Dizer o Direito

sábado, 4 de setembro de 2021

Breves comentários à Lei 14.195/2021 ( Lei do Ambiente de Negócios)

  

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº 14.195/2021, que dispõe sobre vários assuntos relacionados com direito empresarial e também direito processual civil. 

Veja abaixo um resumo dos principais pontos.

 

I – ALTERAÇÕES RELACIONADAS COM DIREITO EMPRESARIAL

1) CPNJ COMO NOME EMPRESARIAL

O empresário individual, a EIRELI e a sociedade empresária precisam ter um nome empresarial, que é a expressão que os identifica em suas relações jurídicas.

Com o objetivo de desburocratizar, a Lei nº 14.195/2021 acrescentou o art. 35-A na Lei nº 8.934/94 dizendo que o empresário ou pessoa jurídica poderá utilizar o CNPJ como nome empresarial.

Art. 35-A. O empresário ou a pessoa jurídica poderá optar por utilizar o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) como nome empresarial, seguido da partícula identificadora do tipo societário ou jurídico, quando exigida por lei.

 

O art. 1.155 prevê duas espécies de nome empresarial:

a) firma;

b) denominação.

 

Com esse novo art. 35-A temos uma terceira espécie de nome empresarial: o CPNJ como nome empresarial.

 

2) NOME EMPRESARIAL DAS SOCIEDADES

· Antes: na denominação da sociedade anônima e da sociedade em comandita por ações (quando esta adotasse denominação), era obrigatório que constasse a designação do objeto social.

· Agora: a menção ao objeto social é facultativa.

 

CÓDIGO CIVIL

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 1.160. A sociedade anônima opera sob denominação designativa do objeto social, integrada pelas expressões "sociedade anônima" ou "companhia", por extenso ou abreviadamente.

Parágrafo único. Pode constar da denominação o nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa.

Art. 1.160. A sociedade anônima opera sob denominação, integrada pelas expressões ‘sociedade anônima’ ou ‘companhia’, por extenso ou abreviadamente, facultada a designação do objeto social.

Parágrafo único. Pode constar da denominação o nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa.

Art. 1.161. A sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar denominação designativa do objeto social, aditada da expressão “comandita por ações”.

Art. 1.161. A sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar denominação, aditada da expressão ‘comandita por ações’, facultada a designação do objeto social.

 

 

3) ESTABELECIMENTO COMERCIAL

Estabelecimento (ou fundo de comércio) é o conjunto de bens (materiais e imateriais) e serviços que o empresário reúne e organiza com o objetivo de realizar a atividade empresarial e gerar lucros. Seu conceito legal está previsto no caput do art. 1.142 do Código Civil:

Art. 1.142 Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

 

A Lei nº 14.195/2021 acrescentou três parágrafos ao art. 1.142. Vejamos cada um deles:

Art. 1.142. (...)

§ 1º O estabelecimento não se confunde com o local onde se exerce a atividade empresarial, que poderá ser físico ou virtual.

 

Essa previsão corresponde aquilo que já era defendido pela doutrina:

“A expressão estabelecimento empresarial parece se referir, numa primeira leitura, ao local em que o empresário exerce sua atividade empresarial. Trata-se, todavia, de uma visão equivocada, que representa apenas uma noção vulgar da expressão, correspondendo tão somente ao sentido coloquial que ela possui para as pessoas em geral.

(...)

Portanto, o local em que o empresário exerce suas atividades - ponto de negócio - é apenas um dos elementos que compõem o estabelecimento empresarial, o qual, como visto, é composto também de outros bens materiais (equipamentos, máquinas etc.) e até mesmo bens imateriais (marca, patente de invenção etc.).” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 11ª ed., São Paulo: Juspdovim, 2021, p. 169-170)

 

Art. 1.142. (...)

§ 2º Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for virtual, o endereço informado para fins de registro poderá ser, conforme o caso, o do empresário individual ou o de um dos sócios da sociedade empresária.

 

Atualmente, é muito comum que várias atividades empresariais sejam desenvolvidas de modo virtual, não necessitando de uma sede física para atendimento de clientes, fornecedores e público em geral.

A despeito disso, algumas leis locais proibiam que o endereço informado para fins de registro fosse a própria residência do sócio.

Logo, o novo § 2º do art. 1.142 do Código Civil traz uma relevante novidade ao autorizar expressamente essa prática, facilitando a situação de inúmeros empresários que não mais precisam ser obrigados a contratar um endereço apenas para fins de registro.

 

Sobre o tema, vale a pena mencionar o § 25 do art. 18-A da LC 123/2006, que autoriza o microempreendedor individual a utilizar sua residência como sede do estabelecimento:

Art. 18-A. (...)

§ 25. O MEI poderá utilizar sua residência como sede do estabelecimento, quando não for indispensável a existência de local próprio para o exercício da atividade.

 

Art. 1.142. (...)

§ 3º Quando o local onde se exerce a atividade empresarial for físico, a fixação do horário de funcionamento competirá ao Município, observada a regra geral do inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019.

 

A competência é municipal, conforme entendimento sumulado do STF:

Súmula Vinculante 38-STF: É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

 

Compete aos Municípios legislar sobre o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais situados no âmbito de seus territórios. Isso porque essa matéria é entendida como sendo “assunto de interesse local”, cuja competência é municipal, nos termos do art. 30, I, da CF/88.

Cada cidade tem suas peculiaridades, tem seu modo de vida, umas são mais cosmopolitas, com estilo de vida agitado, muitos serviços, turistas. Por outro lado, existem aquelas menos urbanizadas, com costumes mais tradicionais etc. Assim, o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais deve atender a essas características próprias, análise a ser feita pelo Poder Legislativo local.

Existe uma “exceção” à Súmula Vinculante 38: o horário de funcionamento dos bancos. Segundo o STF e o STJ, as leis municipais não podem estipular o horário de funcionamento dos bancos. A competência para definir o horário de funcionamento das instituições financeiras é da União. Isso porque esse assunto (horário bancário) traz consequências diretas para transações comerciais intermunicipais e interestaduais, transferências de valores entre pessoas em diferentes partes do país, contratos etc., situações que transcendem (ultrapassam) o interesse local do Município. Enfim, o horário de funcionamento bancário é um assunto de interesse nacional (STF RE 118363/PR). O STJ possui, inclusive, um enunciado que espelha esse entendimento:

Súmula 19-STJ: A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União.

 

Lei municipal pode dispor sobre:

a) Horário de funcionamento de estabelecimento comercial: SIM (SV 38).

b) Horário de funcionamento dos bancos (horário bancário): NÃO (Súmula 19 do STJ).

 

Veja agora o que diz o art. 3º, II, da Lei nº 13.874/2019 (Declaração de Direitos de Liberdade Econômica):

Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

(...)

II - desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que para isso esteja sujeita a cobranças ou encargos adicionais, observadas:

a) as normas de proteção ao meio ambiente, incluídas as de repressão à poluição sonora e à perturbação do sossego público;

b) as restrições advindas de contrato, de regulamento condominial ou de outro negócio jurídico, bem como as decorrentes das normas de direito real, incluídas as de direito de vizinhança; e

c) a legislação trabalhista;

 

 

4) ASSEMBLEIA GERAL POR MEIOS ELETRÔNICOS

O art. 59 do Código Civil trata sobre a assembleia geral das associações:

Art. 59. Compete privativamente à assembleia geral:

I – destituir os administradores;

II – alterar o estatuto.

 

Em razão do isolamento social adotado durante a pandemia da Covid-19, a Lei 14.010/2020 autorizou que as assembleias gerais pudessem ser realizadas por meios eletrônicos, mesmo que o estatuto social não previsse:

Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.

Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.

 

Vale ressaltar que não havia uma proibição expressa no ordenamento jurídico para a realização dessa assembleia por meios eletrônicos. O que a Lei fez foi apenas deixar isso expresso, gerando mais segurança jurídica.

