Dizer o Direito

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Se for uma situação de urgência, o plano de saúde é obrigado a custear o parto mesmo que, no caso concreto, o plano da mãe não inclua serviços de obstetrícia

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina é cliente de um determinado plano de saúde há alguns anos.

Ela ficou grávida.

Vale ressaltar que Regina sabia que seu parto não seria custeado pela operadora considerando que o seu contrato não oferecia cobertura para serviços de obstetrícia (era um plano de saúde hospitalar sem obstetrícia).

Quando estava com 7 meses de gestação, Regina passou mal e foi levada às pressas a um hospital conveniado ao plano de saúde.

O médico que atendeu a mulher constatou que o nascituro estava em sofrimento fetal e que havia a necessidade urgente de realização do parto.

O parto, contudo, não foi autorizado pelo plano de saúde porque, conforme já explicado acima, o contrato firmado com Regina não oferecia obstetrícia.

Regina não tinha condições de pagar o valor cobrado e o hospital também se recusou a realizar o parto sem a contraprestação, orientando a mulher a procurar uma unidade médica vinculada ao SUS.

Depois de algumas horas, o marido de Regina conseguiu transferi-la para um hospital público, onde foi feito o parto.

Vale ressaltar, porém, que, em razão da demora acima narrada, a criança nasceu com lesões neurológicas causadas pela falta de oxigênio.

Regina ajuizou ação de indenização por danos morais contra o plano de saúde e o hospital particular que recusaram o parto.

Vejamos alguns aspectos jurídicos relacionados com o tema.

 

É possível a contratação de um plano de saúde com segmentação hospitalar sem obstetrícia?

SIM. A Lei nº 9.656/98 autoriza a contratação de planos de saúde na segmentação hospitalar com ou sem obstetrícia.

 

Regina, que estava grávida, passou mal e foi internada. Essa internação estava coberta pelo plano?

SIM. Mesmo o plano de saúde hospitalar sem obstetrícia (como era o caso), garante, como cobertura mínima, a internação hospitalar, sem limitação de prazo (art. 12, II). O que ficam excluídos são os procedimentos obstétricos.

Assim, de acordo com a Lei nº 9.656/98, o plano era obrigado a custear a internação de Regina. O que o plano não tinha, em situações normais, era a obrigação de custear o parto. Isso porque, em regra, para ter direito à cobertura do parto pelo plano de saúde, a beneficiária precisa ter contratado a segmentação hospitalar com obstetrícia.

 

No caso concreto, o plano de saúde deveria ter custeado o parto do filho de Regina?

SIM. Isso porque se tratava de um parto de urgência.

O art. 35-C da Lei nº 9.656/98 afirma que os planos de saúde são obrigados a atender situações envolvendo urgência e emergência:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;

III - de planejamento familiar.

Parágrafo único.  A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35.

 

Nessa linha, o Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) editou a Resolução nº 13/98 que disciplina “a cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência”.

O art. 4º dessa Resolução determina que os planos de saúde prestem o atendimento de urgência e emergência quando se referirem à gestação:

Art. 4º Os contratos de plano hospitalar, com ou sem cobertura obstétrica, deverão garantir os atendimentos de urgência e emergência quando se referirem ao processo gestacional.

 

Vale ressaltar, ainda, que o art. 7º da Resolução CONSU nº 13/98 prevê que as operadoras de planos de saúde devem custear a remoção da paciente, após os atendimentos de urgência e emergência, quando ficar caracterizado a falta de recursos oferecidos pela unidade de atendimento para continuidade de atenção ou pela necessidade de internação para os usuários de plano de segmentação ambulatorial.

Diante desse arcabouço normativo, conclui-se que o plano de saúde não poderia se eximir de fazer a cobertura do parto, naquele caso concreto, porque se tratava de um atendimento de urgência.

 

A recusa do plano de saúde gerou direito à indenização por dano moral?

SIM. A recusa indevida de cobertura, pela operadora de plano de saúde, nos casos de urgência ou emergência, enseja reparação a título de dano moral, em razão do agravamento ou aflição psicológica ao beneficiário, ante a situação vulnerável em que se encontra (STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no REsp 1.804.520/SP, DJe de 02/04/2020).

 

O hospital também pode ser responsabilizado no caso?

SIM. Existe responsabilidade solidária entre a operadora de plano de saúde e o hospital conveniado pela reparação dos prejuízos sofridos pela beneficiária do plano decorrente da má prestação dos serviços, configurada, na espécie, pela negativa indevida de cobertura e não realização do atendimento médico-hospitalar de parto de urgência de que necessitava a beneficiária. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1695781/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/11/2017.

 

Em suma:

A operadora de plano de saúde tem o dever de cobrir parto de urgência, por complicações no processo gestacional, ainda que o plano tenha sido contratado na segmentação hospitalar sem obstetrícia.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.757-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022 (Info 728).



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