Prisão temporária
A prisão temporária é...
- uma espécie de prisão cautelar
(prisão antes da sentença condenatória definitiva)
- prevista não no CPP, mas sim na
Lei nº 7.960/89
- decretada durante a fase de
investigação criminal (antes da ação penal)
- somente cabível em casos envolvendo determinados crimes mais graves previstos na Lei.
A prisão temporária, ao lado da prisão em flagrante e da
prisão preventiva, configura uma das modalidades de prisão cautelar. Ela
ostenta natureza pré-processual e tem a finalidade de assegurar o resultado
útil da investigação criminal.
Hipóteses
O art. 1º da Lei nº 7.960/89 prevê as hipóteses de cabimento
da prisão temporária:
Art. 1º Caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as
investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver
residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua
identidade;
III - quando houver fundadas razões, de
acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou
participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e
seu § 2°);
b) sequestro ou cárcere privado (art.
148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§
1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§
1° e 2°);
e) extorsão mediante sequestro (art.
159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua
combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art.
214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua
combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte
(art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou
substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput,
combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos
do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei
n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n°
6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro
(Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
p) crimes previstos na Lei de
Terrorismo.
ADI
Foram ajuizadas duas ações
diretas de inconstitucionalidade contra essa previsão.
A ADI 4109/DF foi proposta pelo
Partido Trabalhista Brasileiro (PDT) e a ADI 3360/DF ajuizada pelo Partido
Social Liberal (PSL).
Na ADI 3360, o autor alegou que o
art. 1º da Lei nº 7.960/89 contrariaria direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados e que a decretação da prisão temporária somente
seria possível se os requisitos previstos nos incisos do dispositivo
questionado estivessem presentes de forma conjunta, sob pena de descumprir o
devido processo legal material.
Sustentou, em síntese, que a
redação imprecisa dos art. 1º, incisos I, II e III, da Lei nº 7.960/89 provoca
controvérsias interpretativas na comunidade jurídica, com soluções
desarrazoadas, em ofensa à cláusula do devido processo legal material.
Argumentou a
inconstitucionalidade da lei diante do direito à liberdade provisória e da
presunção de inocência, por ser uma modalidade de prisão com menos requisitos
que a prisão preventiva e, portanto, inconstitucional.
O que o STF decidiu?
O STF, julgando conjuntamente as
duas ações, julgou parcialmente procedentes os pedidos para dar interpretação
conforme a Constituição Federal ao art. 1º da Lei 7.960/89.
Em outras palavras, o STF afirmou
que a prisão temporária é constitucional, mas desde que siga os critérios de
interpretação fixados pela Corte.
Vamos entender um pouco mais
abaixo.
Inciso I. Pela
análise do inciso I do art. 1º, percebe-se que a prisão temporária é uma prisão criada
para servir aos interesses da investigação criminal. O objetivo dessa prisão é facilitar
a investigação criminal. Diante disso, indaga-se: esse inciso I é
constitucional? É possível uma espécie de prisão criada com esse objetivo?
SIM.
A prisão temporária, como vimos acima, é uma espécie de prisão
de natureza cautelar.
A CF/88 autoriza a imposição de prisões cautelares no inciso
LXI do art. 5º:
Art. 5º (...)
LXI - ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei;
No entanto, como a Constituição consagra o princípio da
presunção de inocência (art. 5º, LVII), toda prisão cautelar (inclusive a
prisão temporária) deve ser considerada como medida excepcionalíssima e somente
se mostra cabível quando preenchidos os estritos requisitos legais e de forma
devidamente fundamentada pela autoridade judicial competente.
Assim, desde que respeitado o princípio da não
culpabilidade (que veda a execução antecipada da pena), nada impede que o
legislador ordinário estabeleça uma modalidade de prisão cautelar voltada a
assegurar o resultado útil da investigação criminal ou do processo penal.
Vale ressaltar que, além da Constituição Federal, a
Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos também não impedem ou proíbem a criação de prisões cautelares
pelos Estados-partes.
Importante
esclarecer, contudo, que a prisão temporária não pode servir como uma prisão
para averiguação.
Leonardo Barreto Moreira Alves nos explica o que é uma
prisão para averiguação, sendo ela inconstitucional:
“Antes da
Constituição Federal de 1988, havia no país a denominada prisão para
averiguações, que era uma prisão realizada pela polícia, sem ordem judicial,
para auxiliar as suas atividades rotineiras e cotidianas de investigação, ou
seja, no intuito de verificar se a pessoa presa possuía qualquer vínculo com
alguma infração penal ou mesmo para apurar a sua vida pregressa, consultando,
por exemplo, se havia contra ela algum mandado de prisão em aberto ou se estava
foragida.