 

Como a experiência foi produtiva, a Lei nº 14.195/2021 acrescentou o art. 48-A ao Código Civil tornando essa previsão definitiva:

Art. 48-A. As pessoas jurídicas de direito privado, sem prejuízo do previsto em legislação especial e em seus atos constitutivos, poderão realizar suas assembleias gerais por meios eletrônicos, inclusive para os fins do art. 59 deste Código, respeitados os direitos previstos de participação e de manifestação.

 

 

5) REVOGAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 1.015

 

Sociedade atua por intermédio dos seus administradores

A sociedade pratica os atos jurídicos, exerce direitos ou assume obrigações por intermédio dos seus administradores. É o que prevê o art. 1.022 do Código Civil:

Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador.

 

E quem é considerado administrador da sociedade?

O contrato social deve prever quem são as pessoas incumbidas da administração da sociedade. Além disso, deve indicar também quais são os poderes e atribuições (art. 997, VI, do CC).

Vale ressaltar, ainda, que o administrador da sociedade pode ser nomeado por meio de um instrumento separado, ou seja, em um outro documento que não seja o contrato social. Neste caso, tal instrumento deverá ser averbado à margem da inscrição da sociedade:

Art. 1.012. O administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade.

 

Assim, a pessoa que está celebrando negócio jurídico com a sociedade, deverá analisar o contrato social ou o instrumento averbado na inscrição da sociedade, para ter certeza de que aquele administrador possui autorização para praticar atos em nome daquela sociedade.

 

E se o contrato social não tratar sobre a administração da sociedade e não for feito um instrumento em separado dispondo sobre o assunto? Como fica a administração da sociedade neste caso?

Se o contrato social não tratar sobre o tema, a administração da sociedade competirá separadamente a cada um dos sócios (art. 1.013 do CC).

 

Quais os poderes que o administrador da sociedade possui? Ele tem poderes ilimitados ou há atos que não pode praticar?

Isso deve ser disciplinado no contrato social. O contrato social deverá definir quais atos os administradores podem praticar em nome da sociedade.

 

E se o contrato social for silente? Se o contrato social não disser quais atos podem ser praticados pelos administradores?

No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos que sejam considerados como “atos de gestão da sociedade”. Obs: oneração ou venda de bens imóveis, em regra, não é considerado mero ato de gestão, salvo se a sociedade tiver como objeto social a compra e venda de imóveis (ex: se for uma imobiliária). Veja o que diz o caput do art. 1.015 do CC:

Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

 

O que acontece se o administrador praticar um ato que ele não poderia, ou seja, que ele não estava autorizado? Em outras palavras, o que acontece se o administrador exceder os poderes que ele possui? Ex: o administrador assinou determinado contrato com uma pessoa, em nome da sociedade, mas o contrato social não autorizava que ele praticasse esse ato.

 

· REGRA: mesmo tendo havido esse excesso, a sociedade estará vinculada ao que foi ajustado pelo administrador. Isso para prestigiar a boa-fé do terceiro com quem o negócio foi celebrado.

 

· EXCEÇÕES: o parágrafo único do art. 1.015 do CC trazia exceções a essa regra, ou seja, três situações nas quais a sociedade não precisará cumprir os compromissos assumidos pelo administrador porque ele agiu com excesso. Veja quais eram essas situações:

Art. 1.015 (...)

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

 

(...) 1. O excesso de mandato, a que se refere o parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil, poderá ser oposto ao terceiro beneficiário apenas se ficar afastada a sua boa-fé.

2. Para ser elidida, a boa-fé requer a demonstração de que: (i) a limitação de poderes do praticante do excesso estava inscrita no registro próprio, (ii) o excesso de mandato era de conhecimento do terceiro e (iii) a operação realizada tinha natureza estranha ao objeto social da pessoa jurídica. (...)

STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1040799/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/02/2014.

 

O inciso III era aquilo que a doutrina denominava de ultra vires.

 

Conforme explicava André Luiz Santa Cruz:

“Vê-se, pois, que pela interpretação a contrario sensu do parágrafo único do art. 1.015, em regra a sociedade responde por todos os atos de seus legítimos administradores, ainda que eles tenham atuado com excesso de poderes. De fato, se o Código afirma que a sociedade somente pode opor o excesso contra terceiros em determinadas situações que o próprio legislador elencou, taxativamente, isso significa que nas demais situações o excesso dos administradores não pode ser oposto a terceiros, ou seja, a sociedade terá que responder pelas obrigações decorrentes da atuação excessiva dos seus gestores, não obstante possa depois voltar-se contra eles, em ação regressiva.

(...)

Enquanto os incisos I e II do art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil tratam das hipóteses em que a sociedade impõe uma limitação de poderes ao administrador, como visto acima, o inciso III cuida de hipótese diversa, relacionada aos casos em que o administrador assume obrigação decorrente de ‘operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade’.

Trata o inciso em comento da chamada teoria ‘ultra vires”, surgida no direito inglês há bastante tempo. Segundo essa teoria, se o administrador celebra contrato assumindo obrigações, em nome da sociedade, em operações evidentemente estranhas ao seu objeto social, presume-se que houve excesso de poderes. Entende-se que bastaria ao credor diligente atentar para a compatibilidade entre a relação jurídica travada com determinada sociedade e o seu respectivo objeto social. Afinal, como já destacado anteriormente, o caput do art. 1.015 do Código Civil permite ao administrador praticar

todo e qualquer ato de gestão dos negócios sociais, mas desde que haja pertinência entre o ato praticado e os negócios sociais.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 11ª ed., São Paulo: Juspdovim, 2021, p. 385-386)

 

O que fez a Lei nº 14.195/2021?

Revogou o parágrafo único do art. 1.015 do CC, acabando com as três exceções acima explicadas.

Essas exceções recebiam críticas de parcela significativa da doutrina. Isso porque elas enfraqueciam a proteção que deve ser conferida ao terceiro de boa-fé que contratava com a sociedade. Além disso, tais exceções contribuíam para uma situação de insegurança jurídica. Recorro mais uma vez ao auxílio de André Luiz Santa Cruz Ramos:

“(...) a teoria ultra vires, após surgir na Inglaterra e nos Estados Unidos, foi sendo gradativamente abandonada, o que nos permite dizer que, de certo modo, a adoção dessa teoria pelo Código Civil de 2002 representa um retrocesso. É que na maioria das vezes, em razão do dinamismo inerente às atividades econômicas, é muito difícil analisar, em todas as transações negociais, se os poderes dos administradores lhe permitem firmar aquela relação jurídica específica. Portanto, a teoria ultra vires, é inegável, traz consigo uma certa insegurança jurídica para o mercado. Melhor seria, talvez, em homenagem à boa-fé dos terceiros que contratam com a sociedade limitada, reconhecer sua responsabilidade pelos atos ultra vires, mas assegurar-lhe a possibilidade de voltar-se em regresso contra o administrador que se excedeu.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 11ª ed., São Paulo: Juspdovim, 2021, p. 386)

 

Nesse mesmo sentido, confira o Enunciado 11, da I Jornada de Direito Comercial do CJF:

A regra do art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil deve ser aplicada à luz da teoria da aparência e do primado da boa-fé objetiva, de modo a prestigiar a segurança do tráfego negocial. As sociedades se obrigam perante terceiros de boa-fé.

 

Em suma:

A sociedade responde pelos atos de seus administradores, ainda que estes tenham extrapolado seus poderes e atribuições.

As três exceções a essa regra, que eram previstas no parágrafo único do art. 1.015 do CC, foram revogadas. O objetivo foi o de prestigiar, ainda mais, a boa-fé do terceiro com quem os atos foram praticados e resguardar a segurança jurídica das relações.

