de 2000 e 2001).

• Processo 2: pedido integralmente procedente (adicionais de 1999 a 2001).

 

Pedro ingressou com o cumprimento de sentença do processo 2. Foi, então, que a União percebeu a confusão e opôs embargos à execução alegando que deveria prevalecer a primeira coisa julgada.

Pedro apresentou impugnação aos embargos alegando o seguinte:

- temos, no presente caso, um conflito entre duas sentenças transitadas em julgado;

- de acordo com a decisão do STJ no EAREsp 600.811/SP, deve prevalecer a coisa julgada formada por último (processo 2);

- eu já recebi os adicionais de 2000 e 2001 na execução do processo 1;

- no processo 2, ficou reconhecido que tenho direito aos adicionais de 1998 a 2001;

- logo, como prevalece a segunda coisa julgada, ainda tenho direito de receber os adicionais de 1998 e 1999, que não foram pagos na primeira execução.

 

O argumento de Pedro foi acolhido pelo STJ?

NÃO.

De fato, o STJ, ao julgar o EAREsp 600.811/SP, firmou o entendimento de que havendo conflito entre coisas julgadas deve prevalecer a última que se formou, desde que não desconstituída por ação rescisória.

Contudo, essa regra deve ser afastada nos casos em que a sentença formada na primeira coisa julgada já tenha sido objeto de execução (concluída ou iniciada).

Assim, se o título executivo formado na primeira coisa julgada já foi executado ou se iniciada sua execução, deverá prevalecer a primeira coisa julgada em detrimento daquela formada em momento posterior.

 

Mas essa exceção foi criada agora?

NÃO. Essa exceção já havia constado na ementa e no voto condutor do EAREsp 600.811/SP.

Na lição de Pontes de Miranda, após a rescindibilidade da sentença, “vale a segunda, e não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se”. (Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. , t. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 214). (...)

 

Assim, no presente caso, como já houve a execução do título formado na primeira ação, deve prevalecer a primeira coisa julgada formada, razão pela qual se mostra indevida a execução do título formado em momento posterior, ainda que se trate de período diverso, sobre o qual foi reconhecida a prescrição na primeira execução.

 

Em suma:



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