sexta-feira, 22 de abril de 2022
Análise jurídica do decreto de graça concedida pelo Presidente da República a Daniel Silveira
No post de hoje irei analisar, sob
o ponto de vista estritamente jurídico, a situação do Deputado Federal Daniel
Silveira (PSL/RJ)
condenado pelo STF no dia 20/04 e que recebeu o benefício da graça concedido
pelo Presidente da República no dia seguinte.
Denúncia
Em 17/02/2021, o Vice-Procurador-Geral
da República ofereceu denúncia contra o Deputado Federal Daniel Silveira
(PSL/RJ), imputando-lhe os seguintes crimes:
Art. 23,
II, da Lei nº 7.170/83 (uma vez)
Art. 23. Incitar:
(...)
II - à animosidade entre as Forças
Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Art. 23, IV
c/c art. 18, da Lei nº 7.170/83 (por duas vezes)
Art. 23. Incitar:
(...)
IV - à prática de qualquer dos crimes
previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Art. 18. Tentar impedir, com emprego de
violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União
ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Art. 344 do Código Penal (por três vezes)
Coação no curso do processo
Art. 344. Usar de violência ou grave
ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade,
parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em
processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos,
e multa, além da pena correspondente à violência.
Para a PGR, o denunciado:
“- usou,
nos dias 17 de novembro de 2020, 6 de dezembro de 2020 e 15 de fevereiro de
2021, com o fim de favorecer interesse próprio, de agressões verbais e graves
ameaças contra ministros que irão examinar inquérito instaurado perante o
Supremo Tribunal Federal a pedido do Procurador-Geral da República;
- incitou,
no dia 15 de fevereiro de 2021, a animosidade entre as Forças Armadas e o
Supremo Tribunal Federal;
- incitou,
nos dias 17 de novembro de 2020 e 15 de fevereiro de 2021, a tentativa de
impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, do livre exercício do Poder
Judiciário.”
Recebimento da denúncia
No dia 28/04/2021, por unanimidade, o
Plenário do STF recebeu integralmente a denúncia.
Julgamento da ação penal
No dia 20/04/2022, o Plenário do STF
julgou procedente a ação penal condenando Daniel Silveira a 8 anos e 9 nove
meses de reclusão, em regime inicial fechado.
Segundo o voto do Min. Relator Alexandre
de Moraes, as declarações do réu não foram apenas opiniões relacionadas ao
mandato e, portanto, não estão protegidas pela imunidade parlamentar nem pela
liberdade de expressão.
O voto do relator foi seguido,
integralmente, pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e pelos ministros
Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar
Mendes e Luiz Fux.
O ministro Nunes Marques, revisor da
ação penal, divergiu do relator e votou pela improcedência da ação penal, por
entender que Silveira apenas fez duras críticas aos Poderes constitucionais
que, a seu ver, não constituem crime. Ainda para o ministro revisor, as
declarações de Silveira estão protegidas pela imunidade parlamentar.
O ministro André Mendonça divergiu
apenas parcialmente do relator e votou pela condenação de Silveira apenas em
relação ao crime de coação no curso do processo, propondo a pena de 2 anos e 4
meses de reclusão, em regime inicial aberto. No entanto, ele absolveu o
parlamentar das acusações de incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o
STF e pela suposta tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União.
Para ele, apesar do alto grau de reprovabilidade, a conduta não se enquadra no
tipo penal atual.
Cabe algum recurso contra essa decisão
do Plenário do STF?
SIM, no entanto, apenas embargos de declaração
que, em regra, não tem o condão de modificar o mérito do que foi decidido.
Os embargos de declaração têm por
objetivo:
I - esclarecer obscuridade ou eliminar
contradição;
II - suprir omissão de ponto ou questão
sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III - corrigir erro material.
Cabe embargos infringentes contra a
decisão do STF que condenou Daniel Silveira?
NÃO.
Os embargos infringentes do STF estão
previstos no art. 331, I, do RISTF, que foi recepcionado pela CF/88 com força
de lei ordinária.
Cabem embargos infringentes contra
decisão do STF que tiver condenado o réu em processo de competência originária
daquela Corte, desde que tenha havido, no mínimo, quatro votos divergentes.