Com a Lei nº 14.195/2021, o ordenamento jurídico brasileiro abandonou a teoria ultra vires.

 

 

6) EXTINÇÃO DAS EIRELI´S

EIRELI

A EIRELI era uma forma de pessoa jurídica composta por uma só pessoa física.

Tratava-se de uma espécie de pessoa jurídica unipessoal autônoma e que apresentava, portanto, personalidade jurídica e patrimônio distintos daquele titularizado pela pessoa física que explora a atividade em questão.

Consistia em uma técnica de limitação dos riscos empresariais em benefício dos empreendedores individuais.

A EIRELI foi criada pela Lei nº 12.441/2011, que acrescentou o art. 980-A ao Código Civil.

 

Requisitos

Os requisitos para a constituição da EIRELI eram os seguintes:

a) Uma única pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social;

b) O capital social deve estar devidamente integralizado;

c) O capital social não pode ser inferior a 100 (cem) vezes o salário-mínimo;

d) A pessoa natural que constituir EIRELI somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. Assim, para evitar fraudes, ninguém pode ser titular de duas empresas individuais de responsabilidade limitada.

 

Veja a redação do dispositivo legal:

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

 

Qual foi a grande vantagem da EIRELI no momento de sua criação no ordenamento jurídico brasileiro (em 2011)?

Antes da EIRELI, se um indivíduo quisesse abrir uma loja no centro da cidade para vender vestuário, ele teria duas opções:

1ª) explorar essa atividade econômica como empresário individual;

2ª) encontrar um outro indivíduo para ser seu sócio e constituir uma sociedade empresária.

 

A desvantagem de explorar como empresário individual era o fato de que esse indivíduo iria responder com seus bens pessoais e de forma ilimitada por todas as dívidas que contraísse na atividade econômica.

Tal situação fazia com que muitas pessoas arranjassem um “laranja” para figurar como sócio em uma sociedade limitada, normalmente com capital social de 1%. Obviamente que tal realidade não era simples nem correta, servindo como desestímulo à livre iniciativa.

Com a criação da EIRELI no art. 980-A, esse indivíduo passou a conseguir, sozinho, constituir uma pessoa jurídica para desempenhar sua atividade empresarial, com a vantagem de que, na EIRELI, a responsabilidade pelas dívidas era limitada ao valor do capital social.

 

Criação da sociedade unipessoal e esvaziamento da função da EIRELI

Sociedade unipessoal é aquela formada por um só sócio que detém a totalidade do capital social.

A figura da sociedade unipessoal é admitida em alguns países do mundo.

É possível a existência de sociedade unipessoal no Brasil?

Antes da Lei nº 13.874/2019: NÃO

Depois da Lei nº 13.874/2019: SIM

Como regra, havia a necessidade de dois ou mais sócios.

A doutrina apontava a existência de três exceções muito peculiares:

1) sociedade subsidiária integral (art. 251, § 2º, da Lei nº 6.404/76);

2) empresa pública unipessoal.

3) sociedade limitada que ficou com apenas um sócio, situação que podia durar por, no máximo, 180 dias (art. 1.033, IV, do CC – atualmente revogado).

A Lei nº 13.874/2019 acrescentou dois parágrafos ao art. 1.052 do CC prevendo a possibilidade de a sociedade limitada ser composta por um único sócio:

Art. 1.052. (...)

§ 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas.

§ 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.

 

Assim, a Lei nº 13.874/2019 previu a possibilidade de ser, livremente, criada a sociedade limitada unipessoal.

Vale ressaltar que, com a criação da sociedade limitada unipessoal, a EIRELI perdeu praticamente toda a sua importância e, na prática, passou a não mais ser adotada.

 

Transformação das EIRELIs em sociedades unipessoais

Diante do modelo que caiu em desuso, o legislador resolveu simplificar o panorama e decidiu transformar todas EIRELIs ainda existentes em sociedades unipessoais. Confira o art. 41 da Lei nº 14.195/2021:

Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo.

Parágrafo único. Ato do Drei disciplinará a transformação referida neste artigo.

 

Revogação do inciso IV do art. 1.033 do Código Civil

O inciso IV do art. 1.033 do Código Civil previa que se uma sociedade – que originalmente tivesse pluralidade de sócios – ficasse com apenas um sócio (ex: os demais morreram), esta sociedade deveria se regularizar – com a entrada de novos sócios – em um prazo de até 180 dias. Caso não fizesse isso, tal sociedade deveria ser dissolvida, salvo se fosse transformada em uma EIRELI. Veja:

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

(...)

IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;

(...)

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

 

Essa regra existia porque no Brasil não se admitia sociedade unipessoal.

Ocorre que, com a autorização dada pela Lei nº 13.874/2019 para que exista sociedade unipessoal, essa regra previsão do inciso IV deixou de ter sentido. Ora, se uma sociedade, que era composta por pluralidade de sócios, passou a contar com apenas um único sócio, ela deve se tornar uma sociedade unipessoal, não havendo motivo para que seja dissolvida.

Assim, a Lei nº 14.195/2021 – corretamente – decidiu revogar o inciso IV e o parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil.

 

 

7) PROTEÇÃO DE ACIONISTAS MINORITÁRIOS E VOTO PLURAL (LEI 6.404/76)

 

Foram inseridos os seguintes dispositivos na Lei nº 6.404/76:

 

Art. 16-A. Na companhia aberta, é vedada a manutenção de mais de uma classe de ações ordinárias, ressalvada a adoção do voto plural nos termos e nas condições dispostos no art. 110-A desta Lei.

 

Art. 110-A. É admitida a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com atribuição de voto plural, não superior a 10 (dez) votos por ação ordinária:

I - na companhia fechada; e

II - na companhia aberta, desde que a criação da classe ocorra previamente à negociação de quaisquer ações ou valores mobiliários conversíveis em ações de sua emissão em mercados organizados de valores mobiliários.

§ 1º A criação de classe de ações ordinárias com atribuição do voto plural depende do voto favorável de acionistas que representem:

I - metade, no mínimo, do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto; e

II - metade, no mínimo, das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, se emitidas, reunidas em assembleia especial convocada e instalada com as formalidades desta Lei.

§ 2º Nas deliberações de que trata o § 1º deste artigo, será assegurado aos acionistas dissidentes o direito de se retirarem da companhia mediante reembolso do valor de suas ações nos termos do art. 45 desta Lei, salvo se a criação da classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural já estiver prevista ou autorizada pelo estatuto.

§ 3º O estatuto social da companhia, aberta ou fechada, nos termos dos incisos I e II do caput deste artigo, poderá exigir quórum maior para as deliberações de que trata o § 1º deste artigo.

§ 4º A listagem de companhias que adotem voto plural e a admissão de valores mobiliários de sua emissão em segmento de listagem de mercados organizados sujeitar-se-ão à observância das regras editadas pelas respectivas entidades administradoras, que deverão dar transparência sobre a condição de tais companhias abertas.

§ 5º Após o início da negociação das ações ou dos valores mobiliários conversíveis em ações em mercados organizados de valores mobiliários, é vedada a alteração das características de classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural, exceto para reduzir os respectivos direitos ou vantagens.

§ 6º É facultado aos acionistas estipular no estatuto social o fim da vigência do voto plural condicionado a um evento ou a termo, observado o disposto nos §§ 7º e 8º deste artigo.

§ 7º O voto plural atribuído às ações ordinárias terá prazo de vigência inicial de até 7 (sete) anos, prorrogável por qualquer prazo, desde que:

I - seja observado o disposto nos §§ 1º e 3º deste artigo para a aprovação da prorrogação;

II - sejam excluídos das votações os titulares de ações da classe cujo voto plural se pretende prorrogar; e

III - seja assegurado aos acionistas dissidentes, nas hipóteses de prorrogação, o direito previsto no § 2º deste artigo.

