Dizer o Direito

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Mesmo em casos nos quais não haja nudez, é possível enquadrar a imagem como ‘cena de sexo explícito ou pornográfica’ para os fins do art. 241-E do ECA


Alerta de gatilho: tema sensível que envolve crime contra dignidade sexual, crianças e adolescentes

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

O réu tirou fotografias de duas meninas de 12 e 13 anos, em poses sensuais, com enfoque principalmente em seus órgãos genitais.

Nas imagens, as adolescentes usavam lingerie e biquíni, sendo que muitas fotos enquadravam (davam close) única e exclusivamente nas genitálias das garotas.

Durante as investigações, a polícia encontrou outras imagens, no mesmo contexto, envolvendo outras crianças e adolescentes menores de idade.

Diante disso, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o réu pela prática dos crimes previstos nos arts. 240 e 241-B do ECA:

Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

 

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

 Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

 

A defesa sustentou que os fatos narrados não se amoldaram aos delitos acima listados, considerando que as crianças e adolescentes não foram fotografadas em cenas de sexo explícito ou em cenas pornográficas, conforme exigem os tipos penais. Ao contrário, elas estavam vestidas. Segundo a defesa, eram apenas fotografias artísticas.

 

A questão chegou até o STJ. O que decidiu a Corte? As condutas narradas acima configuram os crimes tipificados nos arts. 240 e 241-B do ECA?

SIM.

 

“Cena de sexo explícito ou pornográfica”

O art. 241-E do ECA define “cena de sexo explícito ou pornográfica”. Confira:

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.

 

Pela exclusiva leitura do art. 241-E do ECA, as condutas acima descritas não poderiam ser enquadradas como “cena de sexo explícito ou pornográfica”. No entanto, segundo o STJ, este dispositivo é uma norma penal explicativa, porém não completa. Assim, a definição deste artigo não é exaustiva e o conceito de pornografia infanto-juvenil pode abarcar hipóteses em que não haja a exibição explícita do órgão sexual da criança e do adolescente.

Para se fazer a correta interpretação do dispositivo é necessário se analisar o escopo da norma (mens legis), devendo-se, para isso, lembrar o que diz o art. 6º do ECA:

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

 

Ao amparo desse firme alicerce exegético, chega-se à conclusão de que o art. 241-E do ECA, ao explicitar o sentido da expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” não o faz de forma integral e, por conseguinte, não restringe tal conceito apenas àquelas imagens em que a genitália de crianças e adolescentes esteja desnuda. Isso porque, considerando a proteção absoluta que a lei oferece à criança e ao adolescente, a tipificação dos delitos nela preconizados deve levar em conta todo o contexto fático que envolve a conduta praticada.

Assim, é imprescindível verificar se, a despeito de as partes íntimas das vítimas não serem visíveis nas cenas, estão presentes o fim sexual das imagens, poses sensuais, bem como evidência de exploração sexual, obscenidade ou pornografia. Se isso estiver presente, estará configurado o crime.

 

Há doutrinadores que defendem esta posição do STJ. Confira:

“(...) o artigo 241-E traz uma norma penal explicativa, que não incrimina condutas ou determina a sua impunidade, mas, sim, procura aclarar o conteúdo dos tipos penais. No dispositivo em questão, o legislador define o que se compreende pela expressão "cena de sexo explícito ou pornográfica": qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas (visíveis), reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. A definição não é completa, pois não abarca todas as situações de encenação que ensejam representação de pornografia infanto-juvenil, necessitando de uma valoração cultural pelo intérprete, o que caracteriza os novos tipos penais como abertos.” (CAMPANA, Eduardo Luiz Michelan. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1099)

 

“A criança ou adolescente não precisa só estar nua, mas pode estar, p. ex com as vestes íntimas. (...)” (ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 622-623).

 

Outros, contudo, sustentam entendimento em sentido contrário: NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 2ª ed., São Paulo: Forense, 2015, p. 755.

Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando fica clara a finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente - ainda que cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica.

 

Em suma:

 

O STJ já havia decidido no mesmo sentido:

Fotografar cena e armazenar fotografia de criança ou adolescente em poses nitidamente sensuais, com enfoque em seus órgãos genitais, ainda que cobertos por peças de roupas, e incontroversa finalidade sexual e libidinosa, adéquam, respectivamente, aos tipos do art. 240 e 241-B do ECA.

Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando fica clara a finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente — ainda que cobertos por peças de roupas —, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica.

STJ. 6ª Turma. REsp 1543267-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3/12/2015 (Info 577).


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