A situação concreta, com
adaptações, foi a seguinte:
A Promotora de Justiça de
Araguaína (TO) ajuizou ação civil pública contra o Banco do Brasil e o Banco
Bradesco alegando três falhas na prestação dos serviços oferecidos por essas
instituições financeiras:
1) vários caixas eletrônicos instalados
no Município estão inoperantes;
2) os caixas eletrônicos, quando
estão funcionando, não possuem dinheiro para saque;
3) o atendimento nas agências bancárias é moroso e os clientes ficam constantemente na fila mais tempo do que prevê a lei municipal.
O Ministério Público pediu que os
bancos:
• adotassem medidas para corrigir
essas falhas, prestando um serviço adequado à população; e
• fossem condenados ao pagamento
de indenização por danos morais coletivos.
O juiz julgou os pedidos procedentes,
sentença mantida pelo TJ.
Os bancos interpuseram, então,
recurso especial.
Vejamos os principais aspectos
jurídicos enfrentados pelo STJ.
Alguns Municípios
brasileiros possuem leis disciplinando um tempo máximo de espera (normalmente,
15 minutos) para que o consumidor seja atendido em bancos, loterias,
concessionárias de água, de energia elétrica, supermercados etc. Isso ficou
popularmente conhecido como “Lei das Filas”. O simples fato de uma pessoa ter
esperado mais tempo do que é fixado pela “Lei da Fila” é causa suficiente para,
obrigatoriamente, gerar indenização por danos morais?
NÃO.
O mero desrespeito à legislação local
acerca do tempo máximo de espera em filas, por si só, não conduz à
responsabilização por danos morais.
Em outras palavras, o simples fato de a
pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na
legislação municipal não enseja indenização por danos morais. Ex: a lei
estipulava o máximo de 15 minutos e o consumidor foi atendido em 25 minutos.
Contudo, tal fato representa relevante
critério, que, aliado a outras circunstâncias de cada hipótese concreta, pode
fundamentar a efetiva ocorrência de danos extrapatrimoniais, sejam individuais,
sejam coletivos, como reconhece esta Corte Superior.
Assim, ao lado do excesso de tempo de
espera em fila por tempo superior ao previsto na legislação, deve-se aferir,
por exemplo, se essa situação é reiterada, se há justificativa plausível para o
atraso no atendimento, se a violação do limite máximo previsto na legislação
foi substancial; se o excesso de tempo em fila encontra-se associado a outras falhas
na prestação de serviços; se os fornecedores foram devidamente notificados para
sanar as falhas apresentadas etc.
STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017.
STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.
No caso concreto, os fatos
narrados pelo Ministério Público são idôneos para se dizer que houve dano moral
coletivo?
SIM.
A inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada
pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por
falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo
superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos
morais coletivos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.929.288-TO,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).
O tempo útil e seu máximo
aproveitamento são interesses coletivos, subjacentes à função social da
atividade produtiva e aos deveres de qualidade, segurança, durabilidade e
desempenho, que são impostos aos fornecedores de produtos e serviços.
A
proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve, portanto, ser
realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de
sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio
produtivo do consumidor, que conduz à responsabilidade civil pela perda do
tempo útil ou vital.
A teoria do desvio produtivo,
desenvolvida por Marcos Dessaune, preceitua a responsabilização do fornecedor
pelo dispêndio de tempo vital do consumidor prejudicado, desviando-o de
atividades existenciais.
Os bancos alegaram que não
havia prova concreta necessária para a condenação por dano moral coletivo. Essa
alegação foi aceita? Em uma demanda
em que se discute a caracterização de dano moral coletivo é necessária a prova
concreta do dano?
NÃO. O dano moral coletivo é
aferível in re ipsa, de modo que sua configuração decorre do simples
fato da violação da lei.
Assim, o dano moral está configurado
com a mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e
intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade,
revelando-se desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo
abalo moral.
Desse modo, não faz sentido
alegar ausência de prova do dano efetivo como argumento idôneo para isentar os
bancos de responsabilidade.