§ 8º As ações de classe com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias sem voto plural na hipótese de:

I - transferência, a qualquer título, a terceiros, exceto nos casos em que:

a) o alienante permanecer indiretamente como único titular de tais ações e no controle dos direitos políticos por elas conferidos;

b) o terceiro for titular da mesma classe de ações com voto plural a ele alienadas; ou

c) a transferência ocorrer no regime de titularidade fiduciária para fins de constituição do depósito centralizado; ou

II - o contrato ou acordo de acionistas, entre titulares de ações com voto plural e acionistas que não sejam titulares de ações com voto plural, dispor sobre exercício conjunto do direito de voto.

§ 9º Quando a lei expressamente indicar quóruns com base em percentual de ações ou do capital social, sem menção ao número de votos conferidos pelas ações, o cálculo respectivo deverá desconsiderar a pluralidade de voto.

§ 10. (VETADO).

§ 11. São vedadas as operações:

I - de incorporação, de incorporação de ações e de fusão de companhia aberta que não adote voto plural, e cujas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações sejam negociados em mercados organizados, em companhia que adote voto plural;

II - de cisão de companhia aberta que não adote voto plural, e cujas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações sejam negociados em mercados organizados, para constituição de nova companhia com adoção do voto plural, ou incorporação da parcela cindida em companhia que o adote.

§ 12. Não será adotado o voto plural nas votações pela assembleia de acionistas que deliberarem sobre:

I - a remuneração dos administradores; e

II - a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem definidos pela Comissão de Valores Mobiliários.

§ 13. O estatuto social deverá estabelecer, além do número de ações de cada espécie e classe em que se divide o capital social, no mínimo:

I - o número de votos atribuído por ação de cada classe de ações ordinárias com direito a voto, respeitado o limite de que trata o caput deste artigo;

II - o prazo de duração do voto plural, observado o limite previsto no § 7º deste artigo, bem como eventual quórum qualificado para deliberar sobre as prorrogações, nos termos do § 3º deste artigo; e

III - se aplicável, outras hipóteses de fim de vigência do voto plural condicionadas a evento ou a termo, além daquelas previstas neste artigo, conforme autorizado pelo § 6º deste artigo.

§ 14. As disposições relativas ao voto plural não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista, às suas subsidiárias e às sociedades controladas direta ou indiretamente pelo poder público.

 

A redação anterior da lei vedava expressamente o chamado voto plural. Atribuir voto plural a determinada ação é atribuir mais de um voto a uma mesma ação.

Com a mudança, permite-se a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com a atribuição do voto plural, não superior a dez votos por ação ordinária. Dependerá de deliberação societária com quórum de votação específico (§1º ao art. 110-A) e será temporalmente limitada ao período de sete anos, ainda que prorrogável por qualquer prazo (§7º ao art. 110-A).

 

Art. 138. (...)

§ 3º É vedada, nas companhias abertas, a acumulação do cargo de presidente do conselho de administração e do cargo de diretor-presidente ou de principal executivo da companhia.*

§ 4º A Comissão de Valores Mobiliários poderá editar ato normativo que excepcione as companhias de menor porte previstas no art. 294-B desta Lei da vedação de que trata o § 3º deste artigo.

 

* Esse § 3º do art. 138 somente produzirá efeitos em 360 dias, contados da data de publicação da Lei nº 14.195/2021 (27/08/2021).

 

Diretores podem ser domiciliados no exterior:

Art. 146. Apenas pessoas naturais poderão ser eleitas para membros dos órgãos de administração.

(...)

§ 2º A posse de administrador residente ou domiciliado no exterior fica condicionada à constituição de representante residente no País, com poderes para, até, no mínimo, 3 (três) anos após o término do prazo de gestão do administrador, receber:

I - citações em ações contra ele propostas com base na legislação societária; e

II - citações e intimações em processos administrativos instaurados pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de exercício de cargo de administração em companhia aberta.

 

 

8) REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE TRADUTOR E INTÉRPRETE PÚBLICO

A Lei nº 14.195/2021 reservou os arts. 22 a 34 para tratar sobre a profissão de tradutor e intérprete público.

Antes, o tema era regido pelo Decreto nº 13.609/43.

 

Requisitos (art. 22)

São requisitos para o exercício da profissão de tradutor e intérprete público:

I - ter capacidade civil;

II - ter formação em curso superior completo em qualquer área do conhecimento;

III - ser brasileiro ou estrangeiro residente no País;

IV - ser aprovado em concurso para aferição de aptidão;

V - não estar enquadrado nas hipóteses de inelegibilidade previstas no art. 1º, I, “e”, da LC 64/90; e

VI - ter registro na junta comercial do local de seu domicílio ou de atuação mais frequente.

 

A exigência do concurso previsto no inciso IV poderá ser dispensada àqueles que obtiverem grau de excelência em exames nacionais e internacionais de proficiência.

 

Os tradutores públicos e intérpretes comerciais que, na data de entrada em vigor da Lei nº 14.195/2021, já estavam habilitados na forma prevista no regulamento aprovado pelo Decreto nº 13.609/43, poderão continuar a exercer as atividades no território nacional (art. 31).

 

Habilitação (arts. 23 e 24)

O tradutor e intérprete público poderá habilitar-se e registrar-se para um ou mais idiomas estrangeiros ou, ainda, em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

O cumprimento do disposto no art. 22 da Lei habilita o tradutor e intérprete público a atuar em qualquer Estado e no Distrito Federal e a manter inscrição apenas no local de seu domicílio ou de atuação mais frequente.

 

Concurso para aferição de aptidão

O concurso para aferição de aptidão:

I - será válido por prazo indefinido;

II - incluirá prova escrita e prova oral, com simulação de interpretação consecutiva, para avaliar a compreensão das sutilezas e das dificuldades de cada um dos idiomas;

III - será organizado nacionalmente pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, com apoio das juntas comerciais dos Estados e do Distrito Federal; e

IV - será regido pelas normas editadas pelo Diretor do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

 

Atividades privativas do tradutor e intérprete (art. 26)

São atividades privativas do tradutor e intérprete público:

I - traduzir qualquer documento que tenha de ser apresentado em outro idioma perante pessoa jurídica de direito público interno ou perante serviços notariais e de registro de notas ou de títulos e documentos;

II - realizar traduções oficiais, quando exigido por lei;

III - interpretar e verter verbalmente perante ente público a manifestação de pessoa que não domine a língua portuguesa se não houver agente público apto a realizar a atividade ou se for exigido por lei específica;

IV - transcrever, traduzir ou verter mídia eletrônica de áudio ou vídeo, em outro idioma, certificada por ato notarial; e

V - realizar, quando solicitados pela autoridade competente, os exames necessários à verificação da exatidão de qualquer tradução que tenha sido arguida como incompleta, imprecisa, errada ou fraudulenta.

 

Vale ressaltar que, além das atividades acima listadas, é possível também:

I - a designação pela autoridade competente de tradutor e intérprete público ad hoc no caso de inexistência, de impedimento ou de indisponibilidade de tradutor e intérprete público habilitado para o idioma; e

II - a realização da atividade por agente público:

a) ocupante de cargo ou emprego com atribuições relacionadas com a atividade de tradutor ou intérprete; ou

b) com condições de realizar traduções e interpretações simples e correlatas com as atribuições de seu cargo ou emprego.

 

Fé pública (art. 27)

As traduções realizadas por tradutor e intérprete público devem ser presumidas como fiéis e exatas.

Essa presunção não afasta:

I - a obrigação de o documento na língua original acompanhar a sua respectiva tradução; e

II - a possibilidade de ente público ou qualquer interessado impugnar, nos termos estabelecidos nas normas de processo administrativo ou de processo judicial aplicáveis ao caso concreto, a fidedignidade ou a exatidão da tradução. Trata-se, portanto, de presunção relativa (iuris tantum).

