Dizer o Direito

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

A simulação de arma de fogo pode configurar a “grave ameaça” exigida para configurar o estupro (art. 213 do Código Penal)?

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

O acusado, fingindo que estava portando uma arma de fogo, obrigou a vítima a retirar a sua própria blusa, ocasião em que passou a tocar nos seios da mulher. Além disso, ele obrigou a vítima a masturbá-lo.

Vale ressaltar que, na realidade, o acusado não estava, de fato, portando uma arma de fogo.

A todo instante, o indivíduo afirmava que, se a vítima não atendesse as suas ordens, ele iria atirar contra ela.

O juiz condenou o réu por estupro (art. 213 do CP), mas o Tribunal de Justiça, atendendo pedido da defesa, desclassificou a conduta para o crime de importunação sexual, prevista no art. 215-A do CP:

Importunação sexual

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.

 

Relembre também a redação do tipo legal do estupro:

Estupro

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

 

Qual é a diferença entre os crimes de estupro e de importunação sexual?

A existência de violência ou grave ameaça.

· Estupro: a vítima é constrangida mediante o emprego de violência ou grave ameaça.

· Importunação sexual: não há o emprego de violência ou grave ameaça.

 

Qual foi o raciocínio do TJ?

Para o Tribunal de Justiça, não seria possível falar em estupro porque a grave ameaça feita (atirar contra a vítima) nunca poderia ser efetivada já que o réu não estava realmente armado. Logo, não teria havido grave ameaça.

Desse modo, o Tribunal de origem desclassificou o crime de estupro para o de importunação sexual, por entender que não houve emprego de violência ou de grave ameaça à pessoa, mas sim violência imprópria, mediante simulação de porte de arma de fogo.

 

Agiu corretamente o TJ?

NÃO.

A simulação de arma de fogo pode sim configurar a “grave ameaça”. Isso porque a “grave ameaça” deve ser analisada com base no sentimento unilateral que é provocado no espírito da vítima subjugada.

A existência de grave ameaça não depende do risco objetivo e concreto a que a vítima foi efetivamente submetida. Nesse sentido:

É pacífico o entendimento deste Tribunal de que a simulação do emprego de arma de fogo configura grave ameaça, elementar do crime de roubo.

STJ. 5ª Turma. HC 229.221/SP, Rel. Min. Gurgel De Faria, julgado em 23/06/2015.

 

Ameaça nada mais é que a intimidação de outrem, que, na hipótese de crime de roubo, pode ser feita com emprego de arma, com a sua simulação, ou até mesmo de forma velada.

STJ. 6ª Turma. REsp 1294312/SE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 25/10/2016.

 

A vítima, no momento em que ocorria a prática do crime, não sabia que se tratava de simulacro de arma de fogo e, portanto, sob o seu ponto de vista, sentiu-se gravemente ameaçada. É o suficiente para configurar a elementar “grave ameaça”.

 

Em suma:

A simulação de arma de fogo pode sim configurar a “grave ameaça”, para os fins do tipo do art. 213 do Código Penal.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.916.611-RJ, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), julgado em 21/09/2021 (Info 711).



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