A Constituição prevê que a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios deverão destinar um percentual mínimo do que for
arrecadado com impostos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Veja:
Art. 212. A União aplicará,
anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de
impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino.
O que acontece caso esse dever
constitucional seja descumprido? Quais são as consequências?
É possível imaginar a ocorrência
das seguintes consequências:
1) Se foi o Estado ou DF quem deixou de aplicar, será
possível a decretação de intervenção federal, nos termos do art. 34, VII, “e”,
da CF/88:
Art. 34. A União não intervirá nos
Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII - assegurar a observância dos
seguintes princípios constitucionais:
(...)
e) aplicação do mínimo exigido da
receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde.
2) Se foi o Município quem deixou de aplicar, será possível
a decretação de intervenção estadual, nos termos do art. 35, III, da CF/88:
Art. 35. O Estado não intervirá em
seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal,
exceto quando:
(...)
III - não tiver sido aplicado o mínimo
exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas
ações e serviços públicos de saúde;
3) O Estado, DF ou Município que
deixou de aplicar os recursos pode ser incluído nos cadastros restritivos da
União ficando impedido de celebrar ajustes e convênios ou receber repasses.
4) O agente público pode
responder por improbidade administrativa, conforme já decidiu o STJ:
(...) 1. Recurso especial no qual se discute a caracterização de
ato ímprobo em razão da não destinação de 25% das receitas provenientes de
impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme determinação do
art. 212 da Constituição Federal.
2. O administrador público, que não procede à correta gestão dos
recursos orçamentários destinados à educação, salvo prova em contrário, pratica
conduta omissiva dolosa, porquanto, embora saiba, com antecedência, em razão de
suas atribuições, que não será destinada a receita mínima à manutenção e
desenvolvimento do ensino, nada faz para que a determinação constitucional
fosse cumprida, respondendo, assim, pelo resultado porque não fez nada para o
impedir.
3. Caracterizado o ato ímprobo, verifica-se que não há
desproporcionalidade na aplicação das penas de suspensão de seus direitos
políticos pelo prazo de 3 (três) anos e de pagamento de multa civil no valor
equivalente a duas remunerações percebidas como Prefeito do Município. (...)
STJ. 1ª Turma. REsp 1195462/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
julgado em 12/11/2013.
Obs: vale ressaltar que esse
julgado do STJ é anterior à Lei nº 14.230/2021 que passou a prever que o rol do
art. 11 da Lei nº 8.429/92 é taxativo. Assim, tenho dúvidas se a conduta
permanece sendo improbidade porque não está expressamente listada em nenhum dos
incisos do art. 11 da LIA.
O que fez a EC 119/2022?
Concedeu uma espécie de “anistia”
para os Estados, DF, Municípios e respectivos agentes públicos que deixaram de cumprir
o art. 212 da CF/88 nos dois anos mais difíceis da pandemia da Covid-19, ou
seja, em 2020 e 2021.
Confira o que diz o caput do art. 119 do ADCT, inserido pela
EC 119/2022:
Art. 119. Em
decorrência do estado de calamidade pública provocado pela pandemia da
Covid-19, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os agentes públicos
desses entes federados não poderão ser responsabilizados administrativa, civil
ou criminalmente pelo descumprimento, exclusivamente nos exercícios financeiros
de 2020 e 2021, do disposto no caput do art. 212 da Constituição Federal.
Essa falha terá que ser sanada
até 2023
Vale ressaltar que os valores que deixaram de ser aplicados
nos anos de 2020 e 2021 deverão ser investidos até 2023. Assim, a EC 119/2022 evita
punições, mas exige que se invista o que deixou de ser aplicado na manutenção e
desenvolvimento do ensino. Nesse sentido, confira o parágrafo único:
Art. 119
(...)
Parágrafo
único. Para efeitos do disposto no caput deste artigo, o ente deverá
complementar na aplicação da manutenção e desenvolvimento do ensino, até o
exercício financeiro de 2023, a diferença a menor entre o valor aplicado,
conforme informação registrada no sistema integrado de planejamento e
orçamento, e o valor mínimo exigível constitucionalmente para os exercícios de
2020 e 2021.
O art. 2º da EC 119/2022 reforça que os entes subnacionais
(Estados, DF e Municípios) não poderão receber quaisquer penalidades ou
restrições:
Art. 2º O
disposto no caput do art. 119 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias impede a aplicação de quaisquer penalidades, sanções ou restrições
aos entes subnacionais para fins cadastrais, de aprovação e de celebração de
ajustes onerosos ou não, incluídas a contratação, a renovação ou a celebração
de aditivos de quaisquer tipos, de ajustes e de convênios, entre outros,
inclusive em relação à possibilidade de execução financeira desses ajustes e de
recebimento de recursos do orçamento geral da União por meio de transferências
voluntárias.
Parágrafo
único. O disposto no caput do art. 119 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias também obsta a ocorrência dos efeitos do inciso III do caput do
art. 35 da Constituição Federal.
A EC 119/2022 entrou em vigor na
data de sua publicação (28/04/2022).