 

Outras traduções podem gozar de fé pública?

Em regra, só tem fé pública a tradução realizada por tradutor e intérprete público.

Exceções. Também terão fé pública as traduções:

I - feitas por corretores de navios, em sua área de atuação;

II - relativas aos manifestos e documentos que as embarcações estrangeiras tiverem de apresentar para despacho aduaneiro;

III - feitas por agente público com cargo ou emprego de tradutor ou intérprete ou que sejam inerentes às atividades do cargo ou emprego; e

IV - enquadradas nas hipóteses previstas em ato do Poder Executivo federal.

 

Responsabilidade do tradutor e intérprete público (art. 28)

O tradutor e intérprete público que realizar tradução incompleta, imprecisa, errada ou fraudulenta estará sujeito, além de eventual responsabilização civil e criminal, às seguintes sanções:

I - advertência;

II - suspensão do registro por até 1 (um) ano; e

III - cassação do registro, vedada nova habilitação em prazo inferior a 15 (quinze) anos.

 

Para a dosimetria da pena, deverão ser consideradas:

I - as punições recebidas pelo tradutor e intérprete público nos últimos 10 (dez) anos;

II - a existência ou não de má-fé; e

III - a gravidade do erro ou a configuração de culpa grave.

 

Processo administrativo

O processo administrativo contra o tradutor e intérprete público seguirá o disposto na Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo).

O processo administrativo será processado e julgado pela junta comercial do Estado ou do Distrito Federal no qual o tradutor e intérprete público estiver inscrito.

Caberá recurso da decisão da junta comercial ao Diretor do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, que decidirá em última instância.

 

Disposições finais

O tradutor e intérprete público poderá optar por organizar-se na forma de sociedade unipessoal (art. 32).

O tradutor e intérprete público poderá realizar os seus atos em meio eletrônico (art. 33).

 

 

9) ALTERAÇÃO NA LEI DA REPRESENTAÇÃO COMERCIAL

 

Representação comercial

A representação comercial autônoma é uma espécie de contrato segundo o qual:

- uma determinada pessoa (física ou jurídica)

- chamada de “representante”

- compromete-se a ir em busca de interessados que queiram adquirir

- os produtos ou serviços prestados por uma empresa, designada “representada”.

 

É considerado um negócio jurídico com natureza de “colaboração empresarial por aproximação” de forma que o representante auxilia na circulação e distribuição dos produtos e serviços do representado nos mercados consumidores.

 

Exemplo

a empresa “XX” é representante comercial da indústria “ZZ”. Isso significa que “XX” irá em busca de clientes para adquirir os produtos da indústria “ZZ”, anotando os pedidos e os transmitindo para o representado a fim de que ele providencie a venda.

Como contraprestação, o representante recebe uma comissão consistente em um percentual sobre as vendas intermediadas.

 

Regulamentação

Essa espécie de contrato está regulada pela Lei nº 4.886/65, chamada de “Lei de Representação Comercial”. Trata-se, portanto, de contrato típico, em que os direitos e obrigações das partes estão dispostos em lei.

 

A Lei nº 14.195/2021 alterou a Lei nº 4.886/65 para deixar claro que a remuneração do representante comercial é considerada como crédito trabalhista para fins de falência e recuperação judicial, além de ser crédito extraconcursal se já houver título judicial antes do deferimento do processamento da recuperação judicial:

 

LEI 4.886/65

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 44. No caso de falência do representado as importâncias por ele devidas ao representante comercial, relacionadas com a representação, inclusive comissões vencidas e vincendas, indenização e aviso prévio, serão considerados créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas.

Art. 44. No caso de falência ou de recuperação judicial do representado, as importâncias por ele devidas ao representante comercial, relacionadas com a representação, inclusive comissões vencidas e vincendas, indenização e aviso prévio, e qualquer outra verba devida ao representante oriunda da relação estabelecida com base nesta Lei, serão consideradas créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas para fins de inclusão no pedido de falência ou plano de recuperação judicial.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos a ação do representante comercial para pleitear a retribuição que lhe é devida e os demais direitos que lhe são garantidos por esta lei.

Parágrafo único. Os créditos devidos ao representante comercial reconhecidos em título executivo judicial transitado em julgado após o deferimento do processamento da recuperação judicial, e a sua respectiva execução, inclusive quanto aos honorários advocatícios, não se sujeitarão à recuperação judicial, aos seus efeitos e à competência do juízo da recuperação, ainda que existentes na data do pedido, e prescreverá em 5 (cinco) anos a ação do representante comercial para pleitear a retribuição que lhe é devida e os demais direitos garantidos por esta Lei.

 

 

10) NOTA COMERCIAL

A Lei nº 6.385/76, alterada pela Lei nº 10.303/2001, previu, de forma lacônica, as notas comerciais como sendo uma espécie de valores mobiliários:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

(...)

VI - as notas comerciais;        

 

A Lei nº 14.195/2021 disciplinou, com detalhes, nos arts. 45 a 51, essa nota comercial, classificando-a como um título de crédito. Veja abaixo um resumo das principais informações da nota comercial:

 

O que é a nota comercial?

A nota comercial é um...

- título de crédito não conversível em ações,

- de livre negociação,

- representativo de promessa de pagamento em dinheiro,

- emitido exclusivamente sob a forma escritural

- por meio de instituições autorizadas a prestar o serviço de escrituração pela CVM.

 

Quem pode emitir?

Podem emitir a nota comercial:

· as sociedades anônimas;

· as sociedades limitadas e

· as sociedades cooperativas.

 

A deliberação sobre emissão de nota comercial é de competência dos órgãos de administração, quando houver, ou do administrador do emissor, observado o que dispuser a respeito o respectivo ato constitutivo.

 

Requisitos (características)

A nota comercial terá as seguintes características, que deverão constar de seu termo constitutivo:

I - a denominação “Nota Comercial”;

II - o nome ou razão social do emitente;

III - o local e a data de emissão;

IV - o número da emissão e a divisão em séries, quando houver;

V - o valor nominal;

VI - o local de pagamento;

VII - a descrição da garantia real ou fidejussória, quando houver;

VIII - a data e as condições de vencimento;

IX - a taxa de juros, fixa ou flutuante, admitida a capitalização;

X - a cláusula de pagamento de amortização e de rendimentos, quando houver;

XI - a cláusula de correção por índice de preço, quando houver; e

XII - os aditamentos e as retificações, quando houver.

 

As notas comerciais de uma mesma série terão igual valor nominal e conferirão a seus titulares os mesmos direitos.

A alteração das características dependerá de aprovação da maioria simples dos titulares de notas comerciais em circulação, presentes em assembleia, se maior quórum não for estabelecido no termo de emissão.

 

Execução

A nota comercial é título executivo extrajudicial, que pode ser executado independentemente de protesto, com base em certidão emitida pelo escriturador ou pelo depositário central, quando esse título for objeto de depósito centralizado.

 

Vencimento

A nota comercial poderá ser considerada vencida na hipótese de inadimplemento de obrigação constante do respectivo termo de emissão.

 

Titularidade

A titularidade da nota comercial será atribuída exclusivamente por meio de controle realizado nos sistemas informatizados do escriturador ou no depositário central, quando esse título for objeto de depósito centralizado.

 

 

II – ALTERAÇÕES RELACIONADAS COM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

 

A Lei nº 14.195/2021 promoveu inúmeras alterações também no Código de Processo Civil.

Vejamos cada uma delas.

 

1) NOVO DEVER DAS PARTES E DOS SEUS PROCURADORES: INFORMAR E MANTER SEUS DADOS CADASTRAIS

O art. 77 do CPC prevê uma lista de deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que participem do processo.

A Lei nº 14.195/2021 acrescenta o inciso VII prevendo um novo dever:

Art. 77.  Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

(...)