Com o advento
da Carta Magna de 1988, passou-se a exigir, como regra, ordem judicial para a
efetivação das prisões (cláusula de reserva de jurisdição), salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar e na prisão em flagrante. Em
razão disso, a polícia não mais pôde proceder à prisão para fins de
averiguações por conta própria, necessitando, para tanto, da autorização do
juízo competente. Esclareça-se, contudo, que a exigência de ordem judicial para
a prisão não impede seja feita abordagem policial, se preciso, solicitando
identificação de indivíduos ou realizando busca pessoal deles: impede-se apenas
a prisão sem autorização judicial para esse fim. No mais, atualmente, a simples
prisão para averiguações (sem ordem judicial) é ilegal, configurando a prática
de crime de abuso de autoridade (art. 9º, caput, da Lei nº 13.869/19).” (Manual
de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 1097).
Conforme vimos acima, a prisão
para averiguação não é compatível com a Constituição Federal de 1988.
Desse modo, não se pode admitir
qualquer interpretação que transforme a prisão temporária em um meio de prisão
para averiguação.
De igual forma, a prisão temporária
não pode violar o direito à não autoincriminação.
A pessoa, ainda que suspeita de
um crime, tem o direito de não se autoincriminar. Isso inclui o direito de não
ser obrigada a ser interrogada.
Logo, a prisão temporária não
pode servir como um instrumento para se impor, por vias transversas, que a
pessoa preste depoimento na fase inquisitorial.
Inciso II. Não se
trata de requisito necessário para a decretação da prisão temporária nem pode
ser utilizado isoladamente para se decretar a custódia de ninguém
O inciso II do art. 1º da Lei nº 7.960/89 afirma que:
Art. 1º Caberá prisão temporária:
(...)
II - quando o indicado não tiver
residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua
identidade;
O STF explicou que esse inciso II do art. 1º da Lei nº
7.960/89, mostra-se dispensável ou, quando interpretado isoladamente, é inconstitucional.
Isso porque ou a circunstância de o representado não
possuir residência física evidencia de modo concreto que a prisão temporária é
imprescindível para as investigações (inciso I) ou não se pode decretar a
prisão pelo simples fato de que alguém não possui endereço fixo.
Nesse sentido, não é constitucional a decretação da
prisão temporária quando se verificar, por exemplo, apenas uma situação de
vulnerabilidade econômico-social – pessoas em situação de rua, desabrigados –
por violação ao princípio constitucional da igualdade em sua dimensão material.
Inciso III. O rol ali previsto é taxativo
O STF também decidiu que o rol do
inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/89 é taxativo.
Trata-se de uma opção feita pelo Poder
Legislativo, que, dentro de sua competência constitucional, entendeu que
deveria dar especial atenção a determinados crimes. Essa escolha é
perfeitamente compatível com a Constituição Federal.
Esse rol não admite analogia ou interpretação extensiva.
Isso porque quando se está em jogo a imposição de medidas cautelares penais
restritivas da liberdade individual, vigora o princípio da legalidade estrita.
O processo penal não é apenas forma, mas também garantia
limitadora do direito de punir estatal, o qual deverá ocorrer sem arbítrios, estritamente
com base na lei e, sobretudo, na Constituição Federal.
Dessa maneira, para que a intervenção estatal opere nas
liberdades individuais com legitimidade, é necessário o respeito à estrita
legalidade e às garantias fundamentais.
Novo requisito instituído pelo STF e não previsto na Lei
nº 7.960/89: existência de fatos novos e contemporâneos (aplicação do § 2º do
art. 312 do CPP à prisão temporária)
O art. 312, § 2º do CPP prevê o seguinte:
Art. 312 (...)
§ 2º A decisão que decretar a prisão
preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência
concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida
adotada.
A doutrina denomina isso de princípio da atualidade ou
contemporaneidade, segundo o qual a urgência no decreto de uma medida cautelar
deve ser contemporânea à ocorrência do fato que gera os riscos que tal medida
pretende evitar.
“A contemporaneidade diz respeito aos fatos que autorizam
a medida cautelar e os riscos que ela pretende evitar, sendo irrelevante,
portanto, se a prática do delito é atual ou não.
(...)
Por exemplo, se um crime é cometido em 2018 e o réu
ameaça seriamente de morte testemunha-chave da acusação em 2021, é possível o
decreto da prisão preventiva por conveniência da instrução criminal nesse mesmo
ano; todavia, se a ameaça às testemunhas se deu em 2018, não se verifica a
contemporaneidade do decreto da preventiva proferido em 2021.
(...)
Ademais, a contemporaneidade não está diretamente
vinculada ao início ou ao fim de uma investigação criminal, tampouco à data da
prática do fato delitivo, e sim à necessidade da medida cautelar, o que pode se
revelar a qualquer tempo. É possível que uma investigação dure anos e, mesmo
assim, ser constatada a necessidade de uma prisão preventiva, o que se dá
principalmente em crimes de grande complexidade.” ((Manual de Processo
Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 984-985).