Como no caso concreto, houve 1 voto
totalmente divergente e 1 voto parcialmente divergente, não está presente a hipótese
de cabimento dos embargos infringentes.
Com a decisão condenatória (após seu
trânsito em julgado), Daniel Silveira perde automaticamente o mandato? A
condenação criminal transitada em julgado é suficiente, por si só, para
acarretar a perda automática do mandato eletivo de Deputado Federal ou de
Senador?
Existe uma divergência no STF sobre o tema:
Se o STF condenar criminalmente um Deputado Federal ou Senador,
haverá a perda automática do mandato ou isso ainda exigirá uma deliberação (decisão) da Câmara ou do Senado, respectivamente? A condenação criminal transitada em julgado é suficiente, por si
só, para acarretar a perda automática do mandato eletivo de Deputado Federal
ou de Senador? |
|
1ª Turma do STF: DEPENDE DA PENA
FIXADA |
2ª Turma do STF: NÃO. A perda
não é automática. A Casa é que irá deliberar |
• Se o Deputado ou Senador for condenado
a mais de 120 dias em regime fechado: a perda do cargo será uma consequência
lógica da condenação. Neste caso, caberá à Mesa da Câmara ou do Senado apenas
declarar que houve a perda (sem poder discordar da decisão do STF), nos
termos do art. 55, III e § 3º da CF/88. • Se o Deputado ou Senador for condenado a uma pena
em regime aberto ou semiaberto: o parlamentar, mesmo condenado, poderá manter
o mandato, caso seja autorizado o seu trabalho externo e o Plenário da Câmara
ou do Senado delibere que ele não deverá perder o cargo (art. 55, § 2º). Ex:
Senador Acir Gurgacz (AP 935). STF. 1ª Turma. AP 694/MT, Rel. Min. Rosa Weber,
julgado em 2/5/2017 (Info 863). STF. 1ª Turma. AP 968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/5/2018 (Info 903). |
O STF apenas comunica, por meio
de ofício, à Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal informando
sobre a condenação do parlamentar. A Mesa da Câmara ou do Senado irá, então, deliberar
(decidir) como entender de direito (como quiser) se o parlamentar irá perder
ou não o mandato eletivo, conforme prevê o art. 55, VI, § 2º, da CF/88. Assim, mesmo com a condenação criminal, quem decide
se haverá a perda do mandato é a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal. STF. 2ª Turma. AP 996, Rel. Min. Edson Fachin,
julgado em 29/05/2018 (obs: o Relator Edson Fachin ficou vencido neste
ponto). |
Prevalece a 1ª corrente. Deve ser a
posição que irá ser consagrada no Plenário.
Logo, diante disso, como Daniel
Silveira foi condenado a mais de 120 dias em regime fechado, a perda do cargo
será uma consequência lógica da condenação. Neste caso, caberá à Mesa da Câmara
ou do Senado apenas declarar que houve a perda (sem poder discordar da decisão
do STF).
Graça concedida pelo Presidente da República
em favor de Daniel Silveira
No dia 21/04/2022, um dia após a condenação, o Presidente da República concedeu “perdão” à condenação imposta a Daniel Silveira. Isso foi feito por meio de um instituto chamado de “graça”. Veja o Decreto que concedeu o benefício:
DECRETO DE 21 DE ABRIL DE
2022
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere
o art. 84, caput, inciso XII, da Constituição, tendo em vista o disposto no
art. 734 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo
Penal, e
Considerando que a prerrogativa presidencial para a concessão de
indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de
Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa
e responsável;
Considerando que a liberdade de expressão é pilar essencial da
sociedade em todas as suas manifestações;
Considerando que a concessão de indulto individual é medida
constitucional discricionária excepcional destinada à manutenção do mecanismo
tradicional de freios e contrapesos na tripartição de poderes;
Considerando que a concessão de indulto individual decorre de
juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e
moralmente cabíveis;
Considerando que ao Presidente da República foi confiada
democraticamente a missão de zelar pelo interesse público; e
Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em
vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião
deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão;
D E C R E T A:
Art. 1º Fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da
Silveira, Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de
abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove
meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes
previstos:
I - no inciso IV do caput do art. 23, combinado com o art. 18 da
Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983; e
II - no art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 - Código Penal.
