Dizer o Direito

domingo, 24 de outubro de 2021

Incide imposto de renda sobre juros de mora?

  

INCIDE IMPOSTO DE RENDA SOBRE LUCROS CESSANTES

Imagine a seguinte situação hipotética:

João sofreu um acidente causado pela empresa “XX”, tendo ficado com sequelas que diminuíram sua capacidade de trabalho.

O lesado ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais.

 

O juiz condenou a empresa a pagar:

1) Quanto aos DANOS MORAIS: indenização no valor de R$ 50 mil.

 

2) Quanto aos DANOS MATERIAIS:

2.1) R$ 10 mil de danos emergentes (despesas médicas com tratamentos, cirurgia etc); e

2.2) R$ 200 mil a título de pensionamento pelo fato de João ter ficado com sua capacidade laborativa reduzida em razão do dano físico causado pelo acidente (art. 950, parágrafo único, do CC):

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

 

João terá que pagar imposto de renda sobre o valor recebido?

1) Quanto aos DANOS MORAIS: NÃO. Não incide imposto de renda.

Súmula 498-STJ: Não incide Imposto de Renda sobre a indenização por danos morais.

 

O fato gerador do IR é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial (art. 43 do CTN). O STJ entende que as verbas recebidas a título de indenização por danos morais não representam acréscimo patrimonial.

 

2) Quanto aos DANOS MATERIAIS:

A partir da leitura do art. 402 do Código Civil, podemos identificar que a indenização por danos materiais (chamada de perdas e danos) engloba:

a) o montante que o indivíduo perdeu: danos emergentes;

b) aquilo que deixou de lucrar: lucros cessantes.

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu (danos emergentes), o que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes).

 

2.1) Sobre os R$ 10 mil (DANOS EMERGENTES): NÃO incide imposto de renda.

O STJ considera que os valores pagos com despesas médicas, tratamentos, cirurgia etc, caracterizam-se como danos emergentes. Logo, sobre eles não incide Imposto de Renda, já que o lesado, ao receber essa quantia, não teve acréscimo patrimonial. Ele apenas foi ressarcido, ou seja, recebeu de volta aquilo que pagou para cuidar de sua saúde.

 

2.2) Sobre os R$ 200 mil (LUCROS CESSANTES): INCIDE imposto de renda.

Os lucros cessantes representam aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar em razão de o devedor ter deixado de cumprir a sua obrigação.

Havia uma probabilidade objetiva de que o resultado esperado aconteceria, se não tivesse ocorrido o ato ilícito. Dito o contrário: não fosse o ato ilícito praticado pelo devedor, o credor teria obtido o resultado esperado.

Assim, a indenização é pelo lucro certo que o credor deixou de obter.

Os valores recebidos pelo lesado a título de pensionamento por ter ficado com a capacidade laborativa reduzida (art. 950, parágrafo único, do CC) devem ser considerados como lucros cessantes.

A verba de que trata o art. 950 do CC consiste em uma indenização pelo fato de a pessoa ter ficado com menores condições de trabalhar, o que fará com que tenha, em tese, menores oportunidades de lucrar. O indivíduo é indenizado porque houve uma diminuição de sua capacidade de obter ganhos (lucros).

Segundo a jurisprudência do STJ, as quantias recebidas a título de lucros cessantes estão sujeitas ao pagamento de imposto de renda, já que constituem verdadeiro acréscimo patrimonial.

 

Ainda não entendi por que os danos emergentes não estão sujeitos ao IR e os lucros cessantes sim...

O critério é analisar se houve acréscimo patrimonial.

No caso dos danos emergentes, o indivíduo não recebe nada além do que já possuía e teve que gastar por causa da lesão sofrida. Como ele apenas recebeu de volta o que gastou, não houve acréscimo patrimonial, de forma que não há que se falar em pagamento de imposto de renda.

