A situação concreta foi a
seguinte:
Lei do Estado de Roraima concedeu
isenção do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) às
motocicletas, motonetas e ciclomotores com potência de até 160 cilindradas.
O Governador do Estado propôs ADI contra a Lei argumentado que
a norma impugnada, ao ampliar o rol de isenções de IPVA, violou o art. 113 do
ADCT:
Art. 113. A proposição legislativa que
crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser
acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016)
O autor alegou, dentre outros
argumentos, que o art. 113 do ADCT limita a atuação do legislador quanto à
concessão de incentivos de natureza tributária, ao estabelecer que a renúncia
fiscal deve vir acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e
financeiro, o que não ocorreu na hipótese.
O STF concordou com essa alegação
do autor? No caso concreto, a lei de RR violou o art. 113 do ADCT?
SIM.
Ausência de estimativa de impacto orçamentário e
financeiro
Conforme
vimos acima, o art. 113
do ADCT prevê que “a proposição legislativa que crie ou altere despesa
obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu
impacto orçamentário e financeiro”.
Logo, para que fosse concedida a isenção de IPVA seria
indispensável a realização de estudo de impacto orçamentário e financeiro, por
meio do qual se demostrasse que a perda de recursos foi considerada pela lei
orçamentária ou se adotassem medidas de compensação com o aumento da receita
por outra fonte.
A elaboração do referido estudo concede ao Poder
Legislativo, como órgão vocacionado a versar sobre a instituição de benefícios
fiscais, o controle não somente dos objetivos constitucionais que se pretendem
atingir por meio de benesse fiscal, como também o controle financeiro da
escolha política. A concessão de benefícios fiscais, ao atingir a receita do
ente, afeta os meios financeiros pelos quais o Estado custeia as suas atividades.
Além disso, a
regra constitucional observa o regime preexistente definido no art. 14 da Lei
Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), no tocante à
concessão e ao aumento de benefícios fiscais que ocasionem a renúncia de
receita:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza
tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar
acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no
exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao
disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes
condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na
estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não
afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de
diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado
no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas,
ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
O art. 113 do ADCT foi introduzido pela EC 95/2016, que
se destinava a disciplinar “o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos
Fiscal e da Seguridade Social da União”. Por conta disso, a ALE/RR alegou que esse
dispositivo somente se aplicaria à União. Esse argumento foi acolhido pelo STF?
NÃO.
O STF firmou o entendimento de que o art. 113 do ADCT é
aplicável a todos os entes da Federação, de forma que eventual proposição legislativa
federal, estadual, distrital ou municipal que crie ou altere despesa
obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada de estimativa de
impacto orçamentário e financeiro, sob pena de incorrer em vício de
inconstitucionalidade formal.
A afirmação de que o art. 113 do ADCT se aplica apenas à
União não é compatível com as interpretações literal, teleológica e
sistemática.
Interpretação literal: a redação do dispositivo
constitucional em tela não determina que a regra seja limitada à União. Refere-se,
genericamente, à “proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória
ou renúncia de receita”, pelo que, em princípio, seria possível a sua extensão
aos demais entes.
Interpretação teleológica: a norma em questão, ao buscar
a gestão fiscal responsável, concretiza princípios constitucionais como a
impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (art. 37 da CF/88).
Interpretação sistemática: a inclusão do art. 113 do ADCT
acompanha o tratamento que já vinha sendo conferido ao tema pelo art. 14 da Lei
de Responsabilidade Fiscal, aplicável a todos os entes da Federação.
Isso acontece porque, de acordo com o art. 24, I, da
CF/88, os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente com a
União para legislar sobre direito financeiro. Cabe, assim, ao legislador
federal veicular normas gerais e ao legislador estadual, normas específicas.
Nessa concorrência legislativa, contudo, há uma margem de
indeterminação acerca dos âmbitos de competência da União, dos Estados e do Distrito
Federal. A respeito do tema, existe o art. 163, I, da CF/88, que reserva à lei
complementar a fixação de normas gerais em matéria de finanças públicas. Essa
lei complementar deve ser editada pela União e assume caráter nacional, no
sentido de incidir, simultaneamente, sobre as três esferas da Federação. Com
base nessa regra constitucional, foi editada a Lei Complementar nº 101/2000
(Lei de Responsabilidade Fiscal), cujo art. 14, como norma geral, aplica-se a
todos os entes federados.
Pacto federativo
Por fim, vale ressaltar que a exigência de estudo de
impacto orçamentário e financeiro, prevista no art. 113 do ADCT, não atenta
contra a forma federativa, notadamente a autonomia financeira dos entes.
Esse requisito, repita-se, visa a permitir que o
legislador, como poder vocacionado para a instituição de benefícios fiscais,
compreenda a eficácia financeira da opção política em questão. Trata-se de
instrumento para a gestão fiscal responsável.
Tese fixada pelo STF:
STF.
Plenário. ADI 6303/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/3/2022 (Info
1046).
Com base nesse entendimento, o
Plenário, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado em ação direta,
para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei Complementar 278/2019 do
Estado de Roraima.