INCIDE IMPOSTO DE RENDA SOBRE LUCROS CESSANTES
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João sofreu um acidente causado
pela empresa “XX”, tendo ficado com sequelas que diminuíram sua capacidade de
trabalho.
O lesado ajuizou ação de
indenização por danos morais e materiais.
O juiz condenou a empresa a
pagar:
1) Quanto aos DANOS MORAIS: indenização
no valor de R$ 50 mil.
2) Quanto aos DANOS MATERIAIS:
2.1) R$ 10 mil de danos
emergentes (despesas médicas com tratamentos, cirurgia etc); e
2.2) R$ 200 mil a título de pensionamento pelo fato de João
ter ficado com sua capacidade laborativa reduzida em razão do dano físico
causado pelo acidente (art. 950, parágrafo único, do CC):
Art. 950. Se da ofensa resultar
defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se
lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do
tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão
correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se
preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
João terá que pagar imposto de renda
sobre o valor recebido?
1) Quanto aos DANOS MORAIS: NÃO. Não
incide imposto de renda.
Súmula 498-STJ: Não incide Imposto de Renda sobre a indenização
por danos morais.
O fato gerador do IR é a
aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo
patrimonial (art. 43 do CTN). O STJ entende que as verbas recebidas a título de
indenização por danos morais não representam acréscimo patrimonial.
2) Quanto aos DANOS MATERIAIS:
A partir da leitura do art. 402
do Código Civil, podemos identificar que a indenização por danos materiais
(chamada de perdas e danos) engloba:
a) o montante que o indivíduo
perdeu: danos emergentes;
b) aquilo que deixou de lucrar: lucros cessantes.
Art. 402. Salvo as exceções
expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu (danos emergentes), o que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes).
2.1) Sobre os R$ 10 mil (DANOS
EMERGENTES): NÃO incide imposto de renda.
O STJ considera que os valores
pagos com despesas médicas, tratamentos, cirurgia etc, caracterizam-se como
danos emergentes. Logo, sobre eles não incide Imposto de Renda, já que o lesado,
ao receber essa quantia, não teve acréscimo patrimonial. Ele apenas foi
ressarcido, ou seja, recebeu de volta aquilo que pagou para cuidar de sua
saúde.
2.2) Sobre os R$ 200 mil
(LUCROS CESSANTES): INCIDE imposto de renda.
Os lucros cessantes representam
aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar em razão de o devedor ter
deixado de cumprir a sua obrigação.
Havia uma
probabilidade objetiva de que o resultado esperado aconteceria, se não tivesse
ocorrido o ato ilícito. Dito o contrário: não fosse o ato ilícito praticado
pelo devedor, o credor teria obtido o resultado esperado.
Assim, a indenização é pelo
lucro certo que o credor deixou de obter.
Os valores recebidos pelo
lesado a título de pensionamento por ter ficado com a capacidade laborativa
reduzida (art. 950, parágrafo único, do CC) devem ser considerados como lucros
cessantes.
A verba de que trata o art. 950
do CC consiste em uma indenização pelo fato de a pessoa ter ficado com menores
condições de trabalhar, o que fará com que tenha, em tese, menores
oportunidades de lucrar. O indivíduo é indenizado porque houve uma diminuição
de sua capacidade de obter ganhos (lucros).
Segundo a jurisprudência do
STJ, as quantias recebidas a título de lucros cessantes estão sujeitas ao
pagamento de imposto de renda, já que constituem verdadeiro
acréscimo patrimonial.
Ainda não entendi por que os
danos emergentes não estão sujeitos ao IR e os lucros cessantes sim...
O critério é analisar se houve
acréscimo patrimonial.
No caso dos danos emergentes, o
indivíduo não recebe nada além do que já possuía e teve que gastar por causa da
lesão sofrida. Como ele apenas recebeu de volta o que gastou, não houve
acréscimo patrimonial, de forma que não há que se falar em pagamento de imposto
de renda.
