Olá amigos do Dizer o Direito,
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ÍNDICE DO INFORMATIVO 708 DO STJ
DIREITO PROCESSUAL
PENAL
FORO
POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
§ Compete aos tribunais de justiça estaduais processar e julgar os delitos comuns, não relacionados com o cargo, em tese praticados por Promotores de Justiça.
DECISÃO DO STF RESTRINGINDO O FORO POR PRERROGATIVA
DE FUNÇÃO
Em maio de 2018, o STF decidiu
restringir o foro por prerrogativa de função dos Deputados Federais e
Senadores.
O art. 53, § 1º e o art. 102, I, “b”,
da CF/88 preveem que, em caso de crimes comuns, os Deputados Federais e os
Senadores serão julgados pelo STF.
Ocorre que o Supremo conferiu uma
interpretação restritiva a esses dispositivos e afirmou o seguinte:
O foro por prerrogativa de função
aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e
relacionados às funções desempenhadas.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).
Em outras palavras, os Deputados
Federais e Senadores somente serão julgados pelo STF se:
· o crime
tiver sido praticado durante o exercício do mandato de parlamentar federal; e
· se
estiver relacionado com essa função.
O entendimento que restringe o foro por
prerrogativa de função vale para outras hipóteses de foro privilegiado ou
apenas para os Deputados Federais e Senadores?
Vale para outros casos de foro por
prerrogativa de função. Foi o que decidiu o próprio STF no julgamento do Inq
4703 QO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12/06/2018, no qual afirmou que o
entendimento vale também para Ministros de Estado.
O STJ também decidiu que a restrição do
foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas
estaduais. Explico.
O art.
105, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STJ julgar os crimes praticados por
Governadores de Estado e por Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal
de Justiça:
I - processar e julgar,
originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos
Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os
desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da
União que oficiem perante tribunais;
A Corte Especial do STJ, seguindo o
mesmo raciocínio do STF, limitou a amplitude do art. 105, I, “a”, da CF/88 e
decidiu que:
O foro por prerrogativa de função no
caso de Governadores e Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deve
ficar restrito aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão
deste.
Assim, o STJ é competente para julgar
os crimes praticados pelos Governadores e pelos Conselheiros de Tribunais de
Contas somente se estes delitos tiverem sido praticados durante o exercício do
cargo e em razão deste.
STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel.
para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/06/2018.
STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018.
O STJ disse o seguinte:
• O STF, ao analisar o art. 102, I, da
CF/88 decidiu restringir o foro por prerrogativa de função para Deputados
Federais e Senadores. Em seguida, restringiu também para Ministros de Estado. A
partir dessa restrição, tais autoridades somente poderão ter foro no STF em
caso de crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções
desempenhadas.
• Diante dessa decisão do STF, eu (STJ)
também irei restringir o foro por prerrogativa de função para as autoridades
que estão listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88, aplicando o mesmo raciocínio.
• O fato de a regra de competência
estar prevista no texto constitucional (art. 105 da CF/88) não pode representar
óbice à análise, por este STJ, de sua própria competência, sob pena de se
inviabilizar, nos casos como o dos autos, o exercício deste poder-dever básico de
todo órgão julgador, impedindo o imprescindível exame deste importante
pressuposto de admissibilidade do provimento jurisdicional. Em palavras mais
simples, a restrição da competência do art. 105 da CF/88 passa por uma nova
intepretação do texto constitucional. A função precípua de interpretação à
Constituição Federal é do STF. No entanto, eu (STJ), assim como todo e qualquer
magistrado, também tenho a prerrogativa de interpretar as normas jurídicas,
inclusive a Constituição da República.
• Além disso, todo juiz é competente
para analisar a sua própria competência (“kompetenz-kompetenz”), de forma que
eu (STJ) posso interpretar o art. 105 da CF/88 para dizer se sou ou não
competente para julgar determinada autoridade, podendo, assim, adotar a mesma
restrição construída pelo STF.
• O foro especial no âmbito penal é
prerrogativa destinada a assegurar a independência e o livre exercício de
determinados cargos e funções de especial importância, isto é, não se trata de
privilégio pessoal. O princípio republicano é condição essencial de existência
do Estado de Direito e impõe a supressão dos privilégios, devendo ser afastados
da interpretação constitucional os princípios e regras contrários à igualdade.