Art. 2º A graça de que trata este Decreto é incondicionada e
será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Art. 3º A graça inclui as penas privativas de liberdade, a
multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da
União, e as penas restritivas de direitos.
Brasília, 21 de abril de 2022; 201º da Independência e 134º da
República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Presidente da República
Federativa do Brasil
O que é a graça?
É o perdão, concedido pelo Presidente
da República, dos crimes cometidos por uma pessoa específica. A graça é também
chamada de “indulto individual”.
Classifica-se, juridicamente, como uma
causa de extinção da punibilidade (art. 107, II, CP).
Trata-se de uma renúncia do Estado ao seu
direito de punir.
A graça é concedida por meio de Decreto
Presidencial.
Quem tem competência para conceder a
graça?
O Presidente da República, conforme prevê o art. 84, XII, da
CF/88:
Art. 84. Compete privativamente ao
Presidente da República:
(...)
XII - conceder indulto e comutar
penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;
Vale ressaltar que essa atribuição pode
ser delegada ao(s):
• Procurador Geral da República;
• Advogado Geral da União;
• Ministros de Estado.
Cabe graça para qualquer crime?
O art. 5º, XLIII, da CF/88 proíbe que a
concessão de graça para os condenados por:
• tortura;
• tráfico de drogas;
• terrorismo; e
• crime hediondos.
A pessoa beneficiada com a graça ficará
livre de ter que cumprir as penas impostas?
SIM. A graça extingue os efeitos
primários da condenação (pretensão executória). Em palavras mais simples: a
graça extingue as penas que foram impostas (pena privativa de liberdade, penas
restritivas de direitos e pena de multa).
A graça atinge os efeitos secundários
(penais ou extrapenais) da condenação?
NÃO. Vamos relembrar melhor isso.
A
sentença penal condenatória, depois de transitada em julgado, produz diversos
efeitos.
Os
efeitos da condenação podem se dividir em:
1)
Efeitos PRINCIPAIS (PRIMÁRIOS) da condenação;
2) Efeitos SECUNDÁRIOS da condenação.
EFEITOS
DA CONDENAÇÃO |
|
1) PRINCIPAIS (PRIMÁRIOS) |
O efeito principal (primário) da
condenação é impor ao condenado uma sanção penal. Efeito principal (primário) = sanção
penal. A sanção penal divide-se em: a) pena;
b) medida de segurança. |
2) SECUNDÁRIOS |
2.1) PENAIS Alguns
exemplos: reincidência (art. 63), causa de revogação do sursis (art. 77, I e
§ 1º), causa de revogação do livramento condicional (art. 86), causa de
conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade (art. 44,
§ 5º), impossibilita a transação penal e concessão de suspensão condicional
do processo (arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/95) etc. |
2.2) EXTRAPENAIS a) Genéricos: art. 91 do CP; b) Específicos: art. 92 do CP; c)
Previstos em “leis” especiais (exs: art. 15, III, CF; art. 181, da Lei de Falências). |
Como já
dito, a graça extingue apenas os efeitos primários da condenação (pretensão
executória).
A graça
não atinge os efeitos secundários (penais ou extrapenais):
Súmula 631-STJ: O indulto extingue os efeitos primários da
condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários,
penais ou extrapenais.
Exemplos
de situações que não serão afetadas mesmo tendo havido a graça:
• as
anotações do crime continuarão nos cartórios e ofícios distribuidores;
• nome do
condenado continua incluído no “rol dos culpados”;
• a
condenação que foi objeto de indulto continua tendo força para gerar
reincidência (a reincidência não é afastada com a concessão do indulto);
• se o
indivíduo havia sido condenado a perder bens e valores, a graça não irá alterar
isso;
•
condenado continua com a obrigação de indenizar a vítima.
Daniel Silveira poderá ser candidato
nas eleições de 2022?
