Dizer o Direito

sexta-feira, 18 de março de 2022

Cabe mandado de segurança contra ato de dirigente de federação esportiva?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, profissional de Educação Física, impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente da Federação Sergipana de Ciclismo, que impôs uma sanção desportiva contra o autor.

O juiz concedeu a segurança determinando que o impetrado anule a sanção imposta.

O TJ manteve a sentença.

A Federação interpôs recurso especial arguindo a ilegitimidade passiva porque não se pode dizer que o Presidente de uma Federação desportiva seja considerado autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, para fins de mandado de segurança.

 

O STJ concordou com os argumentos da Federação quanto à ilegitimidade passiva?

SIM. Vamos entender com calma.

 

Contra quem é impetrado o mandado de segurança?

De acordo com o art. 5º, LXIX, da Constituição, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for:

• autoridade pública; ou

• agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

 

O caput do art. 1º da Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009) tem regra semelhante:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

 

O § 1º do art. 1º amplia o conceito de autoridade.

Segundo esse dispositivo, equiparam-se às autoridades para fins de mandado de segurança:

Segundo esse dispositivo, equiparam-se às autoridades para fins de mandado de segurança:

• os representantes ou órgãos de partidos políticos;

• os administradores de entidades autárquicas;

• os dirigentes de pessoas jurídicas no exercício de atribuições do poder público (no que disser respeito a essas atribuições);

• as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público (no que disser respeito a essas atribuições).

 

Quem deve ocupar a posição passiva da demanda de mandado de segurança: somente a autoridade apontada como coatora ou a pessoa jurídica a que aquela autoridade se vincula?

Na doutrina, são encontradas três correntes sobre o tema:

i) quem figura como legitimado passivo é apenas a autoridade coatora;

ii) legitimado passivo é somente a pessoa jurídica, de Direito Público ou Privado, a cujos quadros integre a autoridade coatora;

iii) tanto a autoridade como a pessoa jurídica devem figurar no polo passivo, havendo, no caso, um litisconsórcio passivo necessário.

O STJ adota a 1ª corrente, afirmando que o polo passivo deve ser ocupado apenas pela autoridade apontada como coatora, afastando a existência de litisconsórcio necessário com a pessoa jurídica interessada. Isso porque a autoridade coatora atua substituto processual da pessoa jurídica:

O STJ tem entendimento pela não formação de litisconsórcio passivo, em mandado de segurança, entre a autoridade apontada como coatora e o ente federado ou entidade de direito público ao qual é vinculada, porquanto aquela atua como substituto processual.

STJ. 1ª Turma. REsp 1632302/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/09/2019.

 

A legitimidade para recorrer também é da autoridade pública?

Aí, não. A legitimidade recursal recai sobre a pessoa jurídica a que vinculada a autoridade apontada como coatora.

A legitimidade recursal na ação mandamental é da pessoa jurídica que suportará o ônus da decisão concessiva da segurança, e não da autoridade impetrada, salvo se pretender recorrer como assistente litisconsorcial ou como terceiro, para efeito de prevenir sua responsabilidade pessoal.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1838062/PA, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 10/08/2020.

 

Natureza jurídica da Federação esportiva

A Federação de Ciclismo é uma associação, ou seja, pessoa jurídica de direito privado (art. 44, I, do CC).

As federações esportivas constituem-se como entidades regionais de administração do desporto, caracterizando-se pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (desportivos).

O art. 16 da Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) trata das associações desportivas:

Art. 16. As entidades de prática desportiva e as entidades de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos ou contratos sociais.

 

Dirigente de federação esportiva não é autoridade pública

Claramente se percebe que o dirigente da federação não se amolda ao conceito de autoridade pública.

 

A federação pode ser considerada como uma pessoa jurídica que exerce atribuições do poder público?

Também não.

O próprio art. 82 da Lei Pelé é explícito neste ponto:

Art. 82. Os dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do desporto, inscritas ou não no registro de comércio, não exercem função delegada pelo Poder Público, nem são consideradas autoridades públicas para os efeitos desta Lei.

 

Logo, não se pode aplicar ao caso o raciocínio da Súmula 510 do STF:

Súmula 510-STF: Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

 

Em suma:

É inviável a subsunção de dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do desporto ao conceito de autoridade pública ou exercício de função pública, sobressaindo o caráter privado dessas atividades, declarando-se a ilegitimidade passiva a obstar o exame de mérito do mandado de segurança.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.348.503-SE, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).

 

 


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