Dizer o Direito

quinta-feira, 3 de junho de 2021

O pai registrou o filho recém-nascido com nome diferente daquele que havia sido combinado. A mãe da criança poderá retificar o nome, fazendo prevalecer o que havia sido ajustado?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas e Carolina eram namorados. Ela ficou grávida e deu à luz uma menina.

Ainda durante a gestação, Lucas e Carolina combinaram que o nome da filha seria “Valentina”. Isso foi reafirmado logo após o parto.

De posse da DNV (Declaração de Nascido Vivo) emitida pela maternidade, Lucas foi até o cartório registrar a filha. Ocorre que, contrariando aquilo que havia combinado com Carolina, Lucas acrescentou um prenome e registrou a criança como sendo “Diane Valentina”.

Segundo alega Carolina, Lucas teria feito isso como forma de “vingança”. Isso porque seria uma gravidez não desejada por ele. Assim, ele teria colocado “Diane” por ser o nome de um anticoncepcional, que seria utilizado regularmente pela mãe e que não teria sido eficaz a ponto de evitar a concepção.

Resumindo o caso: os pais da criança haviam ajustado um nome, mas o pai, no momento do registro, decidiu alterar o combinado.

Logo depois do fato, o casal rompeu o namoro.

Inconformada com a atitude de Lucas, Carolina ajuizou ação de retificação de registro civil, por meio da qual pediu a exclusão do prenome Diane da filha.

 

Esse pedido pode ser admitido?

SIM.

O nome é um relevante atributo da personalidade, razão pela qual é necessário que se tenha sensibilidade para compreender o impacto que a manutenção de um nome indesejado pode causar às pessoas, especialmente às crianças.

Para os pais, a escolha do nome dos filhos é um momento muito especial. É algo que normalmente começa a ser conversado ainda durante o período da gravidez. Em geral, isso gera inúmeras reflexões, incertezas e múltiplas opiniões até que se escolha, enfim, qual será o nome do filho ou da filha.

A escolha do nome da criança, formalizada em ato solene perante o registro civil consiste, portanto, na concretização de muitos atos anteriormente praticados. Esses atos não ficam limitados à esfera íntima dos pais, envolvendo também outras pessoas e atos concretos, como, por exemplo, a confecção de enxovais, lembranças, decorações, além do recebimento de presentes com o nome da criança.

Nas exatas palavras da Min. Nancy Andrighi:

“Dar nome à prole é típico ato de exercício do poder familiar e, talvez, seja um dos que melhor represente a ascendência dos pais em relação aos filhos, na medida em que o nomeado, recém-nascido, pouco ou nada pode fazer para obstá-lo.”

 

Ato bilateral e consensual

Dar nome aos filhos é um ato:

· bilateral, salvo na falta ou impedimento de um dos pais (art. 1.631, caput, do CC):

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

 

· e consensual, ressalvada a possibilidade de o juiz solucionar eventual desacordo existente entre eles (art. 1.631, parágrafo único, do CC/2002). Logo, não é ato que admita a autotutela:

Art. 1.631 (...)

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

 

Exercício abusivo do direito de nomear a criança

Na hipótese, havia um consenso prévio entre os genitores sobre o nome a ser dado à filha. Esse acordo foi unilateralmente rompido pelo pai, que era a única pessoa legitimada a promover o registro civil da criança diante da situação de parturiência da mãe.

Trata-se de ato que violou o dever de lealdade familiar e o dever de boa-fé objetiva e que, por isso mesmo, não deve merecer guarida do ordenamento jurídico, na medida em que a conduta do pai configurou exercício abusivo do direito de nomear a criança.

 

É irrelevante analisar a motivação do pai

Vale ressaltar que é irrelevante apurar se houve, ou não, má-fé ou intuito de vingança do genitor.

A conduta do pai de descumprir o que foi combinado é considerada um ato ilícito, independentemente da sua intenção.

 

Em suma:

É admissível a exclusão de prenome da criança na hipótese em que o pai informou, perante o cartório de registro civil, nome diferente daquele que havia sido consensualmente escolhido pelos genitores.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.905.614-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/05/2021 (Info 695).

 

Houve, neste caso, exercício abusivo do direito de nomear o filho, o que autoriza a modificação posterior do nome da criança, na forma do art. 57, caput, da Lei nº 6.015/73:

Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.


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