NÃO. Vale ressaltar, contudo, que o fundamento para essa
conclusão não está no art. 15, III, da CF/88. Se a validade do Decreto for
confirmada pelo STF, a graça terá sido concedida em favor do réu antes do trânsito
em julgado (lembrando que ainda cabiam embargos de declaração). Logo, não se
pode declarar a suspensão dos direitos com base no art. 15, III, da CF/88, que
exige condenação criminal definitiva:
Art. 15. É vedada a cassação de
direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(...)
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto
durarem seus efeitos;
Por outro lado, Daniel Silveira não poderá ser candidato por
força da Lei da Ficha Limpa. Confira o que diz a LC 64/90 (com redação dada pela
LC 135/2010):
Art. 1º São inelegíveis:
(...)
e) os que forem condenados, em decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o
transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé
pública, a administração
pública e o patrimônio público;
Daniel Silveira foi condenado por
coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), delito que está
inserido no Título XI do Código Penal e que, portanto, pode ser considerado uma
espécie de crime contra a administração pública.
O Decreto em análise prevê que a graça “será
concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória”. Isso é admitido? É possível que a graça seja concedida antes
mesmo do trânsito em julgado?
SIM. É o que prevalece atualmente na jurisprudência.
No julgamento da ADI 5874/DF, em que estava
sendo discutida a constitucionalidade do Decreto nº 9.246/2017, alguns
Ministros, como Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram no sentido
de que o indulto somente poderia ser concedido após o trânsito em julgado. Essa
posição, contudo, não foi acompanhada pela maioria da Corte.
Prevaleceu o entendimento de que não há óbice para que o
indulto seja concedido antes mesmo do trânsito em julgado. Confira trecho do
voto do Min. Gilmar Mendes:
“Na
doutrina, afirma-se: ‘verificamos a possibilidade de se receber o indulto antes
do trânsito em julgado’ (RIBEIRO, Rodrigo. O indulto presidencial: origens,
evolução e perspectivas. RBCCrim, v. 23, n. 117, nov./dez. 2015. p. 428). Ou
seja, não há óbice para que o indulto seja aplicado antes do trânsito em
julgado do processo. Ou seja, não há óbice para que o indulto seja aplicado
antes do trânsito em julgado do processo.
Conforme
já afirmado, a concessão do indulto é prerrogativa do Presidente da República
que possui impactos no exercício da pretensão punitiva pelo Estado, podendo ter
consequências em qualquer fase da persecução penal. Trata-se de mecanismo de
gestão do sistema penal, com impactos em questões penitenciárias e de política
criminal em sentido amplo. (...)
Daniel Silveira já está gozando dos benefícios
da graça concedida ou ainda é necessária alguma outra providência?
É necessária ainda uma decisão judicial
declarando extinta a pena (arts. 188 c/c 192 da Lei nº 7.210/84 – LEP).
Assim, a defesa de Daniel Silveira deverá
requerer ao STF a extinção da punibilidade com base na graça concedida pelo
Presidente da República.
Anistia, graça e indulto: semelhanças e diferenças
ANISTIA |
GRAÇA (ou indulto
individual) |
INDULTO (ou indulto coletivo) |
|
É
um benefício concedido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da
República (art. 48, VIII, CF/88), por meio do qual se “perdoa” a prática de
um fato criminoso. Normalmente,
incide sobre crimes políticos, mas também pode abranger outras espécies de
delito. |
Concedidos
por Decreto do Presidente da República. Apagam
o efeito executório da condenação. A
atribuição para conceder pode ser delegada ao(s): •
Procurador Geral da República; •
Advogado Geral da União; •
Ministros de Estado. |
||
É
concedida por meio de uma lei federal ordinária. |
Concedidos
por meio de um Decreto. |
||
Pode
ser concedida: •
antes do trânsito em julgado (anistia própria); •
depois do trânsito em julgado (anistia imprópria). |
Tradicionalmente,
a doutrina afirma que tais benefícios só podem ser concedidos após o trânsito
em julgado da condenação. Esse entendimento, no entanto, está cada dia mais
superado, considerando que o indulto natalino, por exemplo, permite que seja
concedido o benefício desde que tenha havido o trânsito em julgado para a
acusação ou quando o MP recorreu, mas não para agravar a pena imposta (art.
