A situação concreta foi a
seguinte:
Em 07/08/2009, foi promulgada a
Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009).
Logo em seguida, em 15/09/2009, o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ADI contra os
seguintes dispositivos da então recém aprovada Lei nº 12.016/2009:
· art. 1º, § 2º;
· art. 7º, III e § 2º;
·
art. 22, § 2º;
·
art. 23;
·
art. 25.
Em 2021, a ação foi julgada.
Vejamos com calma cada um dos pontos decididos.
Art. 1º, § 2º:
constitucional
Confira inicialmente a redação do dispositivo:
Art. 1º (...)
§ 2º Não cabe mandado de segurança
contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas
públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço
público.
A OAB alegou que a Lei, ao
cercear a possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário dos atos de gestão
comercial, interferiu na harmonia e independência entre os Poderes.
O STF rejeitou o pedido neste
ponto e decidiu que o art. 1º, § 2º da Lei nº 12.016/2009 é constitucional.
Desse modo, é válido dizer que:
STF. Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco
Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info
1021).
Por que essa restrição imposta
pela Lei é legítima?
Segundo o art. 5º, LXIX, da CF/88, o ajuizamento do mandado
de segurança somente é cabível contra atos praticados no desempenho de
atribuições do poder público:
Art. 5º (...)
LXIX - conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus”
ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público;
Atos de gestão comercial são atos
estranhos à ideia da delegação do serviço público em si. Esses atos se destinam
à satisfação de interesses privados na exploração de atividade econômica,
submetendo-se a regime jurídico próprio das empresas privadas.
Em palavras mais simples, se um
administrador de empresa pública, sociedade de economia mista ou concessionária
de serviço público pratica um ato de gestão comercial, ele não está atuando “no
exercício de atribuições do Poder Público”. A gestão comercial dessas empresas
é assunto de caráter nitidamente privado. Logo, não cabe realmente mandado de
segurança por força da própria previsão constitucional.
A despeito de não ter sido
mencionada pelo STF, vale a pena recordarmos a Súmula 333 do STJ, cuja redação
é a seguinte:
Súmula 333-STJ: Cabe mandado de segurança contra ato praticado
em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública.
(Aprovada em 13/12/2006, DJ 14/02/2007)
Esse enunciado permanece válido
mesmo com o art. 1º, § 2º da Lei nº 12.016/2009. Isso porque os atos praticados
em licitação possuem natureza jurídica de atos administrativos (e não de atos
de gestão comercial).
Conforme muito bem explica Renério de Castro Júnior (Manual
de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 200)
“Os atos
praticados por empresas públicas e sociedades de economia mista devem ser
caracterizados, em regra, como atos privados.
Contudo, os
atos praticados por estatais no desempenho de funções administrativas, como em
concurso público ou licitação, são considerados atos materialmente administrativos.
Por tal
motivo, é possível o ajuizamento de mandado de segurança contra atos dos
dirigentes das empresas estatais, quando praticados na qualidade de autoridade
pública:
Súmula nº
333-STJ: Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida
por sociedade de economia mista ou empresa pública.
Por outro
lado, não caberá o MS quando o ato for de mera gestão econômica. Esse
entendimento inicialmente jurisprudencial foi consolidado na Lei 12.016/09 (Lei
do Mandado de Segurança), a qual prevê:
Art. 1º (...)
§ 2º Não cabe
mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos
administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de
concessionárias de serviço público.”
Art. 7º, III: constitucional
Confira o que diz o dispositivo impugnado:
Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz
ordenará:
(...)
III - que se suspenda o ato que deu
motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder
resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o
objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
Esse dispositivo trata sobre a
possibilidade de se conceder medida liminar em mandado de segurança.
A OAB impugnou a parte final do
dispositivo. Segundo a entidade, seria inconstitucional exigir o pagamento
prévio de caução, depósito ou fiança para a concessão de liminar.
O STF não concordou com a autora.
No exercício do seu poder geral
de cautela, o magistrado pode analisar se determinado caso específico exige
caução, fiança ou depósito.
A caução, fiança ou depósito
previstos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2019 configuram mera faculdade, que
pode ser exercida se o magistrado entender ser necessária para assegurar o
ressarcimento a pessoa jurídica.
Não se trata, portanto, de um obstáculo ao poder geral de
cautela, mas uma faculdade que vai ao encontro do art. 300, § 1º, do CPC:
Art. 300. A tutela de urgência será
concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a
concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução
real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir
a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente
hipossuficiente não puder oferecê-la.
(...)
