REPETIÇÃO DE INDÉBITO E TAXA SELIC
Ação de repetição de indébito (ou ação de
restituição de indébito)
É a ação na qual o requerente pleiteia a devolução
de determinada quantia que pagou indevidamente.
A ação de repetição de indébito, ao contrário do
que muitos pensam, não é restrita ao direito tributário. Assim, por exemplo, se
um consumidor é cobrado pelo fornecedor e paga um valor que não era devido,
poderá ingressar com ação de repetição de indébito para pleitear valor igual ao
dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais,
salvo hipótese de engano justificável (art. 42, parágrafo único do CDC).
No âmbito tributário, o contribuinte que pagar
tributo indevido (exs: pagou duas vezes, pagou imposto que era
inconstitucional, houve erro na alíquota etc.) terá direito à repetição de
indébito, ou seja, poderá ajuizar ação cobrando a devolução daquilo que foi
pago.
As hipóteses em que
o contribuinte terá direito à repetição de indébito, no âmbito tributário,
estão previstas no art. 165 do CTN:
Art. 165. O
sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à
restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu
pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança
ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da
legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do
fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na
edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no
cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer
documento relativo ao pagamento;
III -
reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
O mencionado art. 165 afirma que o sujeito passivo
tem direito à restituição, independentemente de prévio protesto (isto é, mesmo
que na hora de pagar não tenha “reclamado” do tributo indevido ou tenha feito
qualquer ressalva; não interessa o estado de espírito do sujeito passivo no
momento do pagamento, ou seja, se sabia ou não que o pagamento era indevido).
Pagou indevidamente, tem direito de receber de volta a fim de evitar o
enriquecimento sem causa da outra parte (no caso, o Fisco).
O valor que será devolvido ao sujeito passivo
deverá ser acrescido de juros moratórios e correção monetária?
SIM. Na repetição de indébito, o contribuinte
deverá receber de volta o valor principal que foi pago, acrescido de juros
moratórios e correção monetária pelo tempo que ficou sem o dinheiro.
Surge agora outra pergunta: qual é a taxa de juros
de mora que deverá ser aplicada na repetição de indébito?
Nas repetições de indébito, a taxa de juros a ser
aplicada em favor do sujeito passivo é a mesma que a lei prevê que o Fisco
poderá cobrar do contribuinte em caso de tributo atrasado.
Ex: no âmbito federal, se o contribuinte deixar de
recolher o tributo no dia do vencimento, ele terá que pagá-lo com juros de
mora. A lei determina que a taxa de juros é a SELIC. Isso significa que, se o
sujeito passivo pagar determinado tributo federal e, posteriormente,
constatar-se que era indevido, ele terá direito à repetição de indébito,
recebendo de volta o valor que pagou mais juros de mora. A taxa de juros dessa
restituição também será a SELIC. Trata-se de aplicação do princípio da
isonomia: ora, se é exigido do contribuinte que pague os juros com o índice
SELIC, quando ele for receber, também deverá ser assegurado a ele o mesmo
tratamento (receber com SELIC).
Fundamento legal da SELIC no âmbito federal
O fundamento legal para a aplicação da taxa SELIC
na cobrança de tributos federais é a Lei nº 9.065/95.
A utilização da SELIC em caso de restituição de
tributos (repetição de indébito) foi determinada pela Lei nº 9.250/95.
Em caso de repetição de indébito de tributos
ESTADUAIS, aplica-se também a SELIC?
Depende. O legislador estadual tem liberdade para
prever o índice de juros em caso de atraso no pagamento dos tributos estaduais.
Ex: o legislador pode dizer que é 1% ao mês (e não a SELIC). Quanto às
repetições de indébito de tributos estaduais, vale o mesmo entendimento exposto
na pergunta anterior: a taxa de juros a ser aplicada em favor do sujeito
passivo será a mesma que a lei estadual prevê que o Fisco estadual poderá
cobrar do contribuinte em caso tributo atrasado. Em outras palavras, a taxa de
juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve
corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso. Logo, se a
lei estadual prevê que na cobrança do tributo em atraso incidirá a taxa de
juros de 1% ao mês, a taxa de juros na repetição de indébito será também de 1%
ao mês.
A lei estadual poderá fixar a SELIC como taxa de
juros?
SIM. Será possível que incida
a SELIC tanto para a cobrança do tributo em atraso, como também no caso da ação
de repetição de indébito. Para isso, no entanto, é necessário que a lei
estadual (legislação local) preveja. Ex: no Estado de São Paulo, o art. 1º da
Lei Estadual 10.175/98 prevê a aplicação da taxa SELIC sobre impostos estaduais
pagos com atraso, o que impõe a adoção da mesma taxa na repetição do indébito.
Súmula 523-STJ: A taxa de juros de mora incidente na repetição
de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança
do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas
as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com
quaisquer outros índices.