Nos lucros cessantes, o juiz diz
o seguinte: como você deixou de lucrar X, receberá esse valor em forma de
indenização. Perceba, portanto, que o indivíduo recebe uma quantia que não
fazia parte de seu patrimônio. Além disso, a indenização por lucros cessantes
substitui o valor que a pessoa iria lucrar caso não tivesse havido o acidente.
Ocorre que se não tivesse havido o acidente e a pessoa lucrasse aquele valor,
ela teria que pagar o imposto de renda. Logo, nada mais justo que, ao receber a
quantia substituta (lucros cessantes), continue tendo o dever de pagar o
imposto.
Veja outro exemplo, desta vez conferido pelo Min. Herman
Benjamin:
“(...)
pensemos na hipótese de um veículo colidir, culposamente, com um táxi,
danificando-o. O taxista pede a reparação do dano referente ao conserto do
automóvel (R$ 10.000,00) e mais R$ 5.000,00 a título de lucros cessantes, pelo
tempo que ficou sem possibilidade de trabalhar. Sobre o valor referente ao
conserto do automóvel não incidirá o Imposto de Renda, por se tratar de mera
recomposição do patrimônio. Contudo, o tributo incidirá sobre os valores
recebidos em razão dos lucros cessantes, já que constituem verdadeiro acréscimo
patrimonial.
Note-se que,
se o dano não tivesse ocorrido, o Imposto de Renda não incidiria sobre o valor
do automóvel de que o taxista já era proprietário (se o bem já existia, não há
que se falar em acréscimo patrimonial); mas seria devido o tributo sobre a
renda obtida pelo taxista em razão de seu trabalho diário (o que foi indenizado
a título de lucros cessantes).
(...)
Concluo,
assim, que para verificar-se a incidência de Imposto de Renda sobre determinada
verba indenizatória é fundamental perquirir a existência, ou não, de acréscimo
patrimonial. O simples fato de a verba poder ser classificada como “indenizatória”
não a retira do âmbito de incidência do Imposto.” (EREsp 695.499/RJ).
Cuidado
É comum ouvirmos que sobre verbas
indenizatórias não incide imposto de renda. Essa afirmação não é inteiramente
verdadeira. Os lucros cessantes possuem natureza de indenização. Apesar disso,
sobre eles incide Imposto de Renda. O que interessa para saber se incide ou não
o IR é a obtenção de riqueza nova, ou seja, a ocorrência de acréscimo
patrimonial. Nesse sentido:
(...) mesmo que caracterizada a natureza indenizatória do
quantum recebido, ainda assim incide Imposto de Renda, se der ensejo a
acréscimo patrimonial, como ocorre na hipótese de lucros cessantes. (...)
STJ. 1ª Seção. EREsp 695.499/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 09/05/2007.
INCIDE IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DE MORA?
O que são juros?
Os juros podem ser conceituados
como o rendimento do capital.
É o preço pago pelo fato de
alguém estar utilizando o capital (dinheiro) de outrem.
Os juros têm por finalidade
remunerar o credor por ficar um tempo sem seu capital e pelo risco que sofreu
de não o receber de volta.
Quanto
à sua finalidade, os juros podem ser de duas espécies:
Juros
compensatórios (remuneratórios) |
Juros moratórios |
São pagos pelo devedor como uma
forma de remunerar (ou compensar) o credor pelo fato de ele ter ficado
privado de seu capital por um determinado tempo. |
São pagos pelo devedor como
forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no cumprimento da
obrigação. Veja o art. 395 do CC. |
É como se fosse o preço pago
pelo “aluguel” do capital. |
É como se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento
culposo) na devolução do capital. São devidos pelo simples
atraso, ainda que não tenha havido prejuízo ao credor (art. 407 do CC). |
Ex: José precisa de dinheiro
emprestado e vai até um banco, que dele cobra um percentual de juros como
forma de remunerar a instituição financeira por esse serviço. |
Ex: José pactuou com o banco efetuar o pagamento do empréstimo no dia
10. Ocorre que o devedor somente conseguiu pagar a dívida no dia 20. Logo,
além dos juros remuneratórios, terá que pagar também os juros moratórios,
como forma de indenizar a instituição por conta deste atraso. |
Dependem de pedido expresso
para serem contemplados em sentença e, consequentemente, de condenação na
fase de conhecimento para serem executados. |
Não dependem de pedido
expresso, nem de condenação, porque são previstos em lei. |
Incide
imposto de renda sobre juros de mora?