• O art. 105, I, “a”, da CF/88
consubstancia exceção à regra geral de competência, de modo que, partindo-se do
pressuposto de que a Constituição é una, sem regras contraditórias, deve ser
realizada a interpretação restritiva das exceções, com base na análise
sistemática e teleológica da norma.
• As mesmas razões fundamentais (a
mesma ratio decidendi) que levaram o STF, ao interpretar o art. 102, I,
“b” e “c”, da CF/88, a restringir as hipóteses de foro por prerrogativa de
função devem ser também aplicadas ao art. 105, I, “a”.
• Assim, é de se conferir ao art. 105,
I, “a”, da CF/88, o mesmo sentido e alcance atribuído pelo STF ao art. 102, I,
“b” e “c”, restringindo-se, desse modo, as hipóteses de foro por prerrogativa
de função perante o STJ àquelas em que o crime for praticado em razão e durante
o exercício do cargo ou função.
As hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ
restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o
exercício do cargo ou função.
STJ. Corte Especial. AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 20/06/2018 (Info 630).
DECISÃO QUE RESTRINGE O FORO
POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NÃO SE APLICA PARA DESEMBARGADORES
O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que
os Desembargadores dos Tribunais de Justiça são julgados criminalmente pelo
STJ. O entendimento acima exposto (que restringiu o foro para crimes
relacionados com o cargo) é aplicado também para os Desembargadores dos
Tribunais de Justiça? Se um Desembargador praticar crime que não esteja
relacionado com o exercício de suas funções (ex: lesão corporal contra a
esposa), ele será julgado pelo juízo de 1ª instância?
NÃO.
O Superior Tribunal de Justiça é o tribunal competente para o
julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105, I,
da Constituição Federal), o desembargador acusado houvesse de responder à ação
penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal.
Assim, mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja
relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a remessa para a
1ª instância significar que o réu seria julgado por um juiz de primeiro grau
vinculado ao mesmo tribunal que o Desembargador.
A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a
isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador.
STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, julgado em 21/11/2018 (Info 639).
É uma espécie de “exceção” ao
entendimento do STJ que restringe o foro por prerrogativa de função.
O STJ entendeu que haveria um risco à
imparcialidade caso o juiz de 1º instância julgasse um Desembargador
(autoridade que, sob o aspecto administrativo, está em uma posição
hierarquicamente superior ao juiz).
DECISÃO QUE RESTRINGE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NÃO
SE APLICA PARA MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João
estava de passagem por Aracaju (SE) e ali praticou um crime.
Vale
ressaltar que João é Promotor de Justiça no Estado do Ceará. Importante também
registrar que o delito por ele praticado não tem nenhuma relação com o cargo
ocupado.
O
feito foi inicialmente distribuído ao Juízo de Direito da Vara Criminal de
Aracaju (1ª instância da Justiça estadual de Sergipe).
O juiz, contudo, reconheceu sua incompetência sob
o fundamento de que, nos termos do art. 96, III, da Constituição Federal,
compete ao Tribunal de Justiça julgar os crimes praticados por Promotores de
Justiça:
Art. 96. Compete privativamente:
(...)
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes
estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes
comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Diante disso, o juízo da Vara
Criminal de Aracaju declinou da competência em favor do Tribunal de Justiça do
Ceará.
O TJ/CE,
entretanto, disse o seguinte:
- no julgamento da AP 937 QO/RJ (acima explicada), o STF conferiu nova
interpretação (restritiva) ao art. 102, I, alíneas “b” e “c”, da CF/88, fixando
a competência daquela Corte para708 julgar os membros do Congresso Nacional
exclusivamente quanto aos crimes praticados no exercício e em razão da função
pública exercida;
-
pelo princípio da simetria, esta interpretação restritiva do foro por
prerrogativa de função deve ser aplicada também aqui pelo Tribunal de Justiça;
-
logo, como o crime praticado pelo Promotor de Justiça não foi cometido em razão
da função pública por ele exercida, a competência seria do juiz de 1ª
instância.
