Imagine a seguinte situação adaptada:
O acusado, fingindo que estava
portando uma arma de fogo, obrigou a vítima a retirar a sua própria blusa,
ocasião em que passou a tocar nos seios da mulher. Além disso, ele obrigou a
vítima a masturbá-lo.
Vale ressaltar que, na realidade,
o acusado não estava, de fato, portando uma arma de fogo.
A
todo instante, o indivíduo afirmava que, se a vítima não atendesse as suas
ordens, ele iria atirar contra ela.
O juiz condenou o réu por estupro (art. 213 do CP), mas o
Tribunal de Justiça, atendendo pedido da defesa, desclassificou a conduta para
o crime de importunação sexual, prevista no art. 215-A do CP:
Importunação sexual
Art. 215-A. Praticar contra alguém e
sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria
lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco)
anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Relembre também a redação do tipo legal do estupro:
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10
(dez) anos.
Qual é a diferença entre os
crimes de estupro e de importunação sexual?
A existência de violência ou
grave ameaça.
·
Estupro: a vítima é constrangida mediante o emprego de violência ou grave
ameaça.
·
Importunação sexual: não há o emprego de violência ou grave ameaça.
Qual foi o raciocínio do TJ?
Para o Tribunal de Justiça, não
seria possível falar em estupro porque a grave ameaça feita (atirar contra a
vítima) nunca poderia ser efetivada já que o réu não estava realmente armado.
Logo, não teria havido grave ameaça.
Desse modo, o Tribunal de origem
desclassificou o crime de estupro para o de importunação sexual, por entender
que não houve emprego de violência ou de grave ameaça à pessoa, mas sim
violência imprópria, mediante simulação de porte de arma de fogo.
Agiu corretamente o TJ?
NÃO.
A simulação de arma de fogo pode
sim configurar a “grave ameaça”. Isso porque a “grave ameaça” deve ser
analisada com base no sentimento unilateral que é provocado no espírito da vítima
subjugada.
A existência de grave ameaça não
depende do risco objetivo e concreto a que a vítima foi efetivamente submetida.
Nesse sentido:
É pacífico o entendimento deste Tribunal de que a simulação do
emprego de arma de fogo configura grave ameaça, elementar do crime de roubo.
STJ. 5ª Turma. HC
229.221/SP, Rel. Min. Gurgel De Faria, julgado em 23/06/2015.
Ameaça nada mais é que a intimidação de outrem, que, na hipótese
de crime de roubo, pode ser feita com emprego de arma, com a sua simulação, ou
até mesmo de forma velada.
STJ. 6ª Turma. REsp 1294312/SE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 25/10/2016.
A vítima, no momento em que
ocorria a prática do crime, não sabia que se tratava de simulacro de arma de
fogo e, portanto, sob o seu ponto de vista, sentiu-se gravemente ameaçada. É o
suficiente para configurar a elementar “grave ameaça”.
Em suma:
A simulação de arma de fogo pode
sim configurar a “grave ameaça”, para os fins do tipo do art. 213 do Código
Penal.
STJ.
6ª Turma. REsp 1.916.611-RJ, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado
do TRF 1ª Região), julgado em 21/09/2021 (Info 711).