Dizer o Direito

sábado, 4 de setembro de 2021

Lei 14.200/2021: licença compulsória de patentes em casos de emergência, de interesse pública ou de calamidade pública


Olá, amigos do Dizer o Direito, 

Foi publicada ontem (03/09/2021), a Lei nº 14.200/2021, que alterou a Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), para dispor sobre a licença compulsória de patentes ou de pedidos de patente nos casos de declaração de emergência nacional ou internacional ou de interesse público, ou de reconhecimento de estado de calamidade pública de âmbito nacional. 

Vamos entender com calma o que mudou. Para isso, é necessário contextualizar o tema.

 

INPI

O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, sendo responsável, no Brasil, pela concessão e garantia dos direitos de propriedade intelectual para a indústria.

 

Patente

Patente é um título de propriedade temporária concedido pelo INPI para a pessoa que inventou um novo produto, um novo processo ou para quem fez aperfeiçoamentos destinados à aplicação industrial.

A patente, concedida ao autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade, é o direito de, durante determinado tempo, só ele explorar economicamente essa invenção ou modelo de utilidade. Veja o que diz o art. 6º Lei nº 9.279/96:

Art. 6º Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei.

 

Direitos

A patente confere os seguintes direitos ao seu titular:

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:

I - produto objeto de patente;

II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.

§ 1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo.

§ 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente.

 

Depósito do pedido junto ao INPI

O procedimento para obtenção da patente tem início com o depósito do pedido no INPI, que deverá ser instruído com uma série de documentos e informações.

Em regra, a patente deverá ser requerida junto ao INPI pelo próprio autor, em nome próprio.

Poderá também ser requerida pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo cessionário ou por aquele a quem a lei ou o contrato de trabalho ou de prestação de serviços determinar que pertença a titularidade (art. 6º, § 2º, da Lei nº 9.279/96).

 

Proteção conferida pela patente retroage

É importante destacar que, expedida a carta-patente, surge para o titular o direito de obter indenização pela exploração indevida do objeto patenteado, inclusive em relação ao período entre a publicação do pedido e a concessão da patente, como preceitua o art. 44 da Lei:

Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente.

 

Assim sendo, uma vez concedida a patente, a proteção por ela conferida retroage a momento inicial do processo, o que funciona como uma contenção (um desestímulo) aos concorrentes que cogitem explorar indevidamente o objeto protegido durante a tramitação do pedido.

A proteção patentária, portanto, não se inicia apenas com a decisão final de deferimento do pedido, sendo interessante notar que a lei considera o requerente como presumivelmente legitimado a obter a patente, salvo prova em contrário, conforme o art. 6º, § 1º, da LPI.

 

Prazo de vigência das patentes

A vigência da patente observará os prazos fixos de 20 anos para invenções e de 15 anos para modelos de utilidade, contados da data de depósito, conforme o caput do art. 40 da Lei:

Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.

 

E depois que terminar o prazo da patente?

Findo o prazo de vigência da patente, a proteção extingue-se e seu objeto passa a ser considerado de domínio público, conforme o art. 78, I e parágrafo único, da Lei:

Art. 78. A patente extingue-se:

I - pela expiração do prazo de vigência;

(...)

Parágrafo único. Extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público.

 

Cessão da patente

A patente possui a natureza jurídica de um bem móvel imaterial. Isso significa que essa patente pode ser negociada.

O titular de uma patente pode ceder a sua propriedade para outra pessoa. É como se ele “vendesse” a patente para um terceiro. Isso está previsto no art. 58 da Lei nº 9.276/98:

Art. 58. O pedido de patente ou a patente, ambos de conteúdo indivisível, poderão ser cedidos, total ou parcialmente.

 

Essa cessão será anotada no INPI (art. 59 da LPI).

 

Licenciamento da patente

Uma outra forma de negociação da patente consiste no licenciamento.

A principal diferença para a cessão é que no licenciamento o titular não cede a propriedade da patente. No licenciamento, é como se o titular “alugasse” a patente para que uma outra pessoa a explorasse.

A licença da patente pode ser:

a) voluntária;

b) compulsória.

 

Assim, essa autorização para que alguém explore a patente nem sempre é voluntária, podendo o titular se obrigado a fazer isso.

 

Licença voluntária

Ocorre quando o titular celebra um contrato permitindo que uma outra pessoa (chamada de “licenciado”) explore a patente. Como contraprestação, esse licenciado pagará ao titular uma contraprestação chamada de royalty.

Veja o que diz a LPI:

Art. 61. O titular de patente ou o depositante poderá celebrar contrato de licença para exploração.

Parágrafo único. O licenciado poderá ser investido pelo titular de todos os poderes para agir em defesa da patente.

 

O contrato de licença deverá ser averbado no INPI para que produza efeitos em relação a terceiros (art. 62).

 

Licença compulsória

Ocorre quando o titular da patente é obrigado a conceder a licença, mesmo que não tivesse intenção de fazê-lo.

Por que existe a licença compulsória? Por que o titular pode ser obrigado a autorizar que outras pessoas utilizem a patente?

As hipóteses de licença compulsória são tratadas em quatro artigos da LPI:

 

Art. 68: trata-se de uma forma de punição do titular da patente que está agindo de forma abusiva;

Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.

§ 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória:

I - a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação; ou

II - a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.

(...)

 

Art. 70: motivada por razões de ordem técnica;

Art. 70. A licença compulsória será ainda concedida quando, cumulativamente, se verificarem as seguintes hipóteses:

I - ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação a outra;

II - o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à patente anterior; e

III - o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para exploração da patente anterior.

 

Art. 71: em razão de emergência ou inspirada por motivos de interesse público. Aqui houve alteração promovida pela Lei nº 14.200/2021.

LEI Nº 9.279/96 (LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL)

Antes da Lei 14.200/2021

Depois da Lei 14.200/2021

Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular. (Regulamento)

Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou internacional ou de interesse público declarados em lei ou em ato do Poder Executivo federal, ou de reconhecimento de estado de calamidade pública de âmbito nacional pelo Congresso Nacional, poderá ser concedida licença compulsória, de ofício, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente ou do pedido de patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular, desde que seu titular ou seu licenciado não atenda a essa necessidade. (Redação dada pela Lei nº 14.200/2021)

 

Publicação de lista com as patentes e pedidos de patente que podem auxiliar

O Poder Executivo federal publicará lista de patentes ou de pedidos de patente, não aplicável o prazo de sigilo previsto no art. 30 da LPI, potencialmente úteis ao enfrentamento das situações previstas no caput do art. 71, no prazo de até 30 (trinta) dias após a data de publicação da declaração de emergência ou de interesse público, ou do reconhecimento de estado de calamidade pública, excluídos as patentes e os pedidos de patente que forem objetos de acordos de transferência da tecnologia de produção ou de licenciamento voluntário capazes de assegurar o atendimento da demanda interna, nos termos previstos em regulamento (novo § 2º do art. 71).

 

Entidades especializadas serão consultadas para a elaboração dessa lista

Entes públicos, instituições de ensino e pesquisa e outras entidades representativas da sociedade e do setor produtivo deverão ser consultados no processo de elaboração da lista de patentes ou de pedidos de patente que poderão ser objeto de licença compulsória (novo § 3º do art. 71).

Qualquer instituição pública ou privada poderá apresentar pedido para inclusão de patente ou de pedido de patente na lista (novo § 4º do art. 71).

 

Informações que deverão constar na lista

A lista conterá informações e dados suficientes para permitir a análise individualizada acerca da utilidade de cada patente e pedido de patente e contemplará, pelo menos:

I – o número individualizado das patentes ou dos pedidos de patente que poderão ser objeto de licença compulsória;

II – a identificação dos respectivos titulares;

III – a especificação dos objetivos para os quais será autorizado cada licenciamento compulsório.

(novo § 5º do art. 71)

 

Avaliação individualizada das patentes

A partir da lista publicada, o Poder Executivo realizará, no prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, a avaliação individualizada das invenções e modelos de utilidade listados e somente concederá a licença compulsória, de forma não exclusiva, para produtores que possuam capacidade técnica e econômica comprovada para a produção do objeto da patente ou do pedido de patente, desde que conclua pela sua utilidade no enfrentamento da situação que a fundamenta (novo § 6º do art. 71).

 

Exclusão da lista

Patentes ou pedidos de patente que ainda não tiverem sido objeto de licença compulsória poderão ser excluídos da lista referida no § 2º deste artigo nos casos em que a autoridade competente definida pelo Poder Executivo considerar que seus titulares assumiram compromissos objetivos capazes de assegurar o atendimento da demanda interna em condições de volume, de preço e de prazo compatíveis com as necessidades de emergência nacional ou internacional, de interesse público ou de estado de calamidade pública de âmbito nacional por meio de uma ou mais das seguintes alternativas:

I – exploração direta da patente ou do pedido de patente no País;

II – licenciamento voluntário da patente ou do pedido de patente; ou

III – contratos transparentes de venda de produto associado à patente ou ao pedido de patente.

(novo § 7º do art. 71)

 

Critérios para o arbitramento da remuneração do titular

No arbitramento da remuneração do titular da patente ou do pedido de patente, serão consideradas as circunstâncias de cada caso, observados, obrigatoriamente, o valor econômico da licença concedida, a duração da licença e as estimativas de investimentos necessários para sua exploração, bem como os custos de produção e o preço de venda no mercado nacional do produto a ela associado (novo § 12 do art. 71).

A remuneração do titular da patente ou do pedido de patente objeto de licença compulsória será fixada em 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) sobre o preço líquido de venda do produto a ela associado até que seu valor venha a ser efetivamente estabelecido (novo § 13 do art. 71)

A remuneração do titular do pedido de patente objeto de licença compulsória somente será devida caso a patente venha a ser concedida, e o pagamento, correspondente a todo o período da licença, deverá ser efetivado somente após a concessão da patente (novo § 14 do art. 71)

A autoridade competente dará prioridade à análise dos pedidos de patente que forem objeto de licença compulsória (novo § 15 do art. 71)

 

Produtos somente podem ser comercializados após a autorização da vigilância sanitária

Os produtos que estiverem sujeitos ao regime de vigilância sanitária deverão observar todos os requisitos previstos na legislação sanitária e somente poderão ser comercializados após a concessão de autorização, de forma definitiva ou para uso em caráter emergencial, pela autoridade sanitária federal (novo § 16 do art. 71)

 

Art. 71-A: de produtos farmacêuticos destinados à exportação por razões humanitárias.

Trata-se de importante inovação incluída pela Lei nº 14.200/2021:

Art. 71-A. Poderá ser concedida, por razões humanitárias e nos termos de tratado internacional do qual a República Federativa do Brasil seja parte, licença compulsória de patentes de produtos destinados à exportação a países com insuficiente ou nenhuma capacidade de fabricação no setor farmacêutico para atendimento de sua população. (Incluído pela Lei nº 14.200/2021)

 

Vigência

A Lei nº 14.200/2021 entrou em vigor na data de sua publicação (03/09/2021).

 

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