Desse modo, a motivação da prisão preventiva deve estar
baseada em fatos novos ou contemporâneos. Não se pode decretar a prisão com
base em fatos antigos.
Ainda que esse dispositivo tenha sido pensado para a
prisão preventiva, o STF afirmou que ele deve ser obrigatoriamente aplicado
também para a prisão temporária.
Trata-se não apenas de uma decorrência lógica da própria
cautelaridade das prisões provisórias, como também consequência do princípio
constitucional da não culpabilidade.
Vale ressaltar, mais uma vez, que esse dispositivo não
impede que a prisão temporária seja decretada por crimes antigos. O que se
proíbe apenas é a imposição de prisão caso não haja fato contemporâneo ao
decreto que justifique, de maneira objetiva, o periculum libertatis.
Novo requisito instituído pelo STF e não previsto na Lei
nº 7.960/89: aplicação do art. 282, II, do CPC à prisão temporária
A prisão temporária deve, ainda, ser adequada à gravidade concreta
do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado, nos
termos do art. 282, inciso II, CPP:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título
deverão ser aplicadas observando-se a:
(...)
II - adequação da medida à gravidade do
crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Ainda que a prisão temporária esteja prevista em lei
extravagante (Lei nº 7.960/89), o art. 282, II, do CPP traz uma regra geral de
aplicação a incidir sobre todas as modalidades de medida cautelar – seja de
prisão ou não –, as quais, em atenção ao princípio da proporcionalidade, devem
observar a necessidade e a adequação em vista da gravidade do crime, das
circunstâncias do fato e das condições pessoais do representado.
STF afirmou que não se deve aplicar o art. 313 do CPP à
prisão temporária
O art. 313 do CPP prevê o seguinte:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste
Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena
privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro
crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no
inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
- Código Penal;
III - se o crime envolver violência
doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou
pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de
urgência;
Havia
uma posição que defendia que esse art. 313 também fosse aplicado para a prisão
temporária. O STF não acolheu esse entendimento.
Não se pode adotar interpretação que exija, para a prisão
temporária, a observância do art. 313 do CPP.
Isso porque se trata de dispositivo específico para a
prisão preventiva, uma vez que, no caso da prisão temporária, o legislador
ordinário, no seu legítimo campo de conformação, já escolheu os delitos que
julgou de maior gravidade para sua imposição (inciso III do art. 1º da Lei nº
7.960/89).
Entender de modo diverso implicaria confusão entre os
pressupostos de decretação das prisões preventiva e temporária, bem como
violação aos princípios da legalidade e da separação entre os poderes
STF não declarou a inconstitucionalidade da expressão “será” prevista no
caput art. 2º da Lei nº 7.960/89
O caput do art. 2º da Lei nº 7.960/89 prevê o seguinte:
Art. 2º A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade
policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco)
dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada
necessidade.
Argumentava-se que esse verbo
“será” deveria ser declarado inconstitucional porque imporia uma obrigação de o
juiz sempre decretar a prisão temporária.
O STF não concordou com essa
linha de raciocínio.
Apesar de o dispositivo utilizar
a expressão “será”, isso não significa que o magistrado seja sempre obrigado a decretar
a prisão. A decretação da prisão terá que ser obrigatoriamente fundamentada
levando-se em consideração os aspectos acima mencionados.
Logo, o STF decidiu que não é
incompatível com o texto constitucional a expressão “será” prevista no art. 2º,
caput, da Lei nº 7.960/89 já que a decretação da prisão temporária não se
revela como medida compulsória, devendo ser obrigatoriamente fundamentada (§ 2º
do art. 2º da Lei nº 7.960/89 e art. 93, IX, da CF/88).
STF não declarou a
inconstitucionalidade do prazo de 24h previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº
7.960/89
O § 2º do art. 2º da Lei nº 7.960/89 prevê o seguinte:
Art. 2º (...)
§ 2º O despacho que decretar a prisão
temporária deverá ser fundamentado e prolatado dentro do prazo de 24 (vinte e
quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do
requerimento.
Havia pedido para que esse prazo
fosse declarado inconstitucional. O STF não concordou com isso.
O prazo de 24 horas previsto no
art. 2º, § 2º, da Lei nº 7.960/89 não possui qualquer vício de
inconstitucionalidade considerando que:
• trata-se de prazo impróprio
(que não produz consequências processuais caso seja descumprido); e
• que se justifica pela urgência
na análise do pedido pelo magistrado visando à eficiência das investigações.
Resumindo o que o STF decidiu:
A
decretação de prisão temporária somente é cabível quando
(i) for
imprescindível para as investigações do inquérito policial;
(ii)
houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado;
(iii) for
justificada em fatos novos ou contemporâneos;
(iv) for
adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às
condições pessoais do indiciado; e
(v) não
for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas.
STF.
Plenário. ADI 4109/DF e ADI 3360/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, redator para o
acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 11/2/2022 (Info 1043).