VII - informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário e, no caso do § 6º do art. 246 deste Código, da Administração Tributária, para recebimento de citações e intimações.

 

Art. 246 (...)

§ 5º As microempresas e as pequenas empresas somente se sujeitam ao disposto no § 1º deste artigo quando não possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).

§ 6º Para os fins do § 5º deste artigo, deverá haver compartilhamento de cadastro com o órgão do Poder Judiciário, incluído o endereço eletrônico constante do sistema integrado da Redesim, nos termos da legislação aplicável ao sigilo fiscal e ao tratamento de dados pessoais.

 

 

2) PRAZO MÁXIMO PARA A CITAÇÃO

A Lei nº 14.195/2021 acrescentou o parágrafo único ao art. 238 prevendo que a citação deve ser feita no prazo de até 45 dias da propositura da ação:

Art. 238.  Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.

Parágrafo único. A citação será efetivada em até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da propositura da ação.

 

Esse prazo de 45 dias é para que o juiz determine a citação ou para que ela seja efetivamente realizada (concluída)?

Trata-se de um prazo para que todo o ato seja efetivamente realizado.

Assim, o réu deverá ser efetivamente citado em até 45 dias.

 

Qual é a consequência processual imediata caso esse prazo seja descumprido?

Nenhuma. Consiste em prazo impróprio. Isso significa que o seu descumprimento não gera qualquer consequência jurídica imediata.

Trata-se, contudo, de um parâmetro objetivo que pode ser invocado para que a parte autora exija a efetivação da citação. Desse modo, se, por exemplo, a ação foi proposta há 60 dias sem que a citação tenha ocorrido, o autor poderá exigir, valendo-se desse parâmetro objetivo do art. 238, parágrafo único, do CPC, que a citação ocorra imediatamente.

 

Este prazo de 45 dias é contado em dias úteis ou corridos?

Dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC:

Art. 219.  Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.

 

Regra específica no caso da citação por meio eletrônico

Importante ressaltar que, se a citação for por meio eletrônico, o que é a regra geral no ordenamento jurídico, o prazo máximo para a citação fica reduzido a, no máximo, 2 dias úteis.

 

 

3) CITAÇÃO ELETRÔNICA PASSA A SER O MEIO PREFERENCIAL

Espécies de citação

Existem cinco formas de citação previstas no CPC:

a) por meio eletrônico;

b) pelo correio;

c) por oficial de justiça;

d) pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;

e) por edital.

 

Qual é a espécie prioritária? Qual a forma que deve ser tentada em primeiro lugar?

 

Qual forma de citação deverá ser preferencialmente realizada?

Antes da Lei nº 14.195/2021:

Citação pelo CORREIO

Depois da Lei nº 14.195/2021:

Citação por MEIO ELETRÔNICO

Art. 246. A citação será feita:

(...)

Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico (...)

Art. 247. A citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto:

(...)

Art. 247. A citação será feita por meio eletrônico ou pelo correio para qualquer comarca do País, exceto:

(...)

 

Essa foi uma das grandes novidades da Lei nº 14.195/2021.

Vejamos abaixo um resumo do procedimento a ser adotado para essa citação ser efetivada:

 

Ajuizamento

Depois que for ajuizada a ação, o juiz determina a citação do réu, que deverá ser, preferencialmente, por meio eletrônico.

 

Prazo para citação

A citação deve ocorrer no prazo de até 2 dias úteis contado da decisão que a determinar.

 

Banco de dados com endereços eletrônicos

A citação ocorrerá por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário. Esse banco de dados será regulamentado pelo CNJ.

 

Cadastro nos sistemas dos Tribunais

Os Tribunais terão, em seus sistemas de autos eletrônicos (ex: PJE), uma ferramenta que já permite citar diretamente as pessoas físicas e jurídicas que já estão ali cadastradas. Ex: alguém propõe uma ação contra a Caixa Econômica Federal; o sistema já terá esse cadastro e determinará a citação eletrônica dessa empresa pública por meio dessa ferramenta.

O CPC afirma que as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nesses sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.

As microempresas e as pequenas empresas deverão manter endereço eletrônico cadastrado no Redesim ou, se não tiverem, deverão fornecer o endereço eletrônico para o cadastro no CNJ.

 

Réu tem o dever processual de confirmar o recebimento da citação eletrônica

O réu citando deverá, em até 3 dias úteis, confirmar que recebeu a citação eletrônica.

Se passar o prazo de 3 dias úteis e a secretaria da vara não receber essa confirmação, irá se entender que o réu, por algum motivo, não recebeu a citação eletrônica. Neste caso, deverá ser realizada a citação pelos meios tradicionais:

a) correio;

b) oficial de justiça;

c) escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;

d) edital.

 

Vale ressaltar que na citação por correio eletrônico deverão conter orientações ao réu explicando como ele deverá realizar a confirmação do recebimento da citação. Ele poderá entrar no site do Tribunal e digitar um código identificador que lhe será fornecido e com o qual será confirmado que ele está ciente do processo.

 

Réu deverá explicar por que não confirmou o recebimento da citação eletrônica

Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu que não enviou o e-mail confirmando a citação, terá que apresentar justa causa para a ausência dessa confirmação.

Se o réu não justificar ou se o magistrado não concordar com a justificativa exposta, irá aplicar contra ele multa de até 5% do valor da causa por ato atentatório à dignidade da justiça:

 

Art. 246 (...)

§ 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente.

§ 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.

 

Termo inicial da fluência do prazo de resposta em caso de citação por meio eletrônico

O art. 231 do CPC afirma, em seus incisos, quando se inicia a fluência dos prazos processuais de acordo com cada situação.

 

Se a citação ou intimação

for pelo/por...

Qual é o dia do começo do prazo?

CORREIO

A data de juntada aos autos do aviso de recebimento (AR).

OFICIAL DE JUSTIÇA

A data de juntada aos autos do mandado cumprido.

ATO DO ESCRIVÃO OU

DO CHEFE DE SECRETARIA

A data de ocorrência da citação ou da intimação.

EDITAL

No dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz.

ELETRÔNICA

No dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê.

EM CUMPRIMENTO

DE CARTA

A data de juntada do comunicado de que trata o art. 232 ou, não havendo esse, a data de juntada da carta aos autos de origem devidamente cumprida.

DIÁRIO DA JUSTIÇA

(IMPRESSO OU ELETRÔNICO)

A data de publicação.

RETIRADA DOS AUTOS, EM CARGA, DO CARTÓRIO OU DA SECRETARIA

O dia da carga.

 

A Lei nº 14.195/2021 acrescentou o inciso IX ao art. 231 do CPC prevendo que:

- se a citação foi feita por meio eletrônico;

- o prazo para resposta do réu começa no quinto dia útil

- após o dia em que ele confirmar que recebeu a citação.

                                                                           

Veja o dispositivo inserido:

Art. 231.  Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:

(...)

IX - o quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico.

 

 

4) DESCRIÇÃO DO PEDIDO NA AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 397. O pedido formulado pela parte conterá:

Art. 397. O pedido formulado pela parte conterá:

I - a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa;

I - a descrição, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa, ou das categorias de documentos ou de coisas buscados;

II - a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou com a coisa;

II - a finalidade da prova, com indicação dos fatos que se relacionam com o documento ou com a coisa, ou com suas categorias;

III - as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária.

III - as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe, ainda que a referência seja a categoria de documentos ou de coisas, e se acha em poder da parte contrária.

 

 

5) NÃO LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO PASSA A SER CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 921.  Suspende-se a execução:

(...)

III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;

Art. 921.  Suspende-se a execução:

(...)

III - quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;

 

 

6) PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

O que é a prescrição intercorrente?

Prescrição intercorrente é aquela que ocorre durante o processo judicial em virtude da demora em se prolatar uma decisão pondo fim à causa.