Em regra, SIM.
Isso porque os juros de mora possuem natureza de lucros
cessantes e, como vimos acima, incide imposto de renda sobre lucros cessantes.
Regra
geral: os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a
incidência do Imposto de Renda.
STJ. 1ª
Seção. REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
25/08/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 878) (Info 706).
Essa regra possui, contudo, duas
exceções.
Exceção 1: não incide IR sobre juros de mora relacionados com o
pagamento em atraso de verbas alimentares
Juros de mora representam a
recomposição dos danos emergentes
Juros moratórios é uma expressão
que designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.
Os juros de mora devidos em razão do atraso no pagamento de
verbas alimentares estão fora do campo de incidência do imposto de renda. Isso
porque esses juros de mora têm por objetivo recompor, de modo estimado, os
gastos a mais que o credor precisa suportar em razão do atraso no pagamento da
verba de natureza alimentar a que tinha direito. Com o dinheiro, a pessoa iria
comprar alimentação, pagar despesas com moradia etc. Mesmo sem ter recebido o
dinheiro no momento correto, a pessoa teve que fazer esses pagamentos. Logo, os
juros de mora que ela irá receber agora devem ser considerados não como lucros
cessantes, mas sim como danos emergentes, parcela que não se amolda como
acréscimo patrimonial.
Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso
de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do
Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos
emergentes.
STJ. 1ª
Seção. REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
25/08/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 878) (Info 706).
Exemplo:
João foi demitido sem justa causa
da empresa onde trabalhava.
Ele ajuizou reclamação
trabalhista pedindo o pagamento de verbas que não foram quitadas.
O juiz julgou o pedido procedente
e condenou a empresa a pagar ao autor R$ 100 mil de verbas remuneratórias,
quantia acrescida de juros de mora e correção monetária.
Vamos supor, hipoteticamente, que
os juros de mora seriam equivalentes a R$ 10 mil.
João terá que pagar imposto de
renda sobre os R$ 100 mil (verbas remuneratórias)?
SIM.
João terá que pagar imposto de
renda sobre os R$ 10 mil (juros de mora)?
NÃO.
Para o STJ, os juros de mora
decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares escapam à regra geral
da incidência do imposto de renda.
O STF já havia decidido assim:
Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo
atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função.
STF. Plenário. RE 855091/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em
13/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 808) (Info 1009).
Exceção 2: não incide IR
sobre juros de mora se a verba principal é isenta ou fora do campo de
incidência do IR
João sofreu um acidente causado
pela empresa “XX”, que lhe causou grande sofrimento.
O lesado ajuizou ação de
indenização por danos morais.
O juiz condenou a empresa a pagar
indenização no valor de R$ 50 mil.
João terá que pagar imposto de
renda sobre o valor da indenização (R$ 50 mil)?
Não. Isso porque não incide
Imposto de Renda sobre a indenização por danos morais (Súmula 498-STJ).
Suponhamos que a empresa pague,
com atraso, a indenização. Neste caso, além do valor principal (R$ 50 mil), a
empresa terá que pagar também os juros de mora. Considerando os dias de atraso,
imaginemos que os juros de mora sejam equivalentes a R$ 3 mil. João terá que
pagar imposto de renda sobre esses R$ 3 mil (juros de mora)?
Não. Isso porque não faz sentido
deixar de pagar imposto de renda sobre o principal e pagar sobre o acessório
(juros). O acessório deve seguir a sorte do principal.
Logo, não incide IR sobre os juros de mora decorrentes de
indenização por dano moral.
Escapam à regra geral de incidência do Imposto de
Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do
campo de incidência do IR.
STJ. 1ª
Seção. REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
25/08/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 878) (Info 706).