Dizer o Direito

segunda-feira, 7 de março de 2022

O autor da obra original precisa autorizar a realização de uma paródia envolvendo a sua criação? Se a paródia de uma música for veiculada em um programa de TV, é necessário que se informe o nome do compositor da versão original?

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

Na emissora de TV Bandeirantes, havia um programa humorístico chamado Pânico na Band, apresentado por Emílio Surita, Bola, Carioca e outros humoristas.

Em um dos programas, os humoristas utilizaram a melodia da música “Sirigó”, em forma de paródia, ou seja, alterando a letra para transmitir uma mensagem cômica e irônica.

O compositor da música ajuizou ação de indenização contra a emissora alegando que houve plágio e pedindo o pagamento de compensação por danos morais.

A juíza sentenciante julgou o pedido improcedente.

O TJ/SP, contudo, reformou a sentença e condenou a emissora a pagar R$ 10 mil em favor do autor.

A Band interpôs recurso especial argumentando que houve uma paródia da versão original da canção criada pelo recorrido, o que não representa violação a direito autoral.

 

A condenação foi mantida pelo STJ? Houve violação a direito autoral?

NÃO.

 

Paródia

A paródia é forma de expressão do pensamento. É a imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. Consiste em uma interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica (Min. Luis Felipe Salomão).

Na paródia, a pessoa faz um uso transformativo da obra original, resultando, portanto, em uma obra nova, ainda que reverenciando a obra parodiada.

A intenção é a de despertar o riso, porém sem causar prejuízo à obra original.

 

Paródia como limitação dos direitos de autor

As paródias são permitidas e o autor da obra musical, em regra, não pode impedir a sua veiculação. Tanto que a paródia é considerada como uma limitação do direito de autor, conforme prevê o art. 47 da Lei nº 9.610/98:

Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.

 

Assim, se respeitados os limites da paródia, não é necessária prévia autorização do autor nem enseja pagamento de indenização, não se aplicando o art. 29 da Lei nº 9.610/98:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

(...)

 

Conforme explica Rodrigo Moraes:

“(...) a paródia consiste num limite ao exercício da prerrogativa extrapatrimonial de respeito à obra. O parodista não precisa, pois, pedir prévia e expressa autorização do autor da obra parodiada.

A liberdade do parodista, contudo, não é absoluta. Assim como não o é a do caricaturista em relação ao direito à imagem.

Em primeiro lugar, a paródia não pode ser uma verdadeira reprodução da obra anterior. Nela tem de existir certo grau de criatividade, sob pena de ser considerada plágio. Em segundo lugar, ela não pode ridicularizar, maliciosamente, o autor da obra originária, depreciando a sua honra. Nem pode atingir direitos da personalidade de terceiros. A liberdade de expressão encontra limite na dignidade da pessoa humana, que não pode ser vilipendiada.

Enfim, tanto o parodista quanto o caricaturista podem sofrer uma ação de indenização por danos morais, caso ultrapassem o limite da razoabilidade. A apreciação da ofensa, portanto, será casuística”. (Os Direitos Morais do Autor: repersonalizando o direito autoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 192)

Conforme já decidiu o STJ:

A paródia é lícita e consiste em livre manifestação do pensamento, desde que não constitua verdadeira reprodução da obra originária, ou seja, que haja uma efetiva atividade criativa por parte do parodiador, e que não tenha conotação depreciativa ou ofensiva, implicando descrédito à criação primeva ou ao seu autor. O art. 47 da Lei nº 9.610/1998 não exige que a criação possua finalidade não lucrativa ou não comercial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.597.678/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 24/8/2018.

 

Desse modo, é desnecessária a autorização do titular da obra parodiada que não for verdadeira reprodução da obra originária nem lhe implicar descrédito.

 

Um dos argumentos do requerente era o de que o programa de TV deveria ter divulgado o seu nome como o autor da obra originária. Essa tese foi acolhida pelo STJ?

NÃO. Em se tratando de paródia, a ausência de divulgação do nome do autor da obra originária não figura como circunstância apta a ensejar a ilicitude de seu uso.

Não há, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio ou a indicação do nome do autor da obra originária.

Em suma:

É lícita a divulgação de paródia sem a indicação do autor da obra originária.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.967.264-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/02/2022 (Info 725).

 

TEMA CORRELATO

É desnecessária a autorização do titular da obra parodiada que não for verdadeira reprodução da obra originária nem lhe implicar descrédito, ainda que a paródia tenha finalidade eleitoral

A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no art. 47 da Lei 9.610/98, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Respeitadas essas condições, é desnecessária a autorização do titular da obra parodiada.

A finalidade da paródia, se comercial, eleitoral, educativa, puramente  artística ou qualquer  outra, é indiferente para a caracterização de sua  licitude e liberdade assegurada pela Lei nº 9.610/98.

Caso concreto: durante sua campanha de reeleição para Deputado Federal em 2014, o humorista Tiririca fez uma paródia da música “O Portão”, de autoria de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, na qual pedia votos. O STJ entendeu que não era devida indenização para o titular dos direitos autorais porque, em regra, não é necessária prévia autorização para a realização de paródias.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.810.440-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/11/2019 (Info 661).

 

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