Imagine
a seguinte situação hipotética:
João
era empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa
pública federal.
Ele
se aposentou voluntariamente, por tempo de contribuição, no regime geral de
previdência social (INSS), mas continuou trabalhando normalmente nos Correios.
Passado
algum tempo, a ECT determinou o desligamento de João alegando que ele não
poderia ter continuado trabalhando tendo em vista que a aposentadoria voluntária
do empregado público causa a automática extinção do vínculo empregatício. Logo,
quando ele se aposentou, teria sido rompido o vínculo empregatício.
Inconformado,
João ingressou com ação de reintegração, na Justiça do Trabalho, argumentando
que a mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por
efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. Assim,
seria permitido ao empregado público requerer a aposentadoria voluntária pelo
RGPS e continuar trabalhando.
Primeira
pergunta: a Justiça do Trabalho é realmente competente para julgar esta causa?
NÃO.
A competência é da Justiça Comum. Em nosso exemplo, Justiça Comum Federal (porque
envolve os Correios, ou seja, uma empresa pública federal).
A
justiça comum (federal ou estadual, a depender da entidade envolvida) é
competente para processar e julgar ação em que se discute a reintegração de
empregados públicos dispensados em face da concessão de aposentadoria
espontânea. Isso porque, neste caso, não se discute relação de trabalho, mas
somente a possibilidade de reintegração ao emprego público na eventualidade de
se obter aposentadoria administrada pelo INSS.
E
quanto ao mérito: João tem direito de ser reintegrado?
Depende. Veja:
A concessão de aposentadoria ao empregado público, com utilização do tempo de contribuição, acarreta obrigatoriamente o rompimento do vínculo trabalhista? |
|
Antes da EC 103/2019: NÃO |
Depois da EC 103/2019: SIM |
Antes
da EC 103/2019, era possível a manutenção do vínculo trabalhista, com a
acumulação dos proventos com o salário: O
STF, por ocasião do julgamento da ADI 1.770/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, e
da ADI 1.721/DF, Rel. Min. Ayres Britto, declarou inconstitucionais o § 1º e
o § 2º do art. 453 da CLT, sob o fundamento de que a mera concessão da
aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir,
instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. A
contrario sensu, pode-se afirmar, então, que é permitido ao empregado
público requerer a aposentadoria voluntária no Regime Geral de Previdenciária
Social e continuar trabalhando e, consequentemente, recebendo a respectiva
remuneração. Isso porque em tais situações não há acumulação vedada pela
Constituição Federal. STF.
Plenário. Rcl 9762 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/05/2013. |
A
concessão de aposentadoria, com utilização do tempo de contribuição, leva ao
rompimento do vínculo trabalhista nos termos do art. 37, § 14, da CF/88: Art.
37 (...) § 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de
contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do
Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que
gerou o referido tempo de contribuição. (Incluído pela EC 103/2019) |
Após
a inserção do art. 37, § 14, pela EC 103/2019, a Constituição Federal, de modo
expresso, definiu que a aposentadoria faz cessar o vínculo ao cargo, emprego ou
função pública cujo tempo de contribuição embasou a passagem do
servidor/empregado público para a inatividade, inclusive quando feita sob o RGPS.
Vale ressaltar,
contudo, que a EC 103/2019 afirmou que não se aplica o novo § 14 do art. 37 da
CF/88 às aposentadorias já concedidas pelo RGPS até a data de sua entrada em
vigor da Emenda:
Art.
6º O disposto no § 14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias
concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em
vigor desta Emenda Constitucional.
O
tema foi apreciado pelo STF sob a sistemática da repercussão geral, tendo sido
fixada a seguinte tese:
A natureza do ato de demissão de
empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que
atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão.
A concessão de aposentadoria aos
empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art.
37, § 14, da Constituição Federal, salvo para as aposentadorias concedidas pelo
Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional
103/09, nos termos do que dispõe seu art. 6º.
STF. Plenário. RE 655283/DF, Rel. Min. Marco
Aurélio, redator do acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 16/6/2021
(Repercussão Geral – Tema 606) (Info 1022).