Lei mineira autorizou PMs e
Bombeiros a lavrar termo circunstanciado
O art. 191 da Lei nº 22.257/2016,
do Estado de Minas Gerais, previu que os integrantes da Polícia Civil, da
Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar podem lavrar termo
circunstanciado de ocorrência.
O que é o termo circunstanciado de ocorrência?
Se a autoridade policial tomar conhecimento da prática de
uma infração penal de menor potencial ofensivo, ela deverá lavrar um termo
circunstanciado. É o que prevê o art. 69 da Lei nº 9.099/95:
Art. 69. A autoridade policial que
tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará
imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as
requisições dos exames periciais necessários.
O termo circunstanciado é um “substituto” bem mais simples
que o inquérito policial, realizado pela polícia nos casos de infrações de
menor potencial ofensivo.
O objetivo do legislador foi facilitar e desburocratizar o
procedimento.
No termo circunstanciado é
narrado o fato criminoso, com todos os dados necessários para identificar a sua
ocorrência e autoria, devendo ser feita a qualificação do autor, da vítima e indicadas
as provas existentes, inclusive o rol de testemunhas.
Após lavrar o termo
circunstanciado, a autoridade policial deverá encaminhá-lo imediatamente ao
Juizado Especial Criminal, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as
requisições dos exames periciais necessários (ex.: exame de corpo de delito).
Vale ressaltar que, se não for
realizada transação penal e o MP entender que o caso é complexo, ele poderá
requisitar que seja feito um inquérito policial. Em outras palavras, a regra
nas infrações penais de menor potencial ofensivo é o termo circunstanciado, mas
é possível que seja feito IP se assim entender necessário o titular da ação
penal.
O art. 69 da Lei nº
9.099/95 fala que o termo circunstanciado é lavrado pela “autoridade policial”.
Quem é considerado “autoridade
policial”?
Existem duas correntes sobre o assunto:
1ª) Para uma primeira posição, autoridade policial é o
Delegado de Polícia (Civil ou Federal) e, no caso de investigações militares, o
Oficial militar responsável pelo inquérito.
2ª) Em um segundo entendimento,
autoridade policial não seria necessariamente o Delegado de Polícia, mas sim o
agente público estatal designado para exercer as funções de autoridade
policial, podendo ser um policial civil ou militar, por exemplo. É a tese
defendida por alguns para que os policiais militares (e agora os PRFs) possam
lavrar termo circunstanciado de ocorrência no caso de infrações de menor
potencial ofensivo (art. 69 da Lei nº 9.099/95).
ADI
A Associação dos Delegados de
Polícia do Brasil – ADEPOL ajuizou ADI contra o art. 191 da Lei nº 22.257/2016,
do Estado de Minas Gerais.
A autora argumentou que o art. 69
da Lei nº 9.099/95 afirma expressamente que quem lavra o termo circunstanciado
é a “autoridade policial”, sendo que essa expressão se refere unicamente à polícia
judiciária, não englobando a polícia militar, cuja função refere-se, em
especial, à preservação da ordem pública.
A requerente alegou, ainda, que a
Lei nº 9.099/95 deve ser entendida como a norma geral, não podendo o Estado-membro
contrariá-la.
O pedido formulado na ADI foi
julgado procedente? Essa previsão da lei mineira é inconstitucional?
NÃO.
Primeira pergunta: sob o
ponto de vista formal, o Estado-membro tem competência para legislar sobre o
tema?
SIM. Trata-se de assunto de competência concorrente por se
enquadrar nos incisos X e XI do art. 24, da CF/88:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e
ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
X - criação, funcionamento e processo
do juizado de pequenas causas;
XI - procedimentos em matéria
processual;
Termo circunstanciado é diferente
de inquérito policial
É possível estabelecer uma distinção entre o termo
circunstanciado, que é lavrado pela autoridade policial que “tomar conhecimento
da ocorrência” e o “inquérito policial”, o qual, nos termos da Lei nº
12.830/2013 é da competência do delegado de polícia.
O inquérito é o instrumento apto para viabilizar a
investigação criminal, que consiste na atividade de apuração de infrações
penais.
Já o termo circunstanciado é o instrumento legal que se
limita a constatar a ocorrência de crimes de menor potencial ofensivo, motivo
pelo qual não configura atividade investigativa e, por via de consequência, não
se revela como função privativa de polícia judiciária.
Embora substitua o inquérito
policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos
juizados especiais, o termo circunstanciado não é procedimento investigativo.
Segundo explica Ada Pellegrini Grinover, “o termo circunstanciado (…) nada mais
é do que um boletim de ocorrência mais detalhado” (GRINOVER, Ada Pellegrini et
al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5ª
ed. São Paulo: RT, 2005, p. 118).
Estados-membros possuem competência para dizer quais são
as autoridades competentes para lavrar o termo circunstanciado
A CF conferiu aos Estados e ao Distrito Federal, a partir
da competência concorrente, a competência para editar normas legislativas que
garantam maior eficiência e eficácia na aplicação da Lei nº 9.099/95.
Esta norma federal viabiliza a lavratura do termo por
qualquer autoridade legalmente reconhecida e não há impeditivo para que os
Estados-membros indiquem quais são elas ou, de qualquer modo, disciplinem essa
atribuição.
O art. 69 da Lei dos Juizados Especiais, ao dispor que “a
autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo
circunstanciado” não se refere exclusivamente à polícia judiciária, englobando
também as demais autoridades legalmente reconhecidas. Nesse sentido, ensinava Ada
Pellegrini Grinover:
“(...) a expressão autoridade policial
referida no art. 69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei,
podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e
tomar as providências devidas no referido artigo”.
Vício material
Também não se observa na Lei o vício material de violação
dos incisos IV e V do art. 144 da Constituição Federal.
Como não há atribuição privativa do delegado de polícia
ou mesmo da polícia judiciária para a lavratura do termo circunstanciado, não
há falar em ofensa dos referidos incisos constitucionais.
Tendo a norma federal indicado ser possível que qualquer
autoridade possa proceder à lavratura do termo, aos Estados cabe apenas
indicá-las e foi, precisamente, o que fez o Estado de Minas Gerais.
Em suma:
É
constitucional norma estadual que prevê a possibilidade da lavratura de termos
circunstanciados pela Polícia Militar e pelo Corpo de Bombeiro Militar.
STF.
Plenário. ADI 5637/MG, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11/3/2022 (Info
1046).
Com base nesse entendimento, o
Plenário, por unanimidade, conheceu de ação direta e, no mérito, julgou-a
improcedente para declarar a constitucionalidade do art. 191 da Lei nº
22.257/2016, do Estado de Minas Gerais.