Imagine a seguinte situação
hipotética:
Mariana, 6 anos de idade, representada
por sua mãe Gabriela, ajuizou ação de alimentos contra Antônio, pai da criança.
Na ação, a autora pede que o réu seja
condenado a pagar alimentos no valor mensal de 40% do salário-mínimo.
O juiz julgou o pedido improcedente
argumentando que Antônio está preso – cumprindo pena pela prática de um crime –
e, portanto, não tem condições de trabalhar. Como ele não tem outra fonte de
renda, não é possível que seja condenado a pagar prestação alimentícia.
Agiu corretamente o
magistrado? O simples fato de o pai estar preso impede que ele seja condenado
ao pagamento de pensão alimentícia?
NÃO.
O dever dos genitores em assistir
materialmente seus filhos é previsto na CF/88 (arts. 227 e 229) e na legislação
infraconstitucional (art. 1.634 do Código Civil e art. 22 do ECA). Os alimentos
estão relacionados com o direito à vida digna, o que é protegido, inclusive,
por tratados internacionais.
O pai, mesmo estando preso, pode
trabalhar.
A legislação permite o desempenho de atividade remunerada na
prisão ou fora dela, a depender do regime prisional de cumprimento de pena. O
trabalho do condenado, seja ele interno ou externo, é, inclusive, incentivado
pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84):
Art. 28. O trabalho do condenado, como
dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e
produtiva.
Em razão da importância do trabalho para a ressocialização,
a LEP prevê, inclusive, que o condenado à pena privativa de liberdade é
obrigado a trabalhar. Veja:
Art. 31. O condenado à pena privativa
de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.
Parágrafo único. Para o preso
provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior
do estabelecimento.
Art. 39. Constituem deveres do
condenado:
(...)
V - execução do trabalho, das tarefas
e das ordens recebidas;
Se o preso trabalhar, ele
tem direito de receber remuneração por isso?
SIM. Confira o que diz o art. 29 da LEP:
Art. 29. O trabalho do preso será
remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três
quartos) do salário mínimo.
§ 1º O produto da remuneração pelo
trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados
pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros
meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das
despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e
sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
§
2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para
constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao
condenado quando posto em liberdade.
Esse dispositivo da LEP foi
recepcionado pela CF/88, conforme decidiu o STF:
O patamar mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto
no art. 29, caput, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP) não
representa violação aos princípios da dignidade humana e da isonomia, sendo
inaplicável à hipótese a garantia de salário-mínimo prevista no art. 7º, IV, da
Constituição Federal.
STF. Plenário. ADPF 336/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
27/2/2021 (Info 1007).
Desse modo, a prisão, por si só,
não é motivo suficiente para uma improcedência total do pedido de alimentos.
A impossibilidade da prestação de
alimentos não está configurada apenas pelo fato de o genitor se encontrar
preso, pois ele pode exercer atividade laborativa remunerada mesmo enquanto
estiver recolhido em sistema prisional em regime fechado.
Mesmo que de forma limitada o réu
pode exercer atividade remunerada e com isso cumprir com suas obrigações
alimentares. O que não pode é a alimentante deixar de ter seu direito
resguardado apenas pelo fato de seu genitor, neste momento, se encontrar preso.
Vale ressaltar que se o réu
estiver cumprindo pena em regime semiaberto, por exemplo, poderá trabalhar
normalmente durante o dia e ser recolhido à prisão apenas no horário noturno.
Ademais, mesmo preso, nada impede
que o réu possa ter bens (imóvel, automóveis etc.) e valores (conta bancária,
FGTS etc.), podendo contribuir para o sustento da filha.
Logo, a prisão, por si só, não
demonstra a incapacidade financeira do réu que impossibilite a fixação de
alimentos.
Em suma:
O fato de o devedor de alimentos estar recolhido à
prisão pela prática de crime não afasta a sua obrigação alimentar, tendo em
vista a possibilidade de desempenho de atividade remunerada na prisão ou fora
dela a depender do regime prisional do cumprimento da pena.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.882.798-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
10/08/2021 (Info 704).
Vale a pena, por fim, transcrever esse trecho do voto do
Min. Ricardo Villas Boas Cueva no qual ele afirma que o ônus de provar a
eventual capacidade econômica do genitor não é nem mesmo da autora:
“Ora, a mera
condição de presidiário não é um alvará para exonerar o devedor da obrigação
alimentar, especialmente em virtude da independência das instâncias cível e
criminal.
Indispensável
identificar se o preso possui bens, valores em conta bancária ou se é
beneficiário do auxílio-reclusão, benefício previdenciário previsto no art. 201
da Constituição Federal, destinado aos dependentes dos segurados de baixa renda
presos, direito regulamentado pela Lei nº 8.213/1991, o que pode ser aferido com
o encaminhamento de ofícios a cartórios, à unidade prisional e ao INSS.
Ademais,
incumbe ao Estado informar qual a condição carcerária do recorrido, a pena
fixada, o regime prisional a que se sujeita, se aufere renda com trabalho ou se
o utiliza para remição de pena, e, ainda, se percebe auxílio-reclusão, não
incumbindo à autora tal ônus probatório, por versarem informações oficiais.”