5º, I e II, do Decreto 7.873/2012). |
||
Classificação a)
Propriamente dita: quando concedida antes da condenação. b)
Impropriamente dita: quando concedida após a condenação. a)
Irrestrita: quando atinge indistintamente todos os autores do fato punível. b)
Restrita: quando exige condição pessoal do autor do fato punível. Ex.: exige
primariedade. a)
Incondicionada: não se exige condição para a sua concessão. b)
Condicionada: exige-se condição para a sua concessão. Ex.: reparação do dano. a)
Comum: atinge crimes comuns. b)
Especial: atinge crimes políticos. |
Classificação a)
Pleno: quando extingue totalmente a pena. b)
Parcial: quando somente diminui ou substitui a pena (comutação). a)
Incondicionado: quando não impõe qualquer condição. b)
Condicionado: quando impõe condição para sua concessão. a)
Restrito: exige condições pessoais do agente. Ex.: exige primariedade. b)
Irrestrito: quando não exige condições pessoais do agente. |
||
Extingue
os efeitos penais (principais e secundários) do crime. Os
efeitos de natureza civil permanecem íntegros. |
Só
extinguem o efeito principal do crime (a pena). Os
efeitos penais secundários e os efeitos de natureza civil permanecem
íntegros. |
||
O
réu condenado que foi anistiado, se cometer novo crime, não será reincidente. |
O
réu condenado que foi beneficiado por graça ou indulto, se cometer novo
crime, será reincidente. |
||
É
um benefício coletivo que, por referir-se somente a fatos, atinge apenas os
que o cometeram. |
É um benefício individual (com
destinatário certo). Depende de pedido do sentenciado ao
juízo. |
É um benefício coletivo (sem
destinatário certo). É concedido de ofício (não depende de
provocação). |
|
O STF poderá declarar a invalidade desse
Decreto que concedeu graça a Daniel Silveira ou isso não seria possível por se
tratar de um ato discricionário do Presidente da República?
Em 2017, na ADI 5874, o STF debateu
acerca da a possibilidade de controle judicial sobre a concessão de indulto
pelo Presidente da República. Vou explicar o que se decidiu naquela ocasião.
Em 21 de dezembro de 2017, o
então Presidente Michel Temer editou o Decreto nº 9.246/2017, concedendo
indulto.
A Procuradora-Geral da República
ajuizou ADI contra o art. 1º, I, o art. 2º, § 1º, I, e os arts. 8º, 10 e 11 do
deste Decreto.
Na ação, a PGR alegou que o
Presidente extrapolou os limites da discricionariedade, violando o princípio da
vedação da proteção insuficiente, tornando-se causa de impunidade. Ela apontou,
ainda, violação ao “princípio da igualdade”, uma vez que o decreto beneficiaria
“muito especialmente determinado grupo de condenados, notadamente aqueles que
praticaram crimes contra o patrimônio público, sem qualquer razão humanitária
que o justifique”.
Segundo ela, em casos graves,
como o da Lava-Jato, em que foram aplicadas penas corporais e multas elevadas,
as sanções financeiras seriam simplesmente perdoadas.
O STF concordou com os argumentos expostos? O
pedido formulado na ação foi julgado procedente?
NÃO. O STF julgou improcedente o
pedido formulado na ADI 5874 e declarou a constitucionalidade do Decreto nº 9.246/2017.
Veja abaixo um resumo do voto do
Min. Alexandre de Moraes (relator para o acórdão).
Concessão
de indulto não viola a separação dos Poderes
A Constituição
Federal, visando evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais,
previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si,
repartindo entre eles as funções estatais, bem como criando mecanismos de
controles recíprocos.
Esse mecanismo
denomina-se teoria dos freios e contrapesos.
A prerrogativa
de o Presidente da República conceder indulto é um mecanismo de aplicação da
teoria dos freios e contrapesos, considerando que o chefe do Executivo irá intervir
na aplicação e cumprimento de sanções penais.
Assim, não há
que se falar em violação à separação dos Poderes, tendo em vista que a própria
CF/88 prevê o indulto como forma de o Poder Executivo controlar a atuação do
Poder Judiciário.
