quarta-feira, 10 de novembro de 2021
Agente pretendia praticar roubo e foi surpreendido após romper o cadeado e destruir a fechadura da porta da casa da vítima. É possível falar em tentativa de roubo?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João e Pedro caminhavam nas ruas
de um bairro e decidiram praticar assalto em uma das casas.
Eles arrombaram o cadeado e
destruíram a fechadura da porta da casa, no entanto, quando iam adentrar na
residência, passou uma viatura da Polícia Militar.
Os indivíduos correram quando
perceberam a presença das autoridades de segurança.
Os policiais perseguiram a dupla,
conseguindo prendê-los.
Com eles, foi encontrada uma arma
de fogo de uso permitido. Vale ressaltar, contudo, que não possuíam porte de
arma.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra os dois imputando-lhe
a prática do crime de roubo circunstanciado na modalidade tentada (art. 157, §
2º-A, I e II, c/c art. 14, II, do CP):
Art. 157 (...)
§ 2º-A
A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I - se a violência ou ameaça é
exercida com emprego de arma de fogo;
II - se há destruição ou rompimento de
obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo
comum.
Art. 14. Diz-se o crime:
(...)
II - tentado, quando, iniciada a
execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
A questão chegou até o STJ
por força de sucessivos recursos. O STJ concordou com a imputação feita pelo Ministério
Público?
NÃO.
Segundo o art. 14, II, do Código
Penal, o crime é considerado tentado quando, iniciada a execução, não se
consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
O texto legal é muito aberto, não
trazendo maior clareza ou precisão a respeito de algo que concretamente possa
indicar quando a execução de um crime é iniciada. Em verdade, definir isso não
é uma tarefa simples, sendo objeto de debates também em outros países.
Diante da abertura legislativa, a
solução para o tema é bastante complexa.
Existem algumas teorias que
buscam definir em que momento se dá a passagem dos atos preparatórios para os
atos executórios.
Veja como o tema é tratado por
Jamil Chaim Alves (Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 370-371):
a) Teoria subjetiva
Leva em consideração a vontade
criminosa, o plano interno do autor. Logo, não há distinção entre atos
preparatórios e atos executórias. Uma vez detectada a vontade de praticar a
infração, é possível a punição.
b) Teoria da hostilidade ao
bem jurídico
Atos executórios são aqueles que
atacam o bem jurídico, retirando-o do “estado de paz”.
Era defendida por Nelson Hungria.
c) Teoria objetivo-formal
ou lógico-formal
Atos executórios são aqueles que
iniciam a realização do núcleo do tipo penal (denomina-se “formal” porque
parâmetro é a lei, ou seja, a prática do verbo nuclear descrito no tipo).
Era defendida por Frederico
Marques.
d) Teoria objetivo-material
Atos executórias são aqueles que
iniciam a realização do núcleo do tipo penal e também os imediatamente
anteriores, de acordo com a visão de um terceiro observador.
e) Teoria
objetivo-individual
A tentativa começa com a
atividade do autor que, segundo o seu plano concretamente delitivo, se aproxima
da realização.
A origem dessa teoria remonta a
Hans Welzel.
Qual é a teoria adotada
pelo STJ?
O STJ tem a tendência de seguir a
corrente objetivo-formal, exigindo início de prática do verbo correspondente ao
núcleo do tipo penal para a configuração da tentativa.
Aplicando essa teoria para o caso
concreto, conclui-se que o rompimento de cadeado e a destruição de fechadura de
portas da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo,
efetuar subtração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios
que impedem a condenação por tentativa de roubo circunstanciado.
Em suma:
Adotando-se a teoria objetivo-formal, o rompimento de
cadeado e destruição de fechadura da porta da casa da vítima, com o intuito de,
mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da residência,
configuram meros atos preparatórios que impedem a condenação por tentativa de
roubo circunstanciado.
STJ. 5ª Turma. AREsp 974.254-TO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
21/09/2021 (Info 711).
DOD Plus – revisando um tema correlato
Em que momento se consuma o crime de roubo?
Existem quatro teorias sobre o tema:
1ª) Contrectacio: segundo esta teoria, a consumação se dá pelo simples
contato entre o agente e a coisa alheia. Se tocou, já consumou.
2ª) Apprehensio (amotio): a consumação ocorre no momento em que a coisa
subtraída passa para o poder do agente, ainda que por breve espaço de tempo,
mesmo que o sujeito seja logo perseguido pela polícia ou pela vítima. Quando se
diz que a coisa passou para o poder do agente, isso significa que houve a
inversão da posse. Por isso, ela é também conhecida como teoria da inversão da
posse. Vale ressaltar que, para esta corrente, o crime se consuma mesmo que o
agente não fique com a posse mansa e pacífica. A coisa é retirada da esfera de
disponibilidade da vítima (inversão da posse), mas não é necessário que saia da
esfera de vigilância da vítima (não se exige que o agente tenha posse
desvigiada do bem).
3ª) Ablatio: a consumação ocorre quando a coisa, além de apreendida, é
transportada de um lugar para outro.
4ª) Ilatio: a consumação só ocorre quando a coisa é levada ao local
desejado pelo ladrão para tê-la a salvo.
Qual foi a teoria adotada pelo STF e STJ?
A teoria da APPREHENSIO (AMOTIO).
Nos países cujos Códigos Penais utilizam expressões como “subtrair” ou
“tomar” para caracterizar o furto e o roubo (Alemanha e Espanha, por exemplo),
predomina, na doutrina e na jurisprudência, a utilização da teoria da
apprehensio (ou amotio). Foi a corrente também adotada no Brasil.
Súmula 582-STJ:
Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de
violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição
imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse
mansa e pacífica ou desvigiada.
Exemplo concreto:
João apontou a arma de fogo para a vítima e disse: “perdeu, passa a
bolsa”. A vítima entregou seus pertences e o assaltante subiu em cima de uma
moto e fugiu. Duas ruas depois, João foi parado em uma blitz da polícia e, como
não conseguiu explicar o motivo de estar com uma bolsa feminina e uma arma de
fogo, acabou confessando a prática do delito. Assim, por ter havido a inversão,
ainda que breve, da posse do bem subtraído, o fato em tela configura roubo
consumado.
Este é também o entendimento do STF:
Para a consumação do crime de roubo, basta a inversão da posse da coisa
subtraída, sendo desnecessária que ela se dê de forma mansa e pacífica, como
argumenta a impetrante.
STF. 2ª Turma. HC
100.189/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe
16/4/2010.