Imagine a seguinte situação hipotética:
João, ao parar seu carro no
semáforo, recebeu um panfleto de um novo edifício de apartamentos que estava
sendo lançado “na planta”.
O panfleto dizia que o
empreendimento estava sendo construído pela imobiliária Flamboyant e que as
unidades estavam sendo vendidas pela Habitcasa, empresa especializada em
corretagem de imóveis.
João ficou interessado e foi até
o stand de vendas indicado no panfleto, ali sendo atendido por Luciana, uma das
corretoras de imóveis da Habitcasa.
João decidiu na hora que iria
comprar uma unidade.
Foi, então, apresentado a ele um contrato de promessa de compra e venda com a imobiliária.
Por meio do contrato, a imobiliária
(promitente vendedora) comprometeu-se a vender a João a unidade 1502, da Torre
B, do Edifício “Morar Bem”.
Em contrapartida, João
obrigou-se a pagar o valor de R$ 1 milhão, parcelado em 60 meses.
Passados alguns meses, João
alegou que a imobiliária não estava cumprindo suas obrigações contratuais. Em
razão disso, ajuizou ação de rescisão contratual cumulada com a restituição das
quantias pagas e indenização por danos morais.
A ação foi proposta contra a
imobiliária Flamboyant e a empresa de corretagem Habitcasa, em litisconsórcio
passivo.
Na petição inicial, João alegou
que a segunda ré (Habitcasa) montou o stand de vendas das unidades autônomas do
empreendimento e intermediou a negociação, além de ter recebido comissão de
corretagem. Por esses motivo, em sua visão, ela também deveria responder pelos
danos causados.
O argumento do autor quanto à
corretora foi acolhido? A corretora possui responsabilidade neste caso?
NÃO. Vamos entender com calma,
analisando alguns aspectos do tema.
Incide o CDC neste caso?
SIM.
Conforme jurisprudência
pacífica do STJ, as normas do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis ao contrato
de compromisso de compra e venda.
Em razão disso, por força do
CDC, é possível afirmar que todos aqueles fornecedores que compõem a
relação jurídica do contrato de promessa de compra e venda de imóvel possuem
legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. É o caso, por exemplo, da
construtora e da incorporadora que, normalmente, são empresas diferentes. Ambas
respondem porque são consideradas fornecedoras, integrando a relação de
consumo.
Se o promitente-comprador entende
que houve prática abusiva ao pagar a comissão de corretagem, ele pode ajuizar a
ação contra a incorporadora?
SIM.
Tem legitimidade passiva "ad causam" a incorporadora,
na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que é
pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de
comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, alegando-se
prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor.
STJ. 2ª Seção. REsp 1551968-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo - Tema 939) (Info 589).
O contrário é verdadeiro? Se o
promitente-comprador entende que a incorporadora precisa devolver a ele valores
em razão de resolução contratual, esse consumidor pode exigir tais quantias da
corretora?
NÃO.
A tese acima citada não trata
sobre a legitimidade da corretora de imóveis que realiza a aproximação entre as
partes. Assim, constata-se que não há legitimidade da corretora para responder
pelos encargos indevidamente transferidos ao consumidor ou para restituir os
valores adimplidos em virtude da rescisão contratual, pois se referem a
relações jurídicas diversas.
Relação jurídica firmada
entre o consumidor e o corretor é diferente da relação construída entre o
consumidor e a incorporadora
O art. 722 do CC, ao definir o
contrato de corretagem, é bastante esclarecedor ao dispor que “uma pessoa, não
ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer
relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios,
conforme as instruções recebidas”.
Nota-se, ainda, que, de acordo
com o art. 725 do CC, a remuneração é devida ao corretor, uma vez que tenha
conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não
se efetive em virtude de arrependimento das partes.
Assim, a obrigação fundamental do
comitente é a de pagar a comissão ao corretor assim que concretizado o
resultado a que este se obrigou, qual seja, a aproximação das partes e a
conclusão do negócio de compra e venda, ressalvada a previsão contratual em
contrário.
A relação jurídica estabelecida
no contrato de corretagem é diversa daquela firmada entre o promitente
comprador e o promitente vendedor do imóvel, de modo que a responsabilidade da
corretora está limitada a eventual falha na prestação do serviço de corretagem.
A corretora, pelo menos em
regra, não responde por falhas da incorporadora
Desse modo, a responsabilidade da
corretora de imóveis está associada ao serviço por ela ofertado, qual seja, o
de aproximar as partes interessadas no contrato de compra e venda, prestando ao
cliente as informações necessárias sobre o negócio jurídico a ser celebrado.
Eventual inadimplemento ou falha
na prestação do serviço relacionada ao imóvel em si, ao menos em regra, não
pode ser imputada a corretora, pois, do contrário, ela seria responsável pelo
cumprimento de todos os negócios por ela intermediados. Isso desvirtuaria a
natureza jurídica do contrato de corretagem e a própria legislação de regência.
Nesse sentido:
(...) 2. Em vista da natureza do serviço de corretagem, não há,
em princípio, liame jurídico do corretor com as obrigações assumidas pelas
partes celebrantes do contrato, a ensejar sua responsabilização por
descumprimento de obrigação da incorporadora no contrato de compra e venda de
unidade imobiliária. Incidência dos arts. 722 e 723 do Código Civil.
3. Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de
corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de
fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e
construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo
econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de
confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da
cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos
danos causados ao autor adquirente. (...)
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 01/06/2021.
Exceção: corretora pode
responder juntamente com a incorporadora se ficar comprovado que houve um
desvirtuamento de suas atividades
Vimos acima que, em regra, a
corretora não responde solidariamente com a incorporadora porque são relações
jurídicas distintas.
O STJ, contudo, afirma que a corretora pode responder solidariamente com a incorporadora se ficarem constatadas eventuais distorções na relação jurídica de corretagem. Ex: se a corretora se envolver na construção e incorporação do imóvel, o que originalmente não seria sua função. Neste caso, poderia ser reconhecida a sua responsabilidade solidária.
Voltando ao caso concreto:
Como no caso concreto, não
ficou demonstrada nenhuma falha na prestação do serviço de corretagem, bem como
não há prova da participação da corretora no empreendimento imobiliário,
torna-se inviável responsabilizar a corretora pela devolução de parte dos
valores pagos pelo promitente comprador, devendo ser reconhecida a sua
ilegitimidade passiva.
Em suma:
A relação jurídica estabelecida no contrato de
corretagem é diversa daquela firmada entre o promitente comprador e o
promitente vendedor do imóvel, de modo que a responsabilidade da corretora está
limitada a eventual falha na prestação do serviço de corretagem.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.811.153-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
15/02/2022 (Info 725).