Desse modo, é válido dizer que:
STF.
Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min.
Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info 1021).
Art. 7º, § 2º: inconstitucional
Esse dispositivo proíbe a concessão de liminar em mandado de
segurança para a compensação de créditos tributários, entrega de mercadorias e
bens provenientes do exterior:
Art. 7º (...)
§ 2º Não será concedida medida liminar
que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de
mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação
de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou
pagamento de qualquer natureza.
O STF considerou inconstitucional impedir ou condicionar a
concessão de medida liminar, o que caracteriza verdadeiro obstáculo à efetiva
prestação jurisdicional e à defesa do direito líquido e certo do impetrante. A
Corte concluiu que:
STF. Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco
Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info
1021).
Atenção! Em virtude dessa decisão
do STF, fica superada a Súmula 212 do STJ:
Súmula 212-STJ: A compensação de créditos tributários não
pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou
antecipatória. (entendimento superado)
Art. 22, § 2º:
inconstitucional
Confira o que diz o dispositivo:
Art. 22. (...)
§ 2º No mandado de segurança coletivo,
a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da
pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72
(setenta e duas) horas.
O STF julgou inconstitucional a exigência de oitiva
prévia do representante da pessoa jurídica de direito público como condição
para a concessão de liminar em mandado de segurança coletivo, por considerar
que a disposição restringe o poder geral de cautela do magistrado.
Conforme argumentou o Min. Marco Aurélio:
“O preceito contraria o sistema
judicial alusivo à tutela de urgência. Se esta surge cabível no caso concreto,
é impertinente, sob pena de risco do perecimento do direito, estabelecer
contraditório ouvindo-se, antes de qualquer providência, o patrono da pessoa
jurídica. Conflita com o acesso ao Judiciário para afastar lesão ou ameaça de
lesão a direito.
Tenho como inconstitucional o artigo
22, § 2º, da Lei nº 12.016/2009.”
Art. 23: constitucional
O art. 23 da Lei nº 12.016/2009 prevê um prazo decadencial de
120 dias para a impetração do mandado de segurança:
Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança
extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo
interessado, do ato impugnado.
A OAB questionou esse prazo sob o
argumento de que ele não está previsto na Constituição Federal e, portanto, não
poderia ter sido fixado pelo legislador infraconstitucional.
O STF, contudo, rejeitou o
argumento. A Corte tem entendimento consolidado no sentido de que essa fixação
de prazo é compatível com a Constituição Federal, conforme consta na Súmula
632, aprovada em 24/09/2003:
Súmula 632-STF: É constitucional lei que fixa o prazo de
decadência para a impetração de mandado de segurança.
Assim, depois que uma autoridade
praticar um ato ilegal ou abusivo, a pessoa prejudicada terá o prazo de até 120
dias para impugná-lo por meio de mandado de segurança. Ultrapassado este
período, o interessado continua com o direito de questionar o ato, mas deverá
fazer isso mediante ação ordinária.
O termo inicial deste prazo é a
data em que a pessoa prejudicada teve ciência do ato.
Obs: no caso de mandado de
segurança preventivo, não há prazo decadencial.
STF.
Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min.
Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info 1021).
Art. 25: constitucional
O art. 25 da Lei nº 12.016/2009 prevê que não é cabível, no
processo de mandado de segurança, a condenação ao pagamento de honorários:
Art. 25. Não cabem,
no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo
da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.
A OAB questionou esse trecho acima
destacado.
O STF, contudo, rejeitou o pedido
e afirmou que essa previsão é constitucional.
Vale ressaltar, inclusive, que a
Corte possui entendimento sumulado, desde 03/12/1969, no sentido de que não cabem honorários de
sucumbência na via mandamental:
O STJ também comunga da mesma posição:
Súmula 105-STJ:
Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários
advocatícios.
Vale ressaltar que o art. 25 veda exclusivamente
honorários sucumbenciais, não tratando sobre honorários advocatícios
contratuais. Assim, é lícita a cobrança, por parte do advogado, de honorários ajustados
com o seu cliente por meio de contrato.
STF.
Plenário. ADI 4296/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min.
Alexandre de Moraes julgado em 9/6/2021 (Info 1021).
Com base nesse entendimento, o
Plenário, por maioria julgou parcialmente procedente os pedidos formulados na
ADI e julgou
·
inconstitucionais o art. 7º, § 2º e o art. 22, § 2º, da Lei nº 12.016/2009;
· constitucionais o art. 1º, § 2º, o art. 7º, III, o art. 23 e o art. 25 da Lei nº 12.016/2009.