- diante disso, o TJ/CE
suscitou conflito de competência a ser dirimido pelo STJ, nos termos do art. 105,
I, “d”, da CF/88:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal
de Justiça:
I - processar e julgar,
originariamente:
(...)
d) os conflitos de competência entre
quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre
tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais
diversos;
O que decidiu o STJ? A
competência para julgar o crime praticado pelo Promotor de Justiça é do juízo
de 1ª instância ou do Tribunal de Justiça?
Do Tribunal de Justiça.
Compete aos tribunais de justiça estaduais processar
e julgar os delitos comuns, não relacionados com o cargo, em tese praticados
por Promotores de Justiça.
STJ. 3ª
Seção. CC 177.100-CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 08/09/2021
(Info 708).
De fato, o STF restringiu sua
competência para julgar membros do Congresso Nacional somente nas hipóteses de
crimes praticados no exercício e em razão da função pública exercida. Todavia,
para o Min. Joel Ilan Paciornik, o referido precedente analisou expressamente
apenas o foro por prerrogativa de função referente a cargos eletivos, haja
vista que o caso concreto tratava de ação penal ajuizada em face de Deputado
Federal.
Nesse
contexto, considerando que a previsão da prerrogativa de foro da Magistratura e
do Ministério Público encontra-se descrita no mesmo dispositivo constitucional
(art. 96, III, da CF/88), seria desarrazoado conferir-lhes tratamento
diferenciado.
DOD Plus – informações extras
No caso hipotético acima
narrado, o crime foi praticado em Aracaju (SE). Isso significa que João será
julgado pelo Tribunal de Justiça de Sergipe?
NÃO. Ele será julgado pelo
Tribunal de Justiça do Ceará. Isso porque ele é membro do Ministério Público do Estado do
Ceará.
O Promotor de Justiça será julgado
pelo Tribunal de Justiça do Estado onde atua, mesmo que o crime tenha sido
cometido em outro Estado.
Se o Promotor de Justiça
praticar um crime de competência da Justiça Federal, ele será julgado pelo Tribunal
Regional Federal?
NÃO. Será julgado pelo Tribunal
de Justiça do Estado onde atua.
E se o Promotor de Justiça
praticar um crime eleitoral?
Aí, neste caso, ele será julgado
pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Trata-se de exceção à regra
segundo a qual o Promotor de Justiça é sempre julgado pelo Tribunal de Justiça
do Estado onde atua.
Confira a excelente explicação de Leonardo Barreto sobre o
tema:
“No caso de
cometimento de infração penal por parte de magistrados e membros do Ministério
Público que atuem em primeiro grau, tais autoridades são sempre julgadas pelo
Tribunal a que estão vinculados, ressalvada apenas a competência da Justiça
Eleitoral (art. 96, III, CF), pouco importando a natureza do crime que cometem.
Em outros
termos, se um juiz de direito estadual ou membro do Ministério Público Estadual
pratica infração penal, seja ela qual for, será sempre julgado pelo Tribunal de
Justiça do Estado em que atua, ainda que esta infração seja de competência da
Justiça Federal (art. 109 CF) e independente do lugar em que ela ocorra. Assim,
por exemplo, se um juiz de direito do Estado de Minas Gerais pratica crime que
viola bem, serviço ou interesse da União no Estado da Bahia, será julgado pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
De outro lado,
se um juiz federal ou membro do Ministério Federal pratica infração penal, seja
ela qual for, será sempre julgado pelo Tribunal Regional Federal a que está
vinculado, no lugar em que atua, mesmo se a infração for de competência da
Justiça Estadual. Por exemplo, se um juiz federal vinculado ao TRF1 e atuante
em Brasília/DF pratica contravenção penal em Porto Alegre/RS, será julgado pelo
TRF1 (e não pelo TRF4).
Nessa esteira,
tem-se que todas estas autoridades serão julgadas pelo respectivo foro por
prerrogativa de função na hipótese de cometimento de crime doloso contra a
vida, e não pelo Tribunal do Júri.
Por força de
ressalva constitucional, se, no entanto, cometerem crime eleitoral, serão
julgados pelo TRE do respectivo Estado em que atuam.” (Manual de Processo
Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 592-593).
