quarta-feira, 3 de novembro de 2021
Em processo de execução, juiz pode determinar que o advogado do executado junte aos autos contrato de prestação de serviços advocatícios para que se verifique o real endereço do devedor?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Determinada empresa ingressou com
execução contra João.
O executado não foi encontrado,
razão pela qual se determinou a sua citação por edital.
João compareceu, então, espontaneamente
nos autos com advogado constituído (Dr. Luiz).
Vale ressaltar que na petição foi
explicado que João não possui, atualmente, residência fixa, razão pela qual o endereço
indicado nos autos, para fins processuais, foi apenas o do escritório de advocacia
que faz a defesa do executado.
Não foram encontrados valores
depositados em contas bancárias em nome do executado nem bens registrados em
seu nome.
Por esse motivo, o juiz determinou
que Dr. Luiz, advogado do devedor, juntasse aos autos a cópia do contrato de
prestação de serviços advocatícios que firmou com João a fim de que se
verificasse o real endereço de João. O objetivo seria expedir mandado de
penhora de bens nesse endereço.
Diante desse cenário, Dr. Luiz,
em nome próprio, impetrou mandado de segurança contra a determinação do magistrado
alegando que a ordem judicial viola ao direito à inviolabilidade e sigilo
profissional da advocacia.
O Tribunal de Justiça não
conheceu do mandado de segurança afirmando que caberia agravo de instrumento no
presente caso.
Inconformado, o impetrante interpôs recurso ordinário ao STJ
(art. 105, II, “b”, da CF/88):
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal
de Justiça:
(...)
II - julgar, em recurso ordinário:
a) os habeas corpus decididos em única
ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;
b) os mandados de segurança decididos
em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;
(...)
O STJ acolheu o pedido do recorrente/impetrante?
SIM. A 4ª Turma do STJ deu
provimento ao recurso ordinário para deferir a segurança e cassar a decisão do
juízo da 4ª vara cível que havia determinado que o advogado apresentasse cópia
do contrato de prestação de serviços advocatícios firmado com seu cliente.
Advocacia como função
essencial à administração da Justiça e sigilo profissional
A advocacia é função essencial à administração da Justiça,
reconhecida como tal no caput do art. 133 da CF/88:
Art. 133. O advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei.
Além disso, a Constituição Federal assegura a garantia do
sigilo profissional em seu art. 5º, XIV, da CF/88:
Art. 5º (...)
XIV - é assegurado a todos o acesso à
informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional;
O art. 7º, II, da Lei nº 8.906/94
(Estatuto da Advocacia), determina a inviolabilidade do escritório ou local de
trabalho, bem como dos arquivos, dados, correspondências e comunicações, salvo
hipótese de busca ou apreensão.
Vale ressaltar que, mesmo se determinada por ordem judicial,
a interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XI, da CF/88, não pode, pelo
menos em regra, violar direito à confidencialidade da comunicação entre
advogado e cliente. Confira a redação legal:
Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
II – a inviolabilidade de seu
escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de
sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que
relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767/2008)
(...)
§ 6º Presentes indícios de autoria e
materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade
judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata
o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de
busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de
representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos
documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado
averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham
informações sobre clientes. (Incluído pela Lei nº 11.767/2008)
§ 7º A ressalva constante do § 6º deste
artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente
investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que
deu causa à quebra da inviolabilidade. (Incluído pela Lei nº 11.767/2008)
Como se vê pela redação do
Estatuto da OAB, com redação dada pela Lei nº 11.767/2008, para que seja
removida a prerrogativa é necessário o preenchimento de certos requisitos:
a) indícios de autoria e
materialidade de crime praticado pelo próprio advogado;
b) decretação da quebra da
inviolabilidade por autoridade judiciária competente;
c) decisão fundamentada de busca
e apreensão que especifique o objeto da medida.
Sigilo profissional também
é protegido em outras leis
Vale ressaltar que o sigilo
profissional recebe amparo também no Código Penal (art. 154) e no Código de
Processo Penal (art. 207), de forma que, em qualquer investigação que viole o
sigilo entre o advogado e o cliente, viola-se não somente a intimidade dos
profissionais envolvidos, mas o próprio direito de defesa e, em última análise,
a democracia.
Sigilo profissional não é
absoluto
É conveniente lembrar que, como
qualquer outro direito ou garantia fundamental, a inviolabilidade e o sigilo
profissional no âmbito do exercício da advocacia não são absolutos, havendo julgados
nos quais são explicitadas hipóteses em que é possível flexibilizar seu
alcance, a partir de uma ponderação de valores.
Não se mostra possível
afastar o sigilo para se permitir a expedição de mandado de penhora
No caso, a determinação para
apresentação do contrato de serviços advocatícios com a finalidade de
localização do executado/cliente para expedição de mandado de penhora não
configura justa causa para a suspensão das garantias constitucionalmente
previstas.
Assim, o contrato de prestação de
serviços advocatícios, instrumento essencialmente produzido e referente à
relação advogado/cliente, está sob a guarda do sigilo profissional, assim como
se comunica a inviolabilidade da atividade advocatícia.
Em suma:
Decisão judicial que determina a
apresentação do contrato de serviços advocatícios, com a finalidade de
verificação do endereço do cliente/executado, fere o direito à inviolabilidade
e sigilo profissional da advocacia.
STJ. 4ª Turma. RMS 67.105-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 21/09/2021 (Info 710).