“O exercício
do poder de indultar não fere a separação de poderes por supostamente esvaziar
a política criminal estabelecida pelo legislador e aplicada pelo Judiciário,
uma vez que foi previsto exatamente como mecanismo de freios e contrapesos a
possibilitar um maior equilíbrio na Justiça Criminal” (Min. Alexandre de
Moraes).
Natureza
jurídica do indulto
O indulto é
considerado um ato discricionário e privativo do Presidente da República.
Trata-se de
uma tradição no Brasil prevista desde a Constituição de 1824.
A doutrina
majoritária afirma que o chefe do Executivo fica livre para conceder o indulto
para qualquer pessoa e qualquer infração penal, salvo as vedações impostas
expressamente pela Constituição Federal.
Assim, o
indulto não é passível de revisão judicial, salvo se descumprir algum dos
requisitos impostos pelo texto constitucional.
Indulto
não está relacionado com política criminal
O indulto não
faz parte da doutrina penal, não é instrumento consentâneo à política criminal.
Trata-se, como já explicado, de legítimo mecanismo de freios e contrapesos para
coibir excessos e permitir maior equilíbrio na Justiça criminal.
O exercício do
poder de indultar não fere a separação de Poderes por, supostamente, esvaziar a
política criminal definida pelo legislador e aplicada pelo Judiciário. Está
contido na cláusula de separação de Poderes. O ato de clemência privativo do
presidente pode ser total, independentemente de parâmetros. Asseverou que,
ainda que não se concorde com esse instituto, ele existe e é ato
discricionário, trata-se de prerrogativa presidencial, portanto.
Controle
jurisdicional do poder de conceder o indulto
O decreto de indulto não é imune ao
controle jurisdicional, estando sob o império da Constituição. No entanto, as
limitações à concessão do indulto estão previstas no art. 5º, XLIII, da CF/88:
Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem;
Além da
proibição de indulto para crimes hediondos e equiparados, a jurisprudência
também entende, como limite implícito, que o Presidente da República não pode
assinar indulto em favor de extraditando, uma vez que o objeto do instituto
alcança apenas delitos sob a competência jurisdicional do Estado brasileiro.
Assim, apesar
de o indulto ser ato discricionário e privativo do Chefe do Poder Executivo, a
quem compete definir os requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de
clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade,
não constitui ato imune ao absoluto respeito à Constituição Federal e é,
excepcionalmente, passível de controle jurisdicional.
O Poder
Judiciário tem o dever de analisar se as normas contidas no Decreto de Indulto,
no exercício do caráter discricionário do Presidente da República, estão vinculadas
ao império constitucional. Nada mais do que isso.
Se o Presidente
da República editou o decreto dentro das hipóteses legais e legítimas, mesmo
que não se concorde com ele, não se pode adentrar o mérito dessa concessão.
“O ato está
vinculado aos ditames constitucionais, mas não pode o subjetivismo do chefe do
Poder Executivo ser trocado pelo subjetivismo do Poder Judiciário”.
Se fosse
admitida, por via judicial, a exclusão de certos crimes, como os de corrupção e
os contra a Administração Pública, o Poder Judiciário atuaria como legislador
positivo.
Limites razoáveis da discricionariedade
Nas palavras do Min. Alexandre de
Moraes, o Poder Judiciário pode avaliar se a concessão do indulto extravasou os
limites razoáveis da discricionariedade:
“Assim, apesar
de o indulto ser ato discricionário e privativo do Chefe do Poder Executivo, a
quem compete definir os requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de
clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade,
não constitui ato imune ao absoluto respeito à Constituição Federal e é,
excepcionalmente, passível de controle jurisdicional.
Esse exercício
de hermenêutica, conforme tenho defendido academicamente ao comentar o artigo
5º, inciso XLIII, leva-nos à conclusão de que compete, privativamente, ao
Presidente da República conceder indulto, desde que não haja proibição expressa
ou implícita no próprio texto constitucional, como ocorre em relação aos crimes
hediondos e assemelhados, para quem a própria Constituição Federal entendeu
necessário o afastamento das espécies de clemencia principis (Constituição do
Brasil Interpretada. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2003).