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índice do informativo 1028 do stf
Direito Constitucional
EDUCAÇÃO
§ Não é razoável exigir comprovação documental do
motivo pelo qual o candidato faltou às provas do Enem 2020 como requisito para
que ele possa obter isenção da taxa de inscrição do Enem 2021, tendo em vista
que se vivia um contexto de pandemia.
COMPETÊNCIAS
LEGISLATIVAS
§ É inconstitucional lei estadual que dispõe sobre a
aceitação de diplomas expedidos por universidades estrangeiras.
ORGANIZAÇÃO
DO ESTADO
§ É inconstitucional lei estadual que permita a
criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios sem a edição prévia
das leis federais previstas no art. 18, § 4º, da CF/88.
MEDIDAS
PROVISÓRIAS
§ Durante a pandemia da Covid-19 ficou reconhecido que
as medidas provisórias podem ser instruídas perante o plenário das Casas,
ficando excepcionalmente autorizada a emissão de parecer por um deputado e um
senador, em substituição à Comissão Mista.
DIREITO ADMINISTRATIVO
CONCURSO
PÚBLICO
§ É inconstitucional ato normativo que exclui o direito dos candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos.
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ÍNDICE DO INFORMATIVO 1027 STF
Direito Constitucional
COMPETÊNCIAS
LEGISLATIVAS
§ É inconstitucional lei municipal que dispõe sobre a
autorização e exploração de serviço de radiodifusão comunitária.
PROCESSO
LEGISLATIVO
§
É constitucional
a LC 179/2021, que conferiu autonomia ao Banco Central do Brasil.
§
É formal e
materialmente constitucional a LC 144/2014 (de iniciativa parlamentar), que
modificou a LC 51/85, tratando sobre a aposentadoria dos policiais, com crité
§ rios mais favoráveis.
PODER
JUDICIÁRIO
§ É inconstitucional o art. 58, VI, da Lei nº
11.697/2008 (lei de organização judiciária do DF), que prevê o tempo de serviço
público efetivo como sendo um dos critérios de apuração da antiguidade dos
magistrados.
DIREITO ADMINISTRATIVO
ORGANIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA
§ É constitucional a LC 179/2021, que conferiu
autonomia ao Banco Central do Brasil.
SERVIDORES
PÚBLICOS
§ Não é possível conceder pensão vitalícia aos dependentes de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador que morreram no exercício do mandato.
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, médico oftalmologista,
pediu para ingressar na Unimed (cooperativa de médicos).
A Unimed negou
o pedido afirmando que, para ingressar na cooperativa, ele precisaria primeiramente
ser aprovado em um processo seletivo técnico.
Inconformado, João
ajuizou ação de obrigação de fazer contra a Unimed pedindo para que fosse
reconhecido seu direito de ingressar na cooperativa independentemente de
processo seletivo.
O autor
argumentou que essa exigência seria abusiva porque não prevista na Lei nº 5.764/71
(Lei das Cooperativas).
A Unimed
contestou a demanda sustentando que essa exigência de processo seletivo técnico
está prevista no art. 3º, IV, do estatuto social da cooperativa e que tem por
objetivo garantir a possibilidade técnica da prestação dos serviços.
O juiz julgou o
pedido procedente, reconhecendo a abusividade da previsão contida no Estatuto
porque não teria fundamento na lei.
O TJ/SP manteve
a sentença afirmando, inclusive, que o entendimento é pacífico naquela Corte conforme
enunciado interno do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Enunciado X: A exigência de aprovação em processo seletivo ou de
realização de curso de cooperativismo como condição de ingresso em cooperativa
não tem base legal e viola o princípio das portas abertas.
O STJ
concordou com o entendimento do TJ/SP? A exigência feita pela Unimed é indevida?
NÃO.
A cooperativa
de trabalho médico (no caso, a Unimed) pode sim limitar, por meio de processo
seletivo público, o ingresso de novos associados ao fundamento de preservação
da possibilidade técnica de prestação de serviços.
Vamos entender.
O que é
uma cooperativa?
Cooperativas
são sociedades de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens
ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem
objetivo de lucro.
A
admissão de associados pode ser restringida?