Nos lucros cessantes, o juiz diz o seguinte: como você deixou de lucrar X, receberá esse valor em forma de indenização. Perceba, portanto, que o indivíduo recebe uma quantia que não fazia parte de seu patrimônio. Além disso, a indenização por lucros cessantes substitui o valor que a pessoa iria lucrar caso não tivesse havido o acidente. Ocorre que se não tivesse havido o acidente e a pessoa lucrasse aquele valor, ela teria que pagar o imposto de renda. Logo, nada mais justo que, ao receber a quantia substituta (lucros cessantes), continue tendo o dever de pagar o imposto.

Veja outro exemplo, desta vez conferido pelo Min. Herman Benjamin:

“(...) pensemos na hipótese de um veículo colidir, culposamente, com um táxi, danificando-o. O taxista pede a reparação do dano referente ao conserto do automóvel (R$ 10.000,00) e mais R$ 5.000,00 a título de lucros cessantes, pelo tempo que ficou sem possibilidade de trabalhar. Sobre o valor referente ao conserto do automóvel não incidirá o Imposto de Renda, por se tratar de mera recomposição do patrimônio. Contudo, o tributo incidirá sobre os valores recebidos em razão dos lucros cessantes, já que constituem verdadeiro acréscimo patrimonial.

Note-se que, se o dano não tivesse ocorrido, o Imposto de Renda não incidiria sobre o valor do automóvel de que o taxista já era proprietário (se o bem já existia, não há que se falar em acréscimo patrimonial); mas seria devido o tributo sobre a renda obtida pelo taxista em razão de seu trabalho diário (o que foi indenizado a título de lucros cessantes).

(...)

Concluo, assim, que para verificar-se a incidência de Imposto de Renda sobre determinada verba indenizatória é fundamental perquirir a existência, ou não, de acréscimo patrimonial. O simples fato de a verba poder ser classificada como “indenizatória” não a retira do âmbito de incidência do Imposto.” (EREsp 695.499/RJ).

 

Cuidado

É comum ouvirmos que sobre verbas indenizatórias não incide imposto de renda. Essa afirmação não é inteiramente verdadeira. Os lucros cessantes possuem natureza de indenização. Apesar disso, sobre eles incide Imposto de Renda. O que interessa para saber se incide ou não o IR é a obtenção de riqueza nova, ou seja, a ocorrência de acréscimo patrimonial. Nesse sentido:

(...) mesmo que caracterizada a natureza indenizatória do quantum recebido, ainda assim incide Imposto de Renda, se der ensejo a acréscimo patrimonial, como ocorre na hipótese de lucros cessantes. (...)

STJ. 1ª Seção. EREsp 695.499/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2007.

 

INCIDE IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DE MORA?

O que são juros?

Os juros podem ser conceituados como o rendimento do capital.

É o preço pago pelo fato de alguém estar utilizando o capital (dinheiro) de outrem.

Os juros têm por finalidade remunerar o credor por ficar um tempo sem seu capital e pelo risco que sofreu de não o receber de volta.

 

Quanto à sua finalidade, os juros podem ser de duas espécies:

Juros compensatórios (remuneratórios)

Juros moratórios

São pagos pelo devedor como uma forma de remunerar (ou compensar) o credor pelo fato de ele ter ficado privado de seu capital por um determinado tempo.

São pagos pelo devedor como forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no cumprimento da obrigação.

Veja o art. 395 do CC.

É como se fosse o preço pago pelo “aluguel” do capital.

É como se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento culposo) na devolução do capital.

São devidos pelo simples atraso, ainda que não tenha havido prejuízo ao credor (art. 407 do CC).

Ex: José precisa de dinheiro emprestado e vai até um banco, que dele cobra um percentual de juros como forma de remunerar a instituição financeira por esse serviço.

Ex: José pactuou com o banco efetuar o pagamento do empréstimo no dia 10. Ocorre que o devedor somente conseguiu pagar a dívida no dia 20. Logo, além dos juros remuneratórios, terá que pagar também os juros moratórios, como forma de indenizar a instituição por conta deste atraso.