Por que a súmula diz que a SELIC não pode ser
cumulada com quaisquer outros índices?
Porque a SELIC é um tipo de índice de juros
moratórios que já abrange juros e correção monetária. Como assim? No cálculo da
SELIC (em sua “fórmula matemática”), além de um percentual a título de juros
moratórios, já é embutida a taxa de inflação estimada para o período (correção
monetária).
Em outras palavras, a SELIC é uma espécie de índice
que engloba juros e correção monetária. Logo, se o credor exigir a SELIC e mais
a correção monetária, ele estará cobrando duas vezes a correção monetária, o
que configura bis in idem.
Por isso, o STJ afirma que, se
a lei estadual prevê a aplicação da SELIC, é proibida a sua cobrança cumulada
com quaisquer outros índices, seja de atualização monetária (correção
monetária), seja de juros. Basta a SELIC.
De quanto é o percentual da
taxa SELIC?
Depende. A SELIC é uma taxa
estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) com base em uma fórmula
matemática que leva em consideração diversas variáveis. Desse modo, a taxa
SELIC normalmente é variável, não sendo um percentual fixo.
Vale ressaltar que o COPOM é um
comitê composto pela Diretoria Colegiada do Banco Central e, com base nas metas
que o órgão tiver para a economia brasileira, os dados que alimentam essa
fórmula de cálculo da SELIC irão variar. Ex.: o BACEN tem procurado incentivar
o crédito no país, por isso, a taxa SELIC vem sofrendo um processo de redução.
Quando o governo deseja conter a inflação, normalmente se vale do aumento da
taxa SELIC para frear o consumo.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO E TAXA SELIC
Imposto de Renda sobre
Pessoa Jurídica (IRPJ)
IRPJ é a sigla para Imposto de
Renda de Pessoa Jurídica.
A base de cálculo
do IRPJ é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos
proventos tributáveis (art. 44 do CTN).
Em outras palavras, a base de
cálculo do IRPJ é o lucro (real, presumido ou arbitrado)
correspondente ao período de apuração.
Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL)
Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL) é um tributo federal instituído pela Lei nº 7.689/88.
O fato gerador é o lucro das
pessoas jurídicas (por isso, é assemelhado ao IRPJ).
Segundo a Lei que rege a CSLL, a
base de cálculo dessa contribuição “é o valor do resultado do exercício, antes
da provisão para o imposto de renda” (art. 2º da Lei nº 7.689/88).
Desse modo, a base de cálculo da
CSLL também é o lucro, mas apurado antes da provisão para o IRPJ.
Base de cálculo negativa do CSLL:
ocorre quando a soma das despesas e exclusões é maior que a soma das receitas e
adições. Sem rigor técnico, mas apenas para você entender melhor: ocorre quando
a pessoa jurídica tem “prejuízo”.
Imagine que a pessoa
jurídica recebe de volta um tributo federal que havia sido indevidamente
cobrado (repetição de indébito). O valor principal recebido é acrescido de
juros e correção monetária. Tais consectários (juros e correção) são pagos mediante
a aplicação da SELIC. Diante disso, indaga-se: o contribuinte deverá pagar IRPJ
e CSLL sobre tais valores?
NÃO.
Os
valores relativos à taxa Selic recebidos pelo contribuinte na repetição de
indébito tributário não compõem a base de incidência do Imposto sobre a Renda
das Pessoas Jurídicas (IRPJ) ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL).
STF.
Plenário. RE 1063187/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/9/2021
(Repercussão Geral – Tema 962) (Info 1031).
Para incidir IRPJ e CSLL é
indispensável a ocorrência de acréscimo patrimonial
A materialidade do imposto de renda está relacionada à
existência de acréscimo patrimonial.
Assim, só haverá incidência de imposto de renda se houver
acréscimo patrimonial, pois o CTN adotou expressamente o conceito de renda como
acréscimo.
O mesmo raciocínio se aplica para a CSLL. O fato
gerador dessa Contribuição é o lucro das pessoas jurídicas (por isso, é
assemelhado ao IRPJ). Segundo
explica Leandro Paulsen, lucro, para efeito do tributo em tela, “é o acréscimo
patrimonial decorrente do exercício da atividade da empresa ou entidade
equiparada”.
Assim, tendo em vista que tanto o IRPJ quanto a CSLL não
podem incidir sobre o que não constitui acréscimo patrimonial, mostra-se
necessário verificar se os juros de mora legais constituem ou não acréscimo
patrimonial, lembrando que estão eles abrangidos pela taxa Selic.
Natureza dos juros de mora
A expressão “juros moratórios” designa a indenização pelo
atraso no pagamento da dívida em dinheiro.
