quarta-feira, 20 de outubro de 2021
As constituições estaduais não podem instituir novas hipóteses de foro por prerrogativa de função além daquelas previstas na Constituição Federal
O que é foro por prerrogativa de
função?
Trata-se de uma prerrogativa
prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns
cargos ou funções somente serão processadas e julgadas criminalmente (não
engloba processos cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF).
Razão de existência
O foro por prerrogativa de função
existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem
cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um julgamento
imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos colegiados que
componham a cúpula do Poder Judiciário.
Onde estão previstas as regras
sobre o foro por prerrogativa de função?
Em regra, os casos de foro por
prerrogativa de função são previstos na Constituição Federal. Exs: art. 102, I,
“b” e “c”; art. 105, I, “a”.
As Constituições estaduais podem
prever casos de foro por prerrogativa de função desde que seja respeitado o
princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa que a
autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição
Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por
prerrogativa de função na Constituição Federal.
Essa autorização para que as Constituições Estaduais
prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função no TJ existe por força do
art. 125, § 1º, da CF/88:
Art. 125. Os Estados organizarão sua
Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será
definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de
iniciativa do Tribunal de Justiça.
Assim, à luz do disposto no art.
125, § 1º, da Constituição Federal, o constituinte estadual possui legitimidade
para fixar a competência do Tribunal de Justiça e, por conseguinte, estabelecer
a prerrogativa de foro às autoridades que desempenham funções similares na
esfera federal.
O poder dos Estados-membros de
definirem, em suas constituições, a competência dos tribunais de justiça está
limitado pelos princípios da Constituição Federal (arts. 25, § 1º, e 125, §
1º).
A autonomia dos estados para
dispor sobre autoridades submetidas a foro privilegiado não é ilimitada, não
pode ficar ao arbítrio político do constituinte estadual e deve seguir, por
simetria, o modelo federal.
A Constituição Estadual
pode conferir foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e
Procuradores do Estado?
NÃO. É inconstitucional
dispositivo de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de
função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado. Isso porque a
Constituição Federal não confere prerrogativa de função para Defensores
Públicos nem para Procuradores do Estado. Logo, a Constituição Estadual não
poderia ter estendido o foro por prerrogativa de função a essas autoridades.
Prerrogativa de função é
excepcional e deve ser interpretada restritivamente
As normas que estabelecem o foro
por prerrogativa de função são excepcionais e devem ser interpretadas
restritivamente, não cabendo ao legislador constituinte estadual estabelecer
foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas listadas na
Constituição Federal, a qual não cita Defensores Públicos nem Procuradores.
Em atenção ao princípio
republicano, ao princípio do juiz natural e ao princípio da igualdade, a regra
geral é que todos devem ser processados pelos mesmos órgãos jurisdicionais.
Apenas a fim de assegurar a independência e o livre exercício de alguns cargos,
admite-se a fixação do foro privilegiado.
No mesmo sentido:
A Constituição Federal estabelece, como regra, com base no
princípio do juiz natural e no princípio da igualdade, que todos devem ser
processados e julgados pelos mesmos órgãos jurisdicionais.
Em caráter excepcional, o texto constitucional estabelece o
chamado foro por prerrogativa de função com diferenciações em nível federal,
estadual e municipal.
Impossibilidade de a Constituição Estadual, de forma
discricionária, estender o chamado foro por prerrogativa de função àqueles que
não abarcados pelo legislador federal.
STF. Plenário. ADI 2553, Rel. Gilmar Mendes, Relator p/ Acórdão:
Alexandre de Moraes, julgado em 15/05/2019 (Info 940).
Procuradores da ALE e
Delegados de Polícia também não podem ter foro por prerrogativa de função
É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que
confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para
Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de
Polícia.
STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o
ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940).
É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que
confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para
Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de
Polícia.
A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro
para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode
permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por
prerrogativa de função.
STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o
ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940).
Em suma:
É
inconstitucional norma de constituição estadual que estende o foro por
prerrogativa de função a autoridades não contempladas pela Constituição Federal
de forma expressa ou por simetria.
STF. Plenário. ADI 6501/PA, ADI 6508/RO, ADI 6515/AM e ADI 6516/AL,
Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/8/2021 (Info 1026).