SIM. A admissão
dos associados poderá ser restrita, a critério do órgão normativo respectivo,
às pessoas que exerçam determinada atividade ou profissão ou estejam vinculadas
a determinada entidade. Ex: na cooperativa de médicos somente podem ingressar
os profissionais regularmente habilitados como médicos.
Como
funcionam as cooperativas de trabalho?
Nas
cooperativas de trabalho, como a de médicos, a produção (ou o oferecimento de
serviço) é realizada em conjunto pelos associados, sob a proteção da própria
cooperativa.
Assim, a
cooperativa coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da
venda - após a dedução de despesas - é distribuído, por equidade, aos
associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado
(número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).
Essas
cooperativas têm como finalidade melhorar os salários e as condições de
trabalho pessoal de seus associados, dispensando, mediante ajuda mútua, a
intervenção de um patrão ou empresário, procurando sempre o justo preço, já que
a entidade não busca o lucro: a sobra apurada em suas operações é distribuída
em função do montante operacional de cada associado.
O que faz
uma cooperativa de trabalho médico?
A cooperativa de trabalho, como a
de médicos, coloca à disposição do mercado a força de trabalho.
O produto arrecadado com a
prestação desses serviços é utilizado para pagamento das despesas da própria
cooperativa e, em seguida, é distribuído, por equidade, entre os associados, ou
seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de
consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).
Conforme explica a doutrina especializada:
“8.1. A
realidade brasileira ostenta um expressivo conjunto de cooperativas de
serviços, constituídas por médicos, que celebram contratos para que
beneficiários contratuais recebam assistência médica por parte de cooperados.
8.2. Têm elas dupla
qualificação. São cooperativas, constituídas conforme o Código Civil e a Lei nº
5.764 de 1971 e, igualmente, operadoras de planos de saúde, como tais definidas
pela Lei nº 9.656, a lei dos planos de saúde.
8.3. As
cooperativas de serviços médicos foram criadas na década de 1970, como
movimento classista contra a massificação e o aviltamento financeiro
decorrentes da estatização forçada da atividade médica e surgimento de empresas
que compravam trabalho médico e revendiam com lucro.
8.4. Os sócios
dessas cooperativas oferecem, coletivamente, na forma de convênios, a preços
acessíveis, suas clínicas privadas, aos interessados, num atendimento que
sobrepuja, em qualidade, o dispensado nas filas previdenciárias e nos
ambulatórios das medicinas de grupo. Daí o sucesso crescente do empreendimento
que, salvo alguns percalços, espraia-se hoje por toda a geografia brasileira,
assumindo a feição de autêntica instituição nacional.” (ROSE, Marco Túlio de.
Cooperativas Médicas, Saúde Suplementar e Colisão (Cap. X). In: Comentários à
Legislação das Sociedades Cooperativas: Tomo II. KRUEGER, G.; MIRANDA, A. B.
(Coord.), Belo Horizonte: Mandamentos, 2007, págs. 284/285)
Princípio cooperativista da
adesão livre (princípio da livre adesão voluntária)
O princípio cooperativista da
adesão livre desdobra-se em dois outros:
a) o princípio da voluntariedade,
em que ninguém deve ser coagido a ingressar em uma sociedade cooperativa, de
modo que o pedido de ingresso deve partir da vontade livre e desembaraçada do
proponente; e
b) o princípio da porta aberta,
o qual prega que a adesão deve ser aberta a todas as pessoas que aceitem as
responsabilidades próprias da filiação e tenham a possibilidade de usufruir as
utilidades da cooperativa.
Desse modo, o ingresso nas
cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela
sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições
estabelecidas no estatuto.
Em regra, não há limitação quanto
ao número de associados.
Exceção: podem ser impostas
restrições se houver impossibilidade técnica de prestação de serviços.
Veja os dispositivos da Lei nº 5.764/71 que tratam sobre o
tema:
Art. 4º As cooperativas são sociedades
de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas
a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se
das demais sociedades pelas seguintes características:
I - adesão voluntária, com número
ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de
serviços;
(...)
Art. 29. O ingresso nas cooperativas é
livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade,
desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas
no estatuto, ressalvado o disposto no artigo 4º, item I, desta Lei.
