Olá, amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada hoje a Lei nº
14.192/2021, que trata sobre os seguintes assuntos:
·
estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política
contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus
direitos políticos e de suas funções públicas;
·
estabelece normas para assegurar a participação de mulheres em debates
eleitorais;
·
dispõe sobre o crime de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no
período de campanha eleitoral.
Participação política da
mulher deve ser garantida
Art. 2º Serão garantidos os direitos de participação política da
mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de
sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no
exercício de funções públicas.
Parágrafo único. As autoridades competentes priorizarão o
imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às
declarações da vítima e aos elementos indiciários.
O que é considerado
violência política contra a mulher?
Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda
ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou
restringir os direitos políticos da mulher.
Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência
política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no
reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades
políticas fundamentais, em virtude do sexo.
A violência política é
prevista na Lei Maria da Penha?
Não expressamente. O art. 7º da
Lei nº 11.340/2006 fala em:
a) violência física;
b) violência psicológica;
c) violência sexual;
d) violência patrimonial;
e) violência moral.
No entanto, como bem percebeu
Rogério Sanches, o rol do art. 7º da Lei Maria da Penha é exemplificativo, o
que se constada pela parte final da redação do caput:
Art. 7º São formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
(...)
Assim, a Lei nº 14.192/2021 buscou
coibir a violência política contra mulher, situação que não estava
expressamente disciplinada na Lei Maria da Penha.
ALTERAÇÕES
NO CÓDIGO ELEITORAL
Propaganda eleitoral que
gere discriminação da mulher é proibida (art. 243)
O art. 243 do Código Eleitoral
elenca alguns tipos de propaganda que são proibidas.
A Lei nº
14.192/2021 acrescentou o inciso X, afirmando que é vedada a propaganda que
gere discriminação da mulher em razão do seu gênero, cor, raça ou etnia:
Art. 243. Não será tolerada propaganda:
(...)
X - que deprecie a condição de mulher ou estimule sua
discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou
etnia.
Alterações no crime de divulgação
de fatos inverídicos (art. 323 do CE)
O art. 323 do Código Eleitoral
prevê o crime de divulgação de fatos inverídicos na propaganda.
A Lei nº
14.192/2021 altera a sua redação. Compare:
CÓDIGO ELEITORAL |
|
Antes |
Atualmente |
Art. 323. Divulgar, na
propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e
capazes de exercerem influência perante o eleitorado: Pena - detenção de dois meses a
um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. |
Art. 323. Divulgar, na
propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe
inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer
influência perante o eleitorado: Pena - detenção de dois meses a
um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. |
|
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou
vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos. |
Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido
pela imprensa, rádio ou televisão. Obs: o art. 285 do CE afirma
que “Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o ‘quantum’,
deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena
cominada ao crime.” |
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3
(um terço) até metade se o crime: I - é cometido por meio da
imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo
real; II - envolve menosprezo ou discriminação à condição de
mulher ou à sua cor, raça ou etnia. |
·
Antes da Lei nº 14.192/2021: não era considerado como crime do art. 323 do CE
divulgar fatos inverídicos fora da propaganda eleitoral. Exigia-se que essa
divulgação tivesse ocorrido na propaganda. Nesse sentido:
(...) 1. O art. 323 do Código Eleitoral refere-se à divulgação
de fatos inverídicos na propaganda, conceito que deve ser interpretado
restritivamente, em razão do princípio da reserva legal.
(...)
3. Na espécie, os textos jornalísticos publicados na imprensa
escrita não eram matérias pagas, razão pela qual ainda que tivessem
eventualmente divulgado opiniões sobre candidatos não podem ser caracterizados
como propaganda eleitoral, impedindo, por consequência, a tipificação do crime
previsto no art. 323 do Código Eleitoral. (...)
(Recurso Especial Eleitoral nº 35977, Acórdão, Relator(a) Min.
Felix Fischer, Publicação: RJTSE -
Revista de jurisprudência do TSE, Volume 20, Tomo 4, Data 15/10/2009, Página 301)
· Depois da Lei nº 14.192/2021: passou a ser crime divulgar os fatos inverídicos na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral. Assim, não mais se exige que a divulgação tenha ocorrido na propaganda.
Outras três mudanças:
1) Inserção de uma conduta
equiparada dizendo que responde pelo crime quem “produz, oferece ou vende vídeo
com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos”.
2) Nova causa de aumento de pena
para a divulgação dos fatos inverídicos “por meio da internet ou de rede social”.
Ex: divulgação de mensagens falsas pelo WhatsApp.
3) Inserção de nova causa de
aumento de pena caso os fatos inverídicos envolvam “menosprezo ou discriminação
à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.”
Previsão de um novo crime
eleitoral: violência política contra a mulher (art. 326-B)
A Lei nº
14.192/2021 acrescenta o art. 326-B ao Código Eleitoral prevendo novo tipo
penal, nos seguintes termos:
Art. 326-B. Assediar, constranger,
humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou
detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição
de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de
dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa.
Em que consiste o crime:
Assediar, constranger,
humilhar, perseguir ou ameaçar... |
...por qualquer meio |
a) candidata a cargo eletivo
ou b) detentora de mandato
eletivo |
... utilizando-se de
menosprezo ou discriminação |
· à sua condição de mulher ou ·
à sua cor, raça ou etnia |
... com a finalidade de
impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu
mandato eletivo. |
Sujeito ativo:
Consiste em crime comum, podendo ser
praticado por qualquer pessoa.