Os juros de mora possuem natureza indenizatória. Isso
fica demonstrado ao se analisar o art. 16, parágrafo único, da Lei nº 4.506/64,
que classifica como rendimentos de trabalho assalariado “os juros de mora e
quaisquer outras indenizações pagas pelo atraso no pagamento das remunerações
previstas neste artigo”.
Ao se referir aos juros de mora e “outras indenizações”,
o legislador deixou implícito o reconhecimento de que os juros de mora
consistem em indenização.
É comum ouvirmos que sobre verbas indenizatórias não
incide imposto de renda. Essa afirmação não é inteiramente verdadeira. Os
lucros cessantes possuem natureza de indenização. Apesar disso, sobre eles incide
Imposto de Renda. O que interessa para saber se incide ou não o IR é a obtenção
de riqueza nova, ou seja, a ocorrência de acréscimo patrimonial.
(...) mesmo que caracterizada a natureza indenizatória do
quantum recebido, ainda assim incide Imposto de Renda, se der ensejo a
acréscimo patrimonial, como ocorre na hipótese de lucros cessantes. (...)
STJ. 1ª Seção. EREsp 695.499/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 09/05/2007.
Essa parece ser também a posição do Min. Dias Toffoli:
“A meu ver, o imposto de renda pode,
em tese, alcançar os valores relativos a lucros cessantes, mas não os relativos
a danos emergentes.”
Assim, é fundamental definir a natureza dos juros de mora
legais (Selic) devidos na repetição de indébito:
· se forem considerados lucros cessantes: estarão sujeitos
ao imposto de renda e à CSLL;
· se forem considerados danos emergentes: não haverá
incidência desses tributos.
O valor recebido a título de juros de mora legais (Selic)
na repetição do indébito tributário constitui-se em lucros cessantes ou danos
emergentes?
Danos emergentes.
Os juros de mora legais não representam riqueza nova para
o credor, uma vez que têm por finalidade apenas reparar as perdas que o lesado
sofreu.
Assim, os juros de mora estão fora do campo de incidência
do imposto de renda e da CSLL, pois visam, precipuamente, a recompor efetivas
perdas não implicando aumento de patrimônio do credor.
Os juros de mora legais têm por objetivo recompor, de modo
estimado, os gastos a mais que o credor precisou suportar (custos com a obtenção
de linhas de créditos, multas etc.), em razão do atraso no pagamento da verba a
que tinha direito. Trata-se, portanto, da recomposição de uma efetiva perda
patrimonial que ele já sofreu.
Para ser aceita a ideia de que os juros de mora legais possuem
a natureza de lucros cessantes, seria necessário pressupor que o credor
normalmente aplicaria, durante todo o período em atraso, a integralidade das
verbas não recebidas em algum investimento que lhe gerasse renda na mesma porcentagem
da taxa Selic. Considerando as inúmeras realidades das pessoas jurídicas
existentes, as quais podem se afigurar não só como sociedades empresárias
comuns, mas também como fundações, associações sem fins lucrativos, sociedades simples,
microempresas, empresas de pequeno porte, empresas individuais de
responsabilidade limitada etc., não parece razoável pressupor tal entendimento.
Correção monetária também é acréscimo patrimonial
O valor recebido a título de correção monetária está
sujeito à incidência de IRPJ ou CSLL. Isso porque a correção monetária não
representa acréscimo ao valor devido, mas mera recomposição inflacionária.
Tese fixada pelo STF:
É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL
sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de
indébito tributário.
STF.
Plenário. RE 1063187/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/9/2021
(Repercussão Geral – Tema 962) (Info 1031).
Com base nesse entendimento, o
Plenário, por unanimidade, ao julgar o Tema 962 da repercussão geral, negou
provimento ao recurso extraordinário para dar interpretação conforme à
Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88), ao art. 17 do
Decreto-Lei nº 1.598/1977 e ao art. 43, II e § 1º, do CTN, de modo a excluir do
âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda e da
CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito
tributário.
O STJ tinha posição em
sentido contrário
O STJ tinha decidido que incidem
IRPJ e CSLL sobre os juros decorrentes da mora na devolução de valores
determinada em ação de repetição do indébito tributário:
(...) 3. Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito
tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se
encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de
lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa a teor art. 17, do
Decreto-lei n. 1.598/77, em cuja redação se espelhou o art. 373, do Decreto n.
3.000/99 - RIR/99, assim como o art. 9º, §2º, do Decreto-Lei nº 1.381/74 e art.
161, IV do RIR/99, estes últimos explícitos quanto à tributação dos juros de
mora em relação às empresas individuais. (...)
STJ. 1ª Seção. REsp 1138695/SC, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, julgado em 22/05/2013 (Recurso Repetitivo – Tema 504).
Como o STF decidiu que essa
interpretação é inconstitucional, cabe à Corte a última palavra sobre o tema,
de sorte que o STJ terá que mudar de posição e se adequar ao novo entendimento.