Dizer o Direito

sábado, 5 de março de 2022

É possível utilizar verbas do Fundeb para combater à pandemia da Covid-19?

 

Fundeb

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal, num total de 27 fundos), formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

São destinatários dos recursos do Fundeb os Estados, Distrito Federal e Municípios que oferecem atendimento na educação básica.

Na distribuição desses recursos, são consideradas as matrículas nas escolas públicas e conveniadas, apuradas no último censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC).

O Fundeb entrou em vigor em janeiro de 2007 e terminaria em 2020.

A EC 108/2020 acrescenta o art. 212-A prevendo que o Fundeb passa a ser permanente.

 

Veja os principais dispositivos constitucionais sobre o tema:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

(...)

 

Art. 212-A. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 desta Constituição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais, respeitadas as seguintes disposições:

I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a instituição, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil;

II - os fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do caput do art. 155, o inciso II do caput do art. 157, os incisos II, III e IV do caput do art. 158 e as alíneas "a" e "b" do inciso I e o inciso II do caput do art. 159 desta Constituição;

III - os recursos referidos no inciso II do caput deste artigo serão distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial matriculados nas respectivas redes, nos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Constituição, observadas as ponderações referidas na alínea "a" do inciso X do caput e no § 2º deste artigo;

IV - a União complementará os recursos dos fundos a que se refere o inciso II do caput deste artigo;

(...)

VII - os recursos de que tratam os incisos II e IV do caput deste artigo serão aplicados pelos Estados e pelos Municípios exclusivamente nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Constituição;

(...)

 

A Lei nº 14.113/2020 (publicada em 25/12/2020) revogou a Lei nº 11.494/2007 (antiga Lei do FUNDEB) e trouxe nova regulamentação para esse fundo:

Art. 1º Fica instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil, nos termos do art. 212-A da Constituição Federal.

 

Assim, a Lei nº 14.113/2020 é a nova Lei do Fundeb. Vale ressaltar, contudo, que, até 24/12/2020, o Fundeb foi regulado pela Lei nº 11.494/2007.

 

ADI 6490

Em 22/07/2020, durante um período muito crítico da Covid-19, o Governador do Piauí teve a ideia de utilizar as verbas do Fundeb para ações de combate à pandemia.

Ocorre que os recursos do Fundeb são vinculados a finalidades específicas, sendo vedada a sua utilização para outros objetivos. Confira o que dizia/diz a legislação:

Lei 11.494/2007 (antiga Lei do Fundeb)

Lei 14.113/2020 (atual Lei do Fundeb)

Art. 21.  Os recursos dos Fundos, inclusive aqueles oriundos de complementação da União, serão utilizados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, no exercício financeiro em que lhes forem creditados, em ações consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, conforme disposto no art. 70 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Art. 25.  Os recursos dos Fundos, inclusive aqueles oriundos de complementação da União, serão utilizados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, no exercício financeiro em que lhes forem creditados, em ações consideradas de manutenção e de desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, conforme disposto no art. 70 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Art. 23.  É vedada a utilização dos recursos dos Fundos:

I - no financiamento das despesas não consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme o art. 71 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

Art. 29.  É vedada a utilização dos recursos dos Fundos para:

I - financiamento das despesas não consideradas de manutenção e de desenvolvimento da educação básica, conforme o art. 71 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

 

Além das leis acima citadas, a utilização dos recursos do Fundeb em atividades diferentes da educação também é vedada por outros diplomas normativos.

Diante desse óbice legal, o Governador ajuizou ADI no STF pedindo para que fosse conferida interpretação conforme aos atos normativos e, assim, que se permitisse que os recursos excedentes vinculados ao FUNDEB fossem utilizados, de forma excepcional, em ações de combate à pandemia do coronavírus (Covid-19).

 

O pedido foi aceito pelo STF?

NÃO.

O STF tem posição consolidada no sentido de que não é possível o uso dos recursos do Fundeb para gastos não relacionados à educação, pois possuem destinação vinculada a finalidades específicas, todas voltadas exclusivamente à área educacional.

A Min. Relatora Cármen Lúcia afirmou que o autor da ação não pretende mera interpretação conforme à Constituição, mas sim a suspensão temporária de seus efeitos para permitir atuação contrária à norma constitucional.

Desse modo, ainda que se reconheça a gravidade da pandemia da Covid-19 e os seus impactos na economia e nas finanças públicas, nada justifica o emprego de verba constitucionalmente vinculada à manutenção e desenvolvimento do ensino básico para fins diversos da que ela se destina.

Vale ressaltar, por fim, que a pandemia teve impacto direto também na educação, razão pela qual serão necessários recursos para viabilizar as aulas remotas.

 

Em suma:

É vedada a utilização, ainda que em caráter excepcional, de recursos vinculados ao FUNDEB para ações de combate à pandemia do novo coronavírus (COVID-19).

STF. Plenário. ADI 6490/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 18/2/2022 (Info 1044).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu da ação direta e, no mérito, julgou improcedente o pedido.


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