Imagine
a seguinte situação hipotética:
João,
profissional de Educação Física, impetrou mandado de segurança contra ato do
Presidente da Federação Sergipana de Ciclismo, que impôs uma sanção desportiva
contra o autor.
O
juiz concedeu a segurança determinando que o impetrado anule a sanção imposta.
O
TJ manteve a sentença.
A
Federação interpôs recurso especial arguindo a ilegitimidade passiva porque não
se pode dizer que o Presidente de uma Federação desportiva seja considerado autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder
Público, para fins de mandado de segurança.
O
STJ concordou com os argumentos da Federação quanto à ilegitimidade passiva?
SIM.
Vamos entender com calma.
Contra
quem é impetrado o mandado de segurança?
De
acordo com o art. 5º, LXIX, da Constituição, conceder-se-á mandado de segurança
para proteger direito líquido e certo quando o responsável pela ilegalidade ou
abuso de poder for:
•
autoridade pública; ou
•
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
O caput do art. 1º
da Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009) tem regra semelhante:
Art.
1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com
abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver
justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as
funções que exerça.
O
§ 1º do art. 1º amplia o conceito de autoridade.
Segundo
esse dispositivo, equiparam-se às autoridades para fins de mandado de
segurança:
Segundo
esse dispositivo, equiparam-se às autoridades para fins de mandado de
segurança:
•
os representantes ou órgãos de partidos políticos;
•
os administradores de entidades autárquicas;
•
os dirigentes de pessoas jurídicas no exercício de atribuições do poder público
(no que disser respeito a essas atribuições);
•
as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público (no que disser
respeito a essas atribuições).
Quem
deve ocupar a posição passiva da demanda de mandado de segurança: somente a
autoridade apontada como coatora ou a pessoa jurídica a que aquela autoridade
se vincula?
Na
doutrina, são encontradas três correntes sobre o tema:
i)
quem figura como legitimado passivo é apenas a autoridade coatora;
ii)
legitimado passivo é somente a pessoa jurídica, de Direito Público ou Privado,
a cujos quadros integre a autoridade coatora;
iii)
tanto a autoridade como a pessoa jurídica devem figurar no polo passivo,
havendo, no caso, um litisconsórcio passivo necessário.
O
STJ adota a 1ª corrente, afirmando que o polo passivo deve ser ocupado apenas pela
autoridade apontada como coatora, afastando a existência de litisconsórcio
necessário com a pessoa jurídica interessada. Isso porque a autoridade coatora
atua substituto processual da pessoa jurídica:
O STJ tem entendimento pela não formação de litisconsórcio passivo, em
mandado de segurança, entre a autoridade apontada como coatora e o ente
federado ou entidade de direito público ao qual é vinculada, porquanto aquela
atua como substituto processual.
STJ. 1ª Turma. REsp
1632302/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/09/2019.
A
legitimidade para recorrer também é da autoridade pública?
Aí,
não. A legitimidade recursal recai sobre a pessoa jurídica a que vinculada a
autoridade apontada como coatora.
A legitimidade recursal
na ação mandamental é da pessoa jurídica que suportará o ônus da decisão concessiva
da segurança, e não da autoridade impetrada, salvo se pretender recorrer como
assistente litisconsorcial ou como terceiro, para efeito de prevenir sua
responsabilidade pessoal.
STJ. 1ª Turma. AgInt no
REsp 1838062/PA, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 10/08/2020.
Natureza
jurídica da Federação esportiva
A
Federação de Ciclismo é uma associação, ou seja, pessoa jurídica de direito
privado (art. 44, I, do CC).
As
federações esportivas constituem-se como entidades regionais de administração
do desporto, caracterizando-se pela união de pessoas que se organizam para fins
não econômicos (desportivos).
O art. 16 da Lei
Pelé (Lei nº 9.615/98) trata das associações desportivas:
Art.
16. As entidades de prática desportiva e as entidades de administração do
desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de
direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as
competências definidas em seus estatutos ou contratos sociais.
Dirigente
de federação esportiva não é autoridade pública
Claramente
se percebe que o dirigente da federação não se amolda ao conceito de autoridade
pública.
A
federação pode ser considerada como uma pessoa jurídica que exerce atribuições
do poder público?
Também
não.
O próprio art. 82 da
Lei Pelé é explícito neste ponto:
Art.
82. Os dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do
desporto, inscritas ou não no registro de comércio, não exercem função delegada pelo Poder Público, nem
são consideradas autoridades públicas para os efeitos desta Lei.
Logo, não se pode aplicar ao caso o raciocínio da
Súmula 510 do STF:
Súmula 510-STF:
Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra
ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.
Em
suma:
É inviável a
subsunção de dirigentes, unidades ou órgãos de entidades de administração do
desporto ao conceito de autoridade pública ou exercício de função pública,
sobressaindo o caráter privado dessas atividades, declarando-se a ilegitimidade
passiva a obstar o exame de mérito do mandado de segurança.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.348.503-SE, Rel. Min.
Marco Buzzi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).