Dependem de pedido expresso para serem contemplados em sentença e, consequentemente, de condenação na fase de conhecimento para serem executados.

Não dependem de pedido expresso, nem de condenação, porque são previstos em lei.

 

Incide imposto de renda sobre juros de mora?

Em regra, SIM.

Isso porque os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes e, como vimos acima, incide imposto de renda sobre lucros cessantes.

Regra geral: os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 878) (Info 706).

 

Essa regra possui, contudo, duas exceções.

 

Exceção 1: não incide IR sobre juros de mora relacionados com o pagamento em atraso de verbas alimentares

Juros de mora representam a recomposição dos danos emergentes

Juros moratórios é uma expressão que designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.

Os juros de mora devidos em razão do atraso no pagamento de verbas alimentares estão fora do campo de incidência do imposto de renda. Isso porque esses juros de mora têm por objetivo recompor, de modo estimado, os gastos a mais que o credor precisa suportar em razão do atraso no pagamento da verba de natureza alimentar a que tinha direito. Com o dinheiro, a pessoa iria comprar alimentação, pagar despesas com moradia etc. Mesmo sem ter recebido o dinheiro no momento correto, a pessoa teve que fazer esses pagamentos. Logo, os juros de mora que ela irá receber agora devem ser considerados não como lucros cessantes, mas sim como danos emergentes, parcela que não se amolda como acréscimo patrimonial.

Os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares a pessoas físicas escapam à regra geral da incidência do Imposto de Renda, posto que, excepcionalmente, configuram indenização por danos emergentes.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 878) (Info 706).

 

Exemplo:

João foi demitido sem justa causa da empresa onde trabalhava.

Ele ajuizou reclamação trabalhista pedindo o pagamento de verbas que não foram quitadas.

O juiz julgou o pedido procedente e condenou a empresa a pagar ao autor R$ 100 mil de verbas remuneratórias, quantia acrescida de juros de mora e correção monetária.

Vamos supor, hipoteticamente, que os juros de mora seriam equivalentes a R$ 10 mil.

 

João terá que pagar imposto de renda sobre os R$ 100 mil (verbas remuneratórias)?

SIM.

 

João terá que pagar imposto de renda sobre os R$ 10 mil (juros de mora)?

NÃO.

 

Para o STJ, os juros de mora decorrentes do pagamento em atraso de verbas alimentares escapam à regra geral da incidência do imposto de renda.

O STF já havia decidido assim:

Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função.

STF. Plenário. RE 855091/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 808) (Info 1009).

 

Exceção 2: não incide IR sobre juros de mora se a verba principal é isenta ou fora do campo de incidência do IR

João sofreu um acidente causado pela empresa “XX”, que lhe causou grande sofrimento.

O lesado ajuizou ação de indenização por danos morais.

O juiz condenou a empresa a pagar indenização no valor de R$ 50 mil.

João terá que pagar imposto de renda sobre o valor da indenização (R$ 50 mil)?

Não. Isso porque não incide Imposto de Renda sobre a indenização por danos morais (Súmula 498-STJ).

Suponhamos que a empresa pague, com atraso, a indenização. Neste caso, além do valor principal (R$ 50 mil), a empresa terá que pagar também os juros de mora. Considerando os dias de atraso, imaginemos que os juros de mora sejam equivalentes a R$ 3 mil. João terá que pagar imposto de renda sobre esses R$ 3 mil (juros de mora)?

Não. Isso porque não faz sentido deixar de pagar imposto de renda sobre o principal e pagar sobre o acessório (juros). O acessório deve seguir a sorte do principal.

Logo, não incide IR sobre os juros de mora decorrentes de indenização por dano moral.

Escapam à regra geral de incidência do Imposto de Renda sobre juros de mora aqueles cuja verba principal seja isenta ou fora do campo de incidência do IR.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.470.443-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 878) (Info 706).

Dizer o Direito!