Depois da Lei nº
13.964/2019 (Pacote Anticrime), ainda é possível que o juiz, de ofício,
converta a prisão em flagrante em prisão preventiva?
NÃO.
Antes da Lei nº 13.964/2019
(Pacote Anticrime), a jurisprudência entendia que o juiz, após receber o auto
de prisão em flagrante, poderia, de ofício, converter a prisão em
flagrante em prisão preventiva.
Ocorre que a
Lei nº 13.964/2019 revogou os trechos do CPP que previam a
possibilidade de decretação da prisão preventiva ex officio.
Em suma:
Após o advento da Lei nº 13.964/2019, não é mais possível a
conversão da prisão em flagrante em preventiva sem provocação por parte ou da
autoridade policial, do querelante, do assistente, ou do Ministério Público,
mesmo nas situações em que não ocorre audiência de custódia.
A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que
constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma
absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das
partes ou representação da autoridade policial.
Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico
vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação
cautelar da liberdade.
STJ. 3ª Seção. RHC 131.263, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 24/02/2021 (Info 686).
STF. 2ª Turma.
HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
João praticou lesão corporal e
proferiu ameaças de morte contra a sua esposa Regina.
O vizinho chamou a polícia e ele foi preso em flagrante pela
suposta prática da conduta delituosa tipificada no art. 129, § 13 e art. 147,
ambos do Código Penal.
No dia seguinte, foi realizada audiência de custódia.
Na audiência, o Promotor de
Justiça pugnou pela homologação do auto de prisão em flagrante e pela aplicação
de medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP).
A Defensoria Pública, por sua
vez, requereu a liberdade provisória.
O juiz decretou a prisão
preventiva (cautelar máxima).
O magistrado fez três afirmações
na decisão:
1) atualmente, a prisão
preventiva depende de requerimento do Ministério Público, do querelante, do
assistente ou de representação do Delegado de Polícia, haja vista a
impossibilidade de decretação de prisão preventiva de ofício pelo juiz, com o
advento do “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019), que alterou a redação do
art. 311 do CPP;
2) ocorre que existe uma exceção: continua sendo possível a
decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo juiz, nos casos envolvendo a
Lei Maria da Penha. Isso porque o art. 20 da Lei nº 11.340/2006 prevê essa
possibilidade, não tendo ele sido alterado pelo Pacote Anticrime:
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito
policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de
ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante
representação da autoridade policial.
3) além disso, eu não estou
decidindo de ofício. O Ministério Público requereu a aplicação de medidas
cautelares diversas da prisão. Logo, ele pediu a aplicação de medidas
cautelares. Eu só estou decretando uma medida cautelar diversa daquela que o
Parquet requereu. Desse modo, estou agindo mediante requerimento da acusação.
A afirmação 1 do magistrado
está correta? É proibido atualmente que o juiz decrete, de ofício, a prisão
preventiva?
SIM. Conforme vimos acima, após o
advento da Lei nº 13.964/2019, não é mais possível a conversão da prisão em
flagrante em preventiva sem provocação por parte ou da autoridade policial, do
querelante, do assistente, ou do Ministério Público.
A afirmação 2 do magistrado
está correta? É possível que o juiz decrete, de ofício, a prisão preventiva do
indivíduo nos casos da Lei Maria da Penha com base nesse art. 20?
NÃO. O art. 20 da Lei Maria da
Penha não é uma exceção à regra acima exposta. A proibição de decretação da
prisão preventiva de ofício também se estende para o art. 20 da Lei Maria da
Penha.
Se você reparar o art. 20 da Lei
nº 11.340/2006 ele continua dizendo, textualmente, que o juiz pode decretar a
prisão preventiva de ofício nos casos envolvendo violência doméstica.
Ocorre que esse art. 20 da Lei nº
11.340/2006 (Lei Maria da Penha) destoa do atual regime jurídico. Houve uma
revogação tácita da expressão “de ofício”.
A atuação do juiz de ofício é
vedada independentemente do delito praticado ou de sua gravidade, ainda que
seja de natureza hedionda, e deve repercutir no âmbito da violência doméstica e
familiar.
A afirmação 3 do magistrado
está correta? Se o MP pediu a aplicação de medida cautelar diversa da prisão, o
juiz está autorizado a decretar a prisão?
Para o STJ, SIM.
A decisão que decreta a prisão
preventiva, desde que precedida da necessária e prévia provocação do Ministério
Público, formalmente dirigida ao Poder Judiciário, mesmo que o magistrado decida
pela cautelar pessoal máxima, por entender que apenas medidas alternativas
seriam insuficientes para garantia da ordem pública, não deve ser considerada
como de ofício.
Isso porque uma vez provocado
pelo órgão ministerial a determinar uma medida que restrinja a liberdade do
acusado em alguma medida, deve o juiz poder agir de acordo com o seu
convencimento motivado e analisar qual medida cautelar pessoal melhor se adequa
ao caso.
Impor ou não cautelas pessoais,
de fato, depende de prévia e indispensável provocação. Entretanto, a escolha de
qual delas melhor se ajusta ao caso concreto há de ser feita pelo juiz da
causa. Entender de forma diversa seria vincular a decisão do Poder Judiciário
ao pedido formulado pelo Ministério Público, de modo a transformar o julgador
em mero chancelador de suas manifestações, ou de lhe transferir a escolha do
teor de uma decisão judicial.
Em suma:
STJ.
6ª Turma. RHC 145.225-RO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
15/02/2022 (Info 725).