 

“Revela-se a prescrição intercorrente em uma sanção civil pela inércia à continuidade do processo. Penaliza-se o autor da pretensão pela sua inércia, após o ajuizamento da ação, defendendo-se a tese de que o processo teria certo prazo para ser impulsionado.

Configura-se, portanto, quando o autor de um processo judicial em curso permanece inerte, de modo contínuo, durante o prazo estipulado em lei para a perda da pretensão. A prescrição intercorrente é aquela que ocorre dentro do processo. É uma prescrição de meio, no curso de um processo.” FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 367)

 

Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.” (Min. Luis Felipe Salomão).

 

O CPC/2015 disciplinou a prescrição intercorrente nos §§ 1º a 5º do art. 921.

A Lei nº 14.195/2021 promoveu alterações nessas regras, acrescentando ainda os §§ 4º-A, § 5º, § 6º e 7º.

 

Vamos entender a disciplina do CPC e o que mudou com o seguinte exemplo hipotético:

João ingressou com execução cobrando R$ 100 mil de Pedro.

O executado não pagou espontaneamente o débito e não foram localizados bens de Pedro que pudessem ser penhorados.

Ocorrendo isso, o juiz deverá proferir uma decisão suspendendo o processo, nos termos do art. 921, III, do CPC/2015:

Art. 921. Suspende-se a execução:

(...)

III - quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;

 

Vale ressaltar que a suspensão da execução com base no inciso III abrange quatro hipóteses:

1ª) quando o executado não é localizado (novidade da Lei nº 14.195/2021);

2ª) quando não é localizado nenhum bem do devedor (não tem nada em seu nome);

3ª) quando são localizados bens, mas estes se classificam como impenhoráveis (exs: o executado tem uma casa em seu nome, mas é bem de família; o executado possui uma poupança com menos de 40 salários mínimos depositados);

4ª) quando até foram localizados bens do devedor que podem ser penhorados, mas se alienados, não pagarão nem as custas da execução, nos termos do art. 836 do CPC/2015 (ex: o executado possui uma mobilete, ano 1990).

 

Por quanto tempo este processo ficará suspenso?

O juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 ano.

Neste período de 1 ano, ficará suspensa também a prescrição (§ 1º do art. 921).

 

Para que essa suspensão?

É um prazo concedido pela lei para que o credor possa tomar providências para localizar o executado ou bens penhoráveis do devedor. Ex: diligenciar nos cartórios, nas redes sociais etc.

 

O que acontece se, neste período, for localizado algum bem penhorável?

Neste caso, os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução (§ 3º do art. 921).

 

O que acontece se, passar esse prazo de 1 ano e não for localizado o executado ou bens penhoráveis do devedor?

A execução continuará suspensa. No entanto, o prazo prescricional voltará a correr.

Essa é uma novidade da Lei nº 14.195/2021:

· Antes: o termo inicial da prescrição intercorrente era o fim do prazo de 1 ano.

· Agora: o termo inicial da prescrição intercorrente é o dia em que o exequente teve ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis. Vale ressaltar, contudo, que, durante o prazo de 1 ano, esse prazo da prescrição intercorrente – que já começou – fica suspenso.

 

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 921 (...)

4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.

Art. 921 (...)

§ 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo.

 

Qual é o prazo prescricional da prescrição intercorrente?

Isso variar de acordo com o que está sendo executado. Isso porque a execução prescreve no mesmo prazo de prescrição da ação (Súmula 150-STF).

Ex1: João ingressou com execução de uma nota promissória contra Pedro (emitente). O prazo para se ingressar com ação de execução de nota promissória é de 3 anos. Isso significa que o prazo da prescrição intercorrente na execução da nota também será de 3 anos. Logo, depois de não se localizarem bens de Pedro, este terá que esperar 4 anos para se livrar do processo (1 ano de suspensão da prescrição + 3 anos até prescrever).

Ex2: João ingressou com ação de indenização contra Pedro. O juiz condenou o réu a pagar R$ 100 mil. Houve o trânsito em julgado. O credor iniciou o cumprimento de sentença. Não foram localizados bens penhoráveis. O prazo para que a pessoa ingresse com ação de reparação civil é de 3 anos (art. 206, § 3º, V, do Código Civil). Isso significa que o prazo da prescrição intercorrente no cumprimento de sentença de uma condenação de reparação civil também será de 3 anos. Logo, depois de não se localizarem bens de Pedro, este terá que esperar 4 anos para se livrar do processo (1 ano de suspensão da prescrição + 3 anos até prescrever).

Daí ter sido editado o Enunciado 196-FPPC: O prazo de prescrição intercorrente é o mesmo da ação.

 

A Lei nº 14.195/2021 acrescentou um artigo no Código Civil prevendo expressamente a prescrição intercorrente e afirmando, conforme a doutrina e a jurisprudência já defendiam, que o seu prazo é o mesmo da pretensão:

Art. 206-A. A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão, observadas as causas de impedimento, de suspensão e de interrupção da prescrição previstas neste Código e observado o disposto no art. 921 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

 

Assim, o conteúdo do art. 206-A do Código Civil não se constitui propriamente em uma novidade, não acrescentando nada em relação ao que já prevalecia na doutrina e jurisprudência. Vale registrar, contudo, que se trata de algo importante porque, antes da Lei nº 14.195/2021 (oriunda da MP 1.040/2021), por incrível que pareça, a prescrição intercorrente não era prevista no Código Civil.

 

A prescrição intercorrente pode ser decretada de ofício ou depende de requerimento do executado?

Pode ser decretada de ofício. No entanto, antes de decretar, o juiz deverá intimar as partes para que se manifestem no prazo de 15 dias:

 

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 921 (...)

§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo.

Art. 921 (...)

§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes.

 

Repare na parte final acrescentada: “sem ônus para as partes”.

O que o STJ dizia a respeito do tema?

Com base no princípio da causalidade, o executado que deveria arcar com o pagamento dos honorários e das custas processuais. Nesse sentido:

A prescrição intercorrente por ausência de localização de bens não retira o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para o exequente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1769201/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/03/2019.

 

Interrupção da prescrição intercorrente

Veja o § 4º-A inserido pela Lei nº 14.195/2021:

Art. 921 (...)

§ 4º-A A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz.

 

Alegação de nulidade e princípio do prejuízo

Veja o § 6º inserido pela Lei nº 14.195/2021:

Art. 921 (...)

§ 6º A alegação de nulidade quanto ao procedimento previsto neste artigo somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, que será presumido apenas em caso de inexistência da intimação de que trata o § 4º deste artigo.

 

Prescrição intercorrente se aplica também ao cumprimento de sentença

Veja o § 7º inserido pela Lei nº 14.195/2021:

Art. 921 (...)

§ 7º Aplica-se o disposto neste artigo ao cumprimento de sentença de que trata o art. 523 deste Código.

 

 

7) ALTERAÇÕES NA LEI 10.522/2002 (PGFN)

Autorização expressa para que a PGFN celebre acordos na fase de cumprimento de sentença

O art. 19-C da Lei nº 10.522/2002 prevê situações nas quais a Procuradoria da Fazenda Nacional poderá ficar dispensada da prática de atos processuais.

A Lei nº 14.195/2021 amplia a redação do art. 19-C afirmando que é possível a realização de acordos na fase de cumprimento de sentença:

 

LEI 10.522/2002

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 19-C. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá dispensar a prática de atos processuais, inclusive a desistência de recursos interpostos, quando o benefício patrimonial almejado com o ato não atender aos critérios de racionalidade, de economicidade e de eficiência.   (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Art. 19-C. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá dispensar a prática de atos processuais, inclusive poderá desistir de recursos interpostos, e autorizar a realização de acordos em fase de cumprimento de sentença, a fim de atender a critérios de racionalidade, de economicidade e de eficiência.