Princípio da porta aberta
Por força do princípio da porta
aberta, consectário do princípio da livre adesão, não podem existir restrições
arbitrárias e discriminatórias à livre entrada de novo membro na cooperativa,
devendo a regra limitativa da impossibilidade técnica de prestação de serviços
ser interpretada segundo a natureza da sociedade cooperativa, sobretudo porque
a cooperativa não visa o lucro, além de ser um empreendimento que possibilita o
acesso ao mercado de trabalhadores com pequena economia, promovendo, portanto,
a inclusão social.
A proibição imotivada de novos cooperados é proibido pela
lei porque o incentivo ao cooperativismo é de interesse público, tal como
preconizado pelo art. 174, § 2º da Constituição Federal:
Art. 174 (...)
§ 2º A lei apoiará e estimulará o
cooperativismo e outras formas de associativismo.
Logo, não atingida a capacidade
máxima de prestação de serviços pela cooperativa, que deverá ser aferida por
critérios técnicos e verossímeis, pois isso a impediria de cumprir sua
finalidade de colocar suas atividades à disposição de seus componentes, é
vedada a recusa de admissão de novos associados qualificados (STJ. 4ª Turma. REsp
nº 661.292/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 8/6/2010).
Em outras palavras, a recusa de
ingresso de profissional na cooperativa de trabalho médico não pode se dar sem
haver estudos técnicos de viabilidade, somente em razão de presunções acerca da
suficiência numérica de associados na região exercendo a mesma especialidade.
A simples inconveniência para cooperados
que já compõem o quadro associativo (eventual diminuição de lucros para eles) não
caracteriza motivo técnico suficiente para impedir o ingresso de novos
cooperados (STJ. 3ª Turma. REsp nº 1.479.561/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, DJe 28/11/2014).
Princípio da porta aberta
não é absoluto
O princípio da porta aberta
(livre adesão) não é absoluto, devendo a cooperativa de trabalho médico, que
também é uma operadora de plano de saúde, velar por sua qualidade de atendimento
e situação financeira estrutural, até porque pode ser condenada solidariamente
por atos danosos de cooperados a usuários do sistema (a exemplo de erros
médicos), o que impossibilitaria a sua viabilidade de prestação de serviços.
Dessa forma, se for atingida a
capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por
critérios objetivos e verossímeis, é possível a recusa de novos associados já
que o número acima do tolerado impediria a cooperativa de cumprir as suas
finalidades.
Licitude do processo
seletivo público
Com base, portanto, nessas
premissas, deve-se considerar que é lícita a previsão contida no estatuto
social da cooperativa médica impondo a realização de processo seletivo público
e de caráter impessoal.
Nesta seleção poderão ser
exigidos conteúdos a respeito de ética médica, cooperativismo e gestão em saúde
como requisitos de admissão de profissionais médicos para compor os quadros da
entidade. Isso se justifica porque, por força de lei, o interessado deve aderir
aos propósitos sociais da cooperativa e preencher as condições estatutárias
estabelecidas. Logo, o princípio da porta aberta deve ser compatibilizado com a
possibilidade técnica de prestação de serviços e a viabilidade estrutural
econômico-financeira da sociedade cooperativa.
Em suma:
É lícita a previsão, em estatuto social de
cooperativa de trabalho médico, de processo seletivo público como requisito de
admissão de profissionais médicos para compor os quadros da entidade, devendo o
princípio da porta aberta ser compatibilizado com a possibilidade técnica de
prestação de serviços e a viabilidade estrutural econômico-financeira da
sociedade cooperativa.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.901.911-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
24/08/2021 (Info 673).
O interessado que não lograr
êxito no processo seletivo da cooperativa continuará a exercer sua
especialidade médica em consultórios, hospitais e demais estabelecimentos de
saúde, podendo, inclusive, ser prestador de serviço credenciado de outras operadoras
de plano de assistência à saúde.
Esse é o entendimento atualmente
pacífico do STJ:
As Turmas que integram a Segunda Seção do STJ entendem que o
princípio da porta-aberta, consectário do princípio da livre adesão, deve ser
interpretado no sentido de ser possível a exigência de processo seletivo para
admissão de novo cooperado, desde que haja previsão estatutária e a condição
não tenha a finalidade de restringir o acesso de forma abusiva.
STJ. 2ª Seção. AgInt nos EREsp 1561337/SP, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 18/08/2021.
