domingo, 17 de outubro de 2021
Lei estadual pode prever que, em caso de dupla vacância para os cargos de Governador e Vice nos dois últimos anos do mandato, a ALE realizará eleição indireta, de forma aberta?
O caso concreto foi o
seguinte:
No Estado da Bahia, foi editada a
Lei nº 6.571/94, disciplinando o que deverá acontecer se houver a vacância dos
cargos de Governador e Vice-Governador nos dois últimos anos do mandato.
Segundo a referida Lei estadual,
se o Governador e o Vice-Governador da Bahia deixarem os cargos durante os dois
últimos anos do mandato, a Assembleia Legislativa deverá realizar uma eleição
indireta, ou seja, na qual apenas os Deputados Estaduais irão votar, de forma
aberta, ou seja, o voto não é secreto.
Cada Deputado poderá inscrever
uma chapa formada por candidatos que sejam brasileiros com mais de 30 anos de
idade.
Veja abaixo a redação da Lei:
Art. 1º Ocorrendo a vacância dos cargos
de Governador do Estado e Vice-Governador, nos dois últimos anos de mandato, a eleição
para preenchimento dos cargos será feita pelo sufrágio dos deputados
integrantes da Assembleia Legislativa, em sessão pública e através votação
nominal e aberta.
Art. 2º Cada deputado poderá inscrever,
perante a Mesa da Assembleia, uma chapa composta por brasileiros maiores de 30
anos, até 48 horas antes da data da realização da eleição, sendo considerados
eleitos os candidatos cuja chapa obtiver a maioria dos votos dos deputados.
Art. 3º A eleição deverá ocorrer 30
dias depois da última vaga, em sessão extraordinária, marcada para tal fim.
Art. 4º A Mesa da Assembleia poderá
expedir normas que facilitem a aplicação desta Lei, que entra em vigor na data
da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
ADI
Alguns partidos políticos
propuseram uma ADI contra essa lei.
Os autores argumentaram que a lei
teria dois vícios: um formal e um material.
O vício formal seria pelo fato de
que essa matéria teria cunho eminentemente eleitoral, sendo, portanto, assunto
de competência privativa da União (art. 22, I, da CF/88).
O vício material estaria no fato
de que a lei prevê a votação nominal e aberta, o que violaria o art. 14 e o
art. 60, § 4º, II, da CF/88, que falam em voto secreto.
O que o STF decidiu? Essa
Lei estadual é inconstitucional?
NÃO.
O art. 81 da CF/88 não é dispositivo
de reprodução obrigatória por Estados/DF e Municípios
A CF/88 não trata expressamente
sobre a vacância dos cargos de Govenador e Vice-Governador.
Por outro lado, o texto constitucional disciplina a vacância
dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República nos seguintes termos:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente
e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta
a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos
dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita
trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
(...)
O STF decidiu que:
Os Estados-membros não estão
sujeitos ao modelo previsto no art. 81 da CF/88, cuja reprodução não é
obrigatória. Em outras palavras, as Constituições e leis estaduais, quando
tratarem sobre a vacância dos cargos de Governador e Vice-Governador não
precisam, obrigatoriamente, copiar o mesmo modelo do art. 81 da CF/88, podendo dispor
normativamente de forma diversa, com fundamento em sua autonomia.
Desse modo, no caso de dupla vacância, faculta-se aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios a definição legislativa do procedimento que será adotado para a escolha do mandatário político.
Os Estados-membros, no exercício de suas autonomias,
podem adotar o modelo federal previsto no art. 81, § 1º, da Constituição, cuja
reprodução, contudo, não é obrigatória.
No caso de dupla vacância, faculta-se aos
estados-membros, ao Distrito Federal e aos municípios a definição legislativa
do procedimento de escolha do mandatário político.
STF.
Plenário. ADI 1057/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/8/2021 (Info
1025).
Não há invasão da
competência da União para legislar sobre direito eleitoral
A prerrogativa que os
Estados-membros, o DF e os Municípios possuem para tratar sobre esse assunto não
se confunde com a competência privativa da União para legislar sobre direito
eleitoral (art. 22, I, da CF/88), apesar da indiscutível natureza eleitoral do
procedimento de escolha do mandatário político, cujos procedimentos devem
observar, tanto quanto possível, os requisitos de elegibilidade e as causas de
inelegibilidade em relação aos candidatos, dentre outras regras previstas na
legislação eleitoral.
Essa lei trata, na verdade, sobre algo mais amplo, que é
a própria “organização dos poderes”.
Como vimos acima, a Constituição Federal foi silente
quanto ao processo de eleição indireta no âmbito estadual. A ausência de
regulamentação constitucional sobre o tema abre margem para que os
Estados-membros façam a auto normação, baseados em sua autonomia federativa.
A previsão da lei estadual
de votação nominal e aberta para a eleição indireta é compatível com a CF/88
A CF/88, de fato, prevê no art. 14 e no art. 60, § 4º,
II, a cláusula do voto secreto. Isso, contudo, tem por finalidade garantir ao cidadão eleitor o livre direito de escolha de seus representantes
políticos, protegendo-o de influências ou pressões de natureza econômica e
social.
Trata-se de uma garantia inafastável do cidadão, tanto
que foi prevista como cláusula pétrea.
Essa presunção de garantia, contudo, se inverte no caso
de votações promovidas no âmbito dos órgãos legislativos.
No caso de votações ocorridas no âmbito do Parlamento, o dever de transparência se sobrepõe ao sigilo do ato deliberativo. A
publicidade é a regra, sendo colocada como direito e ferramenta de controle
social do Poder Público.
· Na eleição direta, o voto secreto é uma garantia do
cidadão.
· Na eleição indireta, o voto aberto é que representa a garantia do cidadão.
Tal entendimento fundamentou, inclusive, a edição da EC
76/2013, que aboliu a votação secreta nos casos de perda de mandato de Deputado
ou Senador e de apreciação de veto.
No mais, as condições de elegibilidade e inelegibilidade
previstas no art. 14 da Constituição Federal são de observância cogente, a fim
de se resguardar a lisura do procedimento de escolha, evitando-se o ingresso de
candidatos sem observância das condições de exercício do jus honorum, em
nítida fraude ao sistema de proteção fixado na Lei Fundamental.
Em suma:
No caso de realização de eleição indireta, a previsão normativa estadual de votação nominal e aberta é compatível com a Constituição Federal.
STF. Plenário. ADI 1057/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/8/2021 (Info 1025).