 

Autorização para que a PGFN contrate terceiros para auxiliar sua atividade de cobrança

Confira o novo art. 19-F que foi inserido pela Lei nº 14.195/2021:

Art. 19-F. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá contratar, por meio de processo licitatório ou credenciamento, serviços de terceiros para auxiliar sua atividade de cobrança.

§ 1º Os serviços referidos no caput deste artigo restringem-se à execução de atos relacionados à cobrança administrativa da dívida ativa que prescindam da utilização de informações protegidas por sigilo fiscal, tais como o contato com os devedores por via telefônica ou por meios digitais, e à administração de bens oferecidos em garantia administrativa ou judicial ou penhorados em execuções fiscais, incluídas atividades de depósito, de guarda, de transporte, de conservação e de alienação desses bens.

§ 2º O órgão responsável, no âmbito de suas competências, deverá regulamentar o disposto neste artigo e definir os requisitos para contratação ou credenciamento, os critérios para seleção das dívidas, o valor máximo admissível e a forma de remuneração do contratado, que poderá ser por taxa de êxito, desde que demonstrada a sua maior adequação ao interesse público e às práticas usuais de mercado.

 

 

8) COBRANÇAS REALIZADAS POR CONSELHOS PROFISSIONAIS (LEI 12.514/2011)

Qual é a natureza jurídica dos Conselhos Profissionais (exs.: CREA, CRM, COREN, CRO etc.)?

Os Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica de autarquias federais.

Exceção: a OAB que, segundo a concepção majoritária é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

 

Anuidades

Os Conselhos podem cobrar um valor todos os anos dos profissionais que integram a sua categoria. A isso se dá o nome de anuidade (art. 4º, II, da Lei nº 12.514/2011).

 

Qual é a natureza jurídica dessas anuidades?

Tais contribuições são consideradas tributo, sendo classificadas como “contribuições profissionais ou corporativas”.

As anuidades devidas aos conselhos profissionais constituem contribuições de interesse das categorias profissionais e estão sujeitas a lançamento de ofício, o qual apenas se aperfeiçoa com a notificação do contribuinte para efetuar o pagamento do tributo e o esgotamento das instâncias administrativas, em caso de recurso, sendo necessária a comprovação da remessa da intimação.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1689783/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 26/10/2020.

 

Fato gerador

O fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício (art. 5º da Lei nº 12.514/2011).

 

Execução fiscal

Como a anuidade é um tributo e os Conselhos profissionais são autarquias, em caso de inadimplemento, o valor devido é cobrado por meio de uma execução fiscal.

 

Competência

A execução fiscal, nesse caso é de competência da Justiça Federal, tendo em vista que os Conselhos são autarquias federais (Súmula 66 do STJ).

 

Lei nº 12.514/2011 fixou número mínimo de anuidades em atraso para ajuizamento da execução

O volume de inadimplência nesses Conselhos profissionais é muito alto, o que fazia com que fossem ajuizadas, anualmente, milhares de execuções fiscais, a maioria referente a pequenos valores, abarrotando a Justiça Federal. Além disso, o custo do processo judicial muitas vezes era superior ao crédito perseguido por meio da execução.

Pensando nisso, o legislador editou a Lei nº 12.514/2011, trazendo regras para racionalizar a cobrança das anuidades em atraso.

A Lei nº 14.195/2021 altera algumas dessas regras. Vejamos:

 

Não é possível a suspensão do exercício profissional em razão do inadimplemento de anuidades devidas à entidade de classe

A Lei nº 14.195/2021 inseriu o parágrafo único ao art. 4º da Lei nº 12.514/2011 prevendo o seguinte:

Art. 4º (...)

Parágrafo único. O inadimplemento ou o atraso no pagamento das anuidades previstas no inciso II do caput deste artigo não ensejará a suspensão do registro ou o impedimento de exercício da profissão.

 

Vale ressaltar que essa novidade legislativa apenas reflete o que já era o entendimento do STF sobre o tema:

É inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária.

STF. Plenário. RE 647885, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 27/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 732) (Info 978).

 

Situações nas quais os Conselhos podem deixar de cobrar créditos

Algumas vezes a pessoa está devendo ao Conselho Profissional, mas o valor é pequeno e os custos de eventual cobrança não justificam que se busque a satisfação desse crédito. Em outras palavras, o Conselho gastará mais cobrando do que terá ganho, se efetivamente conseguir receber.

Pensando nisso, o legislador autorizou, no art. 7º, que o Conselho deixe de cobrar valores que considere baixos.

A Lei nº 14.195/2021 altera a redação do art. 7º trazendo duas principais mudanças:

 

· Antes: o critério para deixar de efetuar a cobrança era previsto na própria Lei (R$ 5.000,00);

· Agora: os limites são definitivos pelo Conselho Federal do respectivo Conselho Profissional.

 

· Antes: a lei afirmava que o Conselho ficava dispensado da cobrança judicial, não mencionando a possibilidade de ficar também dispensado da cobrança administrativa.

· Agora: a lei fala em dois limites:

- se for muito custoso recuperar o crédito, não caberá a cobrança judicial (em tese, pode haver cobrança administrativa);

- se o valor for irrisório, neste caso, não caberá nem mesmo a cobrança administrativa.

 

LEI 14.195/2021

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 7º Os Conselhos poderão deixar de promover a cobrança judicial de valores inferiores a 10 (dez) vezes o valor de que trata o inciso I do art. 6º.

 

Art. 6º As anuidades cobradas pelo conselho serão no valor de: I - para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais);

Art. 7º Os Conselhos poderão, nos termos e nos limites de norma do respectivo Conselho Federal, independentemente do disposto no art. 8º desta Lei e sem renunciar ao valor devido, deixar de cobrar:

I - administrativamente, os valores definidos como irrisórios; ou

II - judicialmente, os valores considerados irrecuperáveis, de difícil recuperação ou com custo de cobrança superior ao valor devido.

 

Situação na qual os Conselhos estão proibidos de cobrar créditos

O volume de inadimplência nos Conselhos profissionais é muito alto, o que fazia com que fossem ajuizadas, anualmente, milhares de execuções fiscais, a maioria referente a pequenos valores, abarrotando a Justiça Federal. Além disso, o custo do processo judicial muitas vezes era superior ao crédito perseguido por meio da execução.

A fim de racionalizar o sistema, o art. 8º da Lei nº 12.514/2011 trouxe uma restrição de valor para que o Conselho possa ajuizar a execução fiscal cobrando as anuidades em atraso. O art. 8º afirmou o seguinte: se a dívida for abaixo de determinado valor, o Conselho não pode movimentar a máquina judiciária para cobrar essa quantia. Isso porque vale o custo/benefício dessa medida.

A Lei nº 14.195/2021 alterou a redação do art. 8º. Vejamos:

 

Lei 12.514/2011

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente.

Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação da ética ou a suspensão do exercício profissional.

Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não obsta ou limita a realização de medidas administrativas de cobrança, tais como a notificação extrajudicial, a inclusão em cadastros de inadimplentes e o protesto de certidões de dívida ativa.

§ 2º Os executivos fiscais de valor inferior ao previsto no caput deste artigo serão arquivados, sem baixa na distribuição das execuções fiscais, sem prejuízo do disposto no art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980.

 

Art. 6º As anuidades cobradas pelo conselho serão no valor de: I - para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais);

(...)

§ 1º Os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo.

 

Vale ressaltar que o art. 8º da Lei nº 12.514/2011 deve ser aplicado também para as anuidades da OAB (STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1382719/MS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 13/12/2018).

 

VIGÊNCIA

No que tange aos dispositivos acima explicados, a Lei nº 14.195/2021 já entrou em vigor em 27/08/2021, estando produzindo seus efeitos.

 

 

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