Súmula 651-STJ: Compete à
autoridade administrativa aplicar a servidor público a pena de demissão em
razão da prática de improbidade administrativa, independentemente de prévia
condenação, por autoridade judicial, à perda da função pública.
STJ. 1ª Seção. Aprovada em
21/10/2021.
Imagine a
seguinte situação hipotética:
João, servidor público federal, no
exercício de suas funções, praticou ato de improbidade administrativa.
O Ministério Público, ajuizou ação de
improbidade contra esse servidor.
Paralelamente a isso, a Administração
Pública federal instaurou processo administrativo disciplinar.
Antes que a ação de improbidade fosse
julgada, o PAD chegou ao fim e o servidor.
A
autoridade administração aplicou, como sanção disciplinar, a demissão, nos
termos do art. 127, III c/c art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90:
Art. 127. São penalidades disciplinares:
(...)
III - demissão;
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
(...)
IV - improbidade administrativa;
Inconformado, João impetrou mandado de
segurança alegando que, em caso de ato de improbidade administrativa, a pena de
demissão somente poderia ser aplicada pelo Poder Judiciário, em ação de
improbidade, não podendo haver a demissão por meio de processo administrativo.
Essa tese do servidor não é acolhida
pela jurisprudência?
NÃO.
Para o STJ, é possível a demissão de
servidor por improbidade administrativa em processo administrativo disciplinar.
A pena de demissão não é exclusividade
do Poder Judiciário, sendo dever da Administração apurar e, eventualmente,
punir os servidores que vierem a cometer ilícitos de natureza disciplinar.
Além
disso, vigora o princípio da independência das instâncias, conforme
expressamente prevê o caput do art. 12 da Lei nº 8.429/90 (Lei de Improbidade Administrativa):
Art. 12. Independentemente das sanções
penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está
o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que
podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do
fato:
(...)
Esse é o entendimento consolidado há
muitos anos do STJ:
(...) as sanções disciplinares
previstas na Lei 8.112/90 são independentes em relação às penalidades previstas
na LIA, daí porque não há necessidade de aguardar-se o trânsito em julgado da
ação por improbidade administrativa para que seja editado o ato de demissão com
base no art. 132, IV, do Estatuto do Servidor Público Federal. (...)
STJ. 1ª Seção. MS 15.848/DF, Rel. Min. Castro
Meira, julgado em 24/04/2013.
(...) 4. A própria LIA, no art. 12,
caput, dispõe que “independentemente das sanções penais, civis e administrativas
previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade
sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”. Isso quer dizer que a
norma não criou um único subsistema para o combate aos atos ímprobos, e sim
mais um subsistema, compatível e coordenado com os demais. (...)
STJ. 1ª Seção. MS 16.418/DF, Rel. Min.
Herman Benjamin, julgado em 08/08/2012.
(...) O processo administrativo
disciplinar e a ação de improbidade, embora possam acarretar a perda do cargo
público, possuem âmbitos de aplicação distintos, mormente a independência das
esferas civil, administrativa e penal. Logo, não há óbice para que a autoridade
administrativa apure a falta disciplinar do servidor público independentemente
da apuração do fato no bojo da ação por improbidade administrativa. (...)
STJ. 1ª Seção. MS 15.951/DF, Rel. Min.
Castro Meira, julgado em 14/09/2011.
(...) 2. A apuração de falta
disciplinar realizada no PAD não se confunde com a ação de improbidade
administrativa, esta sabidamente processada perante o Poder Judiciário, a quem
cabe a imposição das sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei n.º
8.429/92.
3. Há reconhecida independência das
instâncias civil, penal e administrativa, que é afastada quando a esfera penal
taxativamente afirmar que não houve o fato, e/ou, acaso existente, houver
demonstrações inequívocas de que o agente não foi o seu causador. Este
fundamento, inclusive, autoriza a conclusão no sentido de que as penalidades
aplicadas em sede de processo administrativo disciplinar e no âmbito da
improbidade administrativa, embora possam incidir na restrição de um mesmo
direito, são distintas entre si, tendo em vista que se assentam em distintos
planos. (...)
STJ. 2ª Turma. REsp 1364075/DF, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 24/11/2015.