Dizer o Direito

quinta-feira, 21 de abril de 2022

O ajuizamento de execução da obrigação de fazer interrompe o prazo para a execução da obrigação de pagar?

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

Foi criada, por lei, uma gratificação conhecida como GACEN, devida aos servidores da FUNASA (fundação pública federal) que estivessem na ativa. Pela lei, a referida verba não seria paga aos aposentados.

O sindicato dos servidores ajuizou ação coletiva contra a FUNASA alegando que os servidores que se aposentaram com paridade teriam direito de receber a GACEN.

 

Abrindo um parêntese: paridade

A paridade era uma garantia que os servidores públicos aposentados possuíam segundo a qual todas as vezes que havia um aumento na remuneração percebida pelos servidores da ativa, esse incremento também deveria ser concedido aos aposentados.

Ex.: João é servidor aposentado do Ministério da Fazenda, tendo se aposentado com os proventos do cargo de técnico A1. Quando fosse concedido algum reajuste na remuneração do cargo técnico A1, esse aumento também deveria ser estendido aos proventos de João.

No dicionário paridade significa a qualidade de ser igual. Assim, o princípio da paridade enunciava que os proventos deveriam ser iguais à remuneração da ativa.

Os pensionistas, ou seja, os dependentes dos servidores públicos falecidos beneficiados com pensão por morte também tinham direito à paridade. Ex.: João, quando faleceu, era servidor aposentado do Ministério da Fazenda ocupante do cargo de técnico A1. Sua esposa passou a receber pensão por morte em valor igual à remuneração do cargo de técnico A1. Se fosse concedido algum reajuste para o cargo de técnico A1, esse aumento também deveria ser estendido à pensão por morte.

A regra da paridade estava prevista no art. 40, § 8º, da CF/88, incluído pela EC 20/1998.

O princípio da paridade “foi revogado, restando somente para os servidores com direito adquirido, que já preenchiam os requisitos para a aposentadoria antes da edição da EC nº 41 (art. 3º, EC nº 41), ficando também resguardado o direito para aqueles que estão em gozo do benefício (art. 7º, EC nº 41) e os que se enquadrarem nas regras de transição do art. 6º da EC nº 41 e do art. 3º da EC nº 47.” (MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 15ª ed., Salvador: Juspodivm, 2021, p. 928).

Desse modo, se você ingressar no serviço público hoje, não terá a garantia da paridade quando se aposentar, já que ela foi extinta com a EC nº 41/2003. Da mesma forma, caso seja servidor público e morra, seus dependentes poderão receber pensão por morte, mas não terão direito à paridade.

No lugar da paridade, existe hoje o chamado “princípio da preservação do valor real”, previsto no art. 40, § 8º, da CF/88, segundo o qual os proventos do aposentado devem ser constantemente reajustados para que seja sempre garantido o seu poder de compra.

Art. 40 (...)

§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003)

 

Voltando ao caso concreto:

Nessa ação coletiva, o sindicato pediu que:

a) fosse incluída a GACEN nos proventos de todos os servidores da FUNASA que se aposentaram antes da EC 41/2003;

b) que sejam pagas as parcelas dessa gratificação desde a data em que ela foi instituída por lei.

 

O juiz julgou procedentes os pedidos. Houve o trânsito em julgado em 01/06/2012.

Repare que a FUNASA foi condenada a duas obrigações:

• uma obrigação de fazer (incluir a gratificação nos vencimentos pagos mensalmente ao servidor);

• uma obrigação de pagar (pagar as parcelas pretéritas).

 

Execução individual

Em 01/06/2013, Pedro, servidor aposentado da FUNSA e um dos beneficiários com a decisão, ingressou com pedido de execução individual de sentença coletiva. Ocorre que, nessa execução, Pedro somente pediu a inclusão da GACEN em seu contracheque. Desse modo, a execução limitou-se à obrigação de fazer. A gratificação foi incluída nos vencimentos.

Em 29/07/2017, Pedro, alertado pelos colegas, ingressou com nova execução individual pedindo agora o pagamento das parcelas atrasadas. Assim, nessa segunda execução Pedro requereu o cumprimento da obrigação de pagar.