Sujeito passivo:
Trata-se de crime próprio, considerando
que a vítima deverá ser uma mulher que seja:
a) candidata a cargo eletivo;
b) detentora de mandato eletivo.
Prevalece na doutrina e jurisprudência que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada para a mulher transgênero, ainda que não tenha se submetido a cirurgia de redesignação sexual. Logo, penso que o mesmo raciocínio se aplicará ao presente caso, de forma que a mulher transgênero pode ser vítima do crime do art. 326-B do CE.
Vale ressaltar que não configura esse crime caso a conduta tenha sido praticada contra “pré-candidata”. Segundo a jurisprudência do TSE, a condição de candidato somente é obtida a partir da formalização do pedido de registro de candidatura” (Consulta nº 060106664, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 51, Data 14/03/2018).
Importante também destacar que não
há crime se a vítima for apenas suplente e não estiver no exercício do mandato
eletivo. Assim, por exemplo, se a humilhação foi praticada contra uma suplente
do cargo de Senador, não haverá o crime do art. 326-B do CE por não ser ela
“detentora de mandato eletivo”.
Forma livre
É classificado como crime de “forma
livre”, tendo em vista que pode ser “por qualquer meio”.
Condição de mulher ou à sua
cor, raça ou etnia
Importante ressaltar que o crime
não combate apenas a discriminação de gênero, punindo também o menosprezo ou a
discriminação à cor, raça ou etnia da candidata ou da detentora de mandato
eletivo.
É o caso, por exemplo, de uma
humilhação feita contra determinada Deputada invocando menosprezo pela região
do país onde ela nasceu.
Elemento subjetivo
O crime é punido a título de
dolo.
Vale ressaltar, no entanto, que o
tipo exige um elemento subjetivo especial (“finalidade específica”). Isso
porque o agente deve ter praticado a conduta “com a finalidade de impedir ou de
dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.
Consumação
O crime se consuma com a prática
de ato consistente em assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar a
vítima.
Não se exige resultado
naturalístico. Trata-se de crime formal.
Ação penal
O delito é de ação penal pública
incondicionada.
Aliás, todos os crimes eleitorais
são de ação pública incondicionada, conforme prevê o art. 355 do Código
Eleitoral:
Art. 355. As infrações penais
definidas neste Código são de ação pública.
Causa de
aumento de pena:
Parágrafo único. Aumenta-se a pena
em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher:
I - gestante;
II - maior de 60 (sessenta) anos;
III - com deficiência.
Novas causas de aumento de
pena para a calúnia, difamação e injúria eleitoral
Os arts. 324,
325 e 326 do Código Eleitoral punem a calúnia, a difamação e a injúria
eleitoral, respectivamente:
Art. 324. Caluniar alguém, na
propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente
fato definido como crime:
Pena - detenção de seis meses a dois
anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.
Art. 325. Difamar alguém, na
propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato
ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção de três meses a um
ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.
Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda
eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o
decoro:
Pena - detenção até seis meses, ou
pagamento de 30 a 60 dias-multa.
No art. 327 são previstas causas
de aumento de pena para esses crimes.
A Lei nº
14.192/2021 alterou o caput do art. 327 e acrescentou duas novas causas de
aumento:
CÓDIGO ELEITORAL |
|
Antes |
Atualmente |
Art. 327. As penas cominadas
nos artigos. 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes
é cometido: (...) |
Art. 327. As penas cominadas
nos arts. 324, 325 e 326 aumentam-se de 1/3 (um terço) até metade, se qualquer dos
crimes é cometido: (...) |
Não havia. |
IV - com menosprezo ou
discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia; |
Não havia. |
V - por meio da internet ou de
rede social ou com transmissão em tempo real. |
ALTERAÇÃO
NA LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS
A Lei nº 14.192/2021 inseriu o
inciso X no art. 15 da Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), com a
seguinte redação:
Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas
sobre:
(...)
X - prevenção, repressão e combate à violência
política contra a mulher.
ALTERAÇÃO
NA LEI DAS ELEIÇÕES
A Lei nº
14.192/2021 alterou o inciso II no art. 46 da Lei nº 9.504/97 (Lei das
Eleições). Compare:
LEI DAS ELEIÇÕES
(LEI 9.504/97) |
|
Antes |
Atualmente |
Art. 46. Independentemente da veiculação de
propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a
transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições
majoritária ou proporcional, assegurada a participação de candidatos dos
partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco
parlamentares, e facultada a dos demais, observado o seguinte: (...) |
|
II - nas eleições
proporcionais, os debates deverão ser organizados de modo que assegurem a
presença de número equivalente de candidatos de todos os partidos e
coligações a um mesmo cargo eletivo, podendo desdobrar-se em mais de um dia; |
II - nas eleições proporcionais,
os debates poderão desdobrar-se em mais de um dia e deverão ser organizados
de modo que assegurem a presença de número equivalente de candidatos de todos
os partidos que concorrem a um mesmo cargo eletivo, respeitada a proporção de homens e mulheres estabelecida
no § 3º do art. 10 desta Lei; |
Art. 10 (...)
§ 3º Do número de vagas
resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação
preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por
cento) para candidaturas de cada sexo.
VIGÊNCIA
A Lei nº 14.192/2021 entrou em
vigor na data de sua publicação (05/08/2021).
Os partidos políticos deverão
adequar seus estatutos ao disposto na Lei nº 14.192/2021 no prazo de 120 dias,
contado da data de sua publicação.
Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal