Imagine
a seguinte situação hipotética:
Existia
um grupo de WhatsApp integrado por membros da diretoria, sócios e funcionários
de determinado clube de futebol. Neste grupo eram discutidos diversos assuntos relacionados
com a agremiação esportiva.
Pietro,
Vice-Presidente do clube, fazia parte do grupo e, assim como outros
integrantes, tecia constantemente duras críticas contra o Presidente da
agremiação.
Em
dado momento, Bernardo deixou o grupo e divulgou, sem o consentimento dos demais,
nas redes sociais e na imprensa, prints (capturas de tela) das conversas que
ficaram gravadas em seu celular, na qual foram realizadas críticas à gestão do
time.
Pietro
ajuizou, então, ação de indenização por danos morais contra Bernardo pelo fato de
ele ter divulgado essas conversas, que seriam privadas.
O
autor narrou que a disseminação das mensagens lhe causou dano moral uma vez que
sua imagem e sua honra foram abaladas e que, diante da repercussão, ele teve
inclusive que deixar o cargo que ocupava na diretoria do clube.
O
juiz julgou o pedido procedente, condenando o réu a pagar R$ 5 mil a título de
indenização por danos morais.
O
Tribunal de Justiça manteve a sentença.
Bernardo
interpôs recurso especial.
O
que decidiu o STJ? A condenação foi mantida? É possível que uma pessoa seja
condenada a pagar indenização por danos morais caso divulgue mensagens trocadas
via WhatsApp?
SIM.
Sigilo
das conversas realizadas via WhatsApp
A
Constituição Federal assegura a inviolabilidade das comunicações de dados e das
comunicações telefônicas (art. 5º, XII).
O
sigilo das comunicações é corolário (consequência) da liberdade de expressão e,
em última análise, tem por objetivo resguardar o direito à intimidade e à
privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/88) e
infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC).
No
passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo
tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto,
desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e de
ferramentas como o WhatsApp, que permite a comunicação instantânea entre
pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo.
Nesse cenário, pode-se afirmar, sem dúvidas,
que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, mas também aquelas feitas
por meio do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Nesse
sentido, o STJ recentemente decidiu que “os dados armazenados nos aparelhos
celulares – envio e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos
de troca de mensagens, fotografias etc. –, por dizerem respeito à intimidade e
à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos em que previsto no
inciso X do art. 5º da Constituição Federal” (HC 609.221/RJ, Sexta Turma, DJe 22/06/2021).
Como forma de proteger a privacidade dos
usuários, as mensagens enviadas via WhasApp são protegidas pelo sigilo. Como
consequência, é possível afirmar que terceiros somente podem ter acesso às
conversas de WhatsApp se houver consentimento dos participantes ou autorização
judicial.
Ilicitude da divulgação pública de
mensagens privadas
As mensagens eletrônicas estão protegidas
pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos
interlocutores.
Dessa forma, ao enviar mensagem a determinado
ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de
que ela não será lida por terceiros e muito menos que serão divulgadas ao
público, seja por meio de rede social ou da mídia.
Essa expectativa advém não só do fato de ter
o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria
encriptação a que estão sujeitas as conversas (criptografia ponta-a-ponta).
Assim, se o indivíduo divulga ao público uma conversa
privada, além de estar quebrando o dever de confidencialidade, está também violando
legítima expectativa, a privacidade e a intimidade do emissor. Justamente por
isso, esse indivíduo pode ser responsabilizado por essa divulgação caso se
configure o dano.
A
ilicitude da divulgação pode ser afastada se houver peculiaridades no caso
concreto
Na
situação concreta acima narrada, a divulgação pública de mensagens privadas por
Bernardo não teve por objetivo a defesa de direito próprio, mas sim a exposição
das opiniões manifestadas por Pietro.
As
mensagens enviadas pelo WhatsApp eram sigilosas e tinha caráter privado. Ao divulgá-las,
portanto, o réu violou a privacidade do autor e quebrou a legítima expectativa
de que as críticas e opiniões manifestadas no grupo ficariam restritas aos seus
membros.
Em
suma:
A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.903.273-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/08/2021 (Info 706).