 

Arguição de prescrição

A FUNASA argumentou que essa pretensão de pagar estaria prescrita. Isso porque o prazo prescricional é de 5 anos contados do trânsito em julgado.

Como a sentença transitou em julgado em 01/06/2012, Pedro teria até 01/06/2017 para executá-la.

Pedro contra-argumentou alegando que, em 01/06/2013, quando ele ingressou com a execução da obrigação de fazer, houve a interrupção da prescrição. Logo, o prazo se reiniciou, de modo que ele teria até 2018 para cobrar os valores atrasados.

 

A tese de Pedro foi acolhida pelo STJ?

NÃO.

O ajuizamento de execução da obrigação de fazer não interrompe o prazo para a execução da obrigação de pagar. 

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.804.754-RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 15/03/2022 (Info 729).

 

A Corte Especial do STJ decidiu que o prazo prescricional para a pretensão executória é único e o ajuizamento de execução da obrigação de fazer não interrompe o prazo para a propositura da execução que visa ao cumprimento da obrigação de pagar:

(...) 21. Quando a sentença coletiva transitada em julgado impõe obrigações de fazer (p. ex. implantar no contracheque dos servidores determinado reajuste) e de pagar (p. ex. efetuar o pagamento das parcelas pretéritas), surgem em tese, no mesmo instante, duas pretensões executórias.

22. Se o titular do direito reconhecido propõe apenas uma dessas Execuções, essa ação não vai interferir no prazo prescricional da pretensão em relação à qual tenha ficado inerte, por se tratar de pretensões autônomas.

23. Consoante a jurisprudência do STJ, o ajuizamento de Execução coletiva de obrigação de fazer, por si só, não repercute no prazo prescricional para Execução individual de obrigação de pagar derivada do mesmo título (...)

24. Com o trânsito em julgado da sentença coletiva - que, além de condenar à obrigação de fazer (in casu, o implemento do reajuste nos contracheques dos servidores), impõe obrigação de pagar quantia certa referente aos valores retroativos -, é possível identificar a presença de interesse coletivo à Execução da obrigação de fazer e de interesses individuais de cada um dos substituídos ao cumprimento de ambas as obrigações.

(...)

26. A menos que a sentença transitada em julgado condicione a Execução da obrigação de pagar ao encerramento da Execução da obrigação de fazer (AgRg na ExeMS 7.219/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 3.8.2009), não se pode deixar de reconhecer, desde então, a existência de pretensão ao processo de liquidação e Execução (Ação de Cumprimento).

(...)

31. Com o trânsito em julgado da condenação genérica, já existe a possibilidade de os beneficiários pleitearem a liquidação da obrigação de pagar referente ao passivo devido, independentemente do adimplemento da obrigação de fazer. A pendência de liquidação ou a propositura de Execução da obrigação de fazer, como já dito anteriormente, em nada interfere no prazo prescricional da Execução subsequente.

(...)

38. Havendo execuções de naturezas diversas, entretanto, a regra é de que ambas devem ser autonomamente promovidas dentro do prazo prescricional. Excepciona-se apenas a hipótese em que a própria decisão transitada em julgado, ou o juízo da execução, dentro do prazo prescricional, reconhecer que a execução de um tipo de obrigação dependa necessariamente da prévia execução de outra espécie de obrigação.

(...)

42. Recurso Especial provido, declarando-se prescrita a obrigação de pagar quantia certa.

STJ. Corte Especial. REsp 1340444/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, julgado em 14/03/2019.

 

Esse entendimento somente pode ser excepcionado nas hipóteses em que a própria decisão transitada em julgado, ou o juízo da execução, dentro do prazo prescricional, reconhecer que a execução de um tipo de obrigação dependa necessariamente da prévia execução de outra espécie de obrigação, peculiaridade que não ocorreu no caso em análise.

Essa tese acerca da autonomia das pretensões executórias vem sendo adotada de forma pacífica no âmbito da Primeira Seção do STJ.


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