Portanto, em
relação ao Decreto Presidencial de Indulto, será possível ao Poder Judiciário
analisar somente a constitucionalidade da concessão da clemencia principis, e
não o mérito, que deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade
do Presidente da República, que poderá, entre as hipóteses legais e moralmente
admissíveis, escolher aquela que entender como a melhor para o interesse
público no âmbito da Justiça Criminal (GEORGES VEDEL. Droit administratif.
Paris: Presses Universitaires de France, 1973. p. 318; MIGUEL SEABRA FAGUNDES.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. São Paulo: Saraiva,
1984, p. 131).
(...)
A análise da
constitucionalidade do Decreto de Indulto deverá, igualmente, verificar a
realidade dos fatos e também a coerência lógica da decisão discricionária com
os fatos. Se ausente a coerência, o indulto estará viciado por infringência ao
ordenamento jurídico constitucional e, mais especificamente, ao princípio da
proibição da arbitrariedade dos poderes públicos que impede o extravasamento
dos limites razoáveis da discricionariedade, evitando que se converta em causa
de decisões desprovidas de justificação fática e, consequentemente, arbitrárias
(TOMAS-RAMON FERNÁNDEZ. Arbitrariedad y discrecionalidad. Madri: Civitas, 1991.
p. 115).”
Não
comprovação do desvio de finalidade
A PGR alegava
que o Presidente da República agiu com desvio de finalidade ao editar esse
Decreto.
O STF,
contudo, entendeu que, apesar da insinuação (alegação), não houve comprovação
de que existiu realmente desvio de finalidade no Decreto. Para o STF, se
houvesse a efetiva demonstração do desvio de finalidade do Decreto, pela teoria
dos motivos determinantes, o Judiciário poderia anulá-lo.
A ementa do julgado ficou assim redigida.
O ponto mais relevante para o debate está destacado em cinza:
(...) 1. A Constituição Federal, visando, principalmente, a
evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a
existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si,
repartindo entre eles as funções estatais.
2. Compete ao Presidente da República definir a concessão ou não
do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de
clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade.
3. A concessão de indulto não está vinculada à política criminal
estabelecida pelo legislativo, tampouco adstrita à jurisprudência formada pela
aplicação da legislação penal, muito menos ao prévio parecer consultivo do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sob pena de total
esvaziamento do instituto, que configura tradicional mecanismo de freios e
contrapesos na tripartição de poderes.
4.
Possibilidade de o Poder Judiciário analisar somente a constitucionalidade da concessão
da clementia principis, e não o mérito, que deve ser entendido como
juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, que poderá,
entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que
entender como a melhor para o interesse público no âmbito da Justiça Criminal.
5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
(ADI 5874, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão:
ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-265 DIVULG 04-11-2020 PUBLIC 05-11-2020)
Essa conclusão exposta no item 4 do
julgado poderá, em tese, ser invocada tanto para se negar como para se permitir
a revisão judicial do Decreto no caso envolvendo Daniel Silveira:
• é possível se dizer que o STF
não poderia invalidar o Decreto que concedeu graça a Daniel Silveira sob o
argumento de que o Poder Judiciário somente pode analisar a constitucionalidade
da concessão da graça. O Poder Judiciário não pode examinar o mérito do ato de
concessão, considerando que este deve ser entendido como juízo de conveniência
e oportunidade do Presidente da República.
• por outro lado, é possível que
o STF invalide o Decreto argumentando que a graça concedida a Daniel Silveira não
foi “moralmente admissível” por ter violado os princípios da moralidade e da impessoalidade
(art. 37, da CF/88). Logo, neste caso concreto, o Presidente não teria feito
uma hipótese moralmente admissível, admitindo o controle pelo Poder Judiciário.
O STF argumentaria que a concessão da graça desatendeu as limitações implícitas
contidas no art. 37 da CF/88 e que, portanto, seria inconstitucional. Provavelmente,
este deve ser o caminho seguida pela Corte.
Márcio André Lopes Cavalcante