A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:
Débora foi abordada pela polícia
em via pública.
Os agentes encontraram com ela um
papelote de cocaína.
Ao realizar vistoria no veículo,
os policiais localizaram mais dois papelotes.
Os policiais se dirigiram até a
casa de Débora e lá encontraram outro papelote.
Débora foi presa em flagrante e
denunciada pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).
Os policiais militares, ao serem
ouvidos em juízo como testemunhas, declararam que Débora, no momento da
abordagem, confessou que vendia drogas.
No seu interrogatório, a ré
confirmou a propriedade das drogas, mas alegou que seriam destinadas ao seu
consumo.
O juiz condenou a ré utilizando
como argumento o fato de que ela teria confessado a prática do crime no momento
da prisão.
Para o STF, a condenação
deve ser mantida?
NÃO.
Não se
admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais prestadas a
policiais no momento da prisão em flagrante.
STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
4/5/2021 (Info 1016).
Preso deve ser informado do
direito de ficar calado
A CF/88 determina que as autoridades estatais informem os
presos que eles possuem o direito de permanecer em silêncio:
Art. 5º (...)
LXIII - o preso será informado de seus
direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado;
O direito ao silêncio, que
assegura a não produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do
sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões
do princípio da dignidade da pessoa humana.
A cláusula constitucional do
direito ao silêncio guarda semelhanças com o “aviso de Miranda” (Miranda
warning) do direito norte-americano.
Miranda warning
Conforme explica Leonardo Barreto Moreira Alves:
“Nesse
contexto, interessante registrar que, nos Estados Unidos, há o instituto
conhecido como Miranda warning ou Miranda rights (aviso de
Miranda ou advertência de Miranda), que consiste na leitura dos direitos do
preso feita pelo policial no momento da prisão, sob pena de se invalidar tudo
aquilo que for dito pelo agente. Tal instituto tem origem no julgamento Miranda
V. Arizona, realizado pela Suprema Corte norte-americana em 1966, em que se
decidiu, por 5 (cinco) votos a 4 (quatro), que as declarações prestadas pela
pessoa presa à polícia não teriam qualquer valor a não ser que ela fosse
claramente informada 1) que tem o direito de ficar calada; 2) que tudo o que
for dito pode ser utilizado contra ela; 3) que tem direito à assistência de
defensor constituído ou nomeado.” (Manual de Processo Penal. Salvador:
Juspodivm, 2021, p. 102).
þ
(Promotor MP/GO 2014) Em audiência especialmente designada para o
interrogatório do réu F. Kafka, o magistrado Edmund. M. deixou de informar-lhe,
antes do início do ato, acerca de seu direito de permanecer calado e de não
responder as perguntas que lhe fossem formuladas”. Nas pegadas do entendimento
adotado pelo STF quando do julgamento do HC 82.463, a ausência dessa
informação, por si só, acarreta a nulidade do ato processual, com o consequente
desentranhamento do respectivo termo de interrogatório. Assim, pode-se dizer
que a cláusula constitucional do direito ao silêncio guarda semelhanças com o
“aviso de Miranda” do direito norte-americano. (certo)
Voltando ao caso concreto
No caso concreto, os responsáveis
pela prisão não informaram a ré sobre seu direito de permanecer em silêncio.
A
falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida
a partir dessa confissão.
Existe outro julgado recente no
mesmo sentido:
(...) 3. Aviso de Miranda. Direitos e garantias fundamentais. A
Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu
direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da
abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante
delito.
4. Inexistência de provas independentes no caso concreto.
Nulidade da condenação. (...)
STF. 2ª Turma. RHC 192798 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em
24/02/2021.
A falta da advertência
quanto ao direito ao silêncio é causa de nulidade absoluta?
O julgado acima comentado não
aborda expressamente o tema. No entanto, existem julgados do próprio STF e do
STJ afirmando que essa nulidade seria relativa e, portanto, dependeria da
comprovação do prejuízo no caso concreto, além de estar sujeita à preclusão:
(...) A aventada nulidade, por não observância ao direito ao
silêncio, e sua repercussão em toda cadeia processual, não se afigura evidente
de plano, tanto por incidência, à espécie do princípio da pas de nulitte
sans grief, como por demonstrada a preclusão da tese arguida. (...)
STF. 2ª Turma. RHC 182519 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em
08/04/2021.
(...) INTERROGATÓRIO – DIREITO AO SILÊNCIO – ADVERTÊNCIA.
Vício decorrente da ausência de advertência, em interrogatório,
do direito de permanecer em silêncio há de ser aferido consideradas as
circunstâncias do caso concreto, não surgindo configurado uma vez acompanhado o
acusado de advogado, o qual não manifestou inconformismo.
NULIDADE – INTERROGATÓRIO – OPORTUNIDADE. Nulidade referente a
interrogatório deve ser alegada de imediato, implicando preclusão a ausência de
protesto oportuno.
STF. 1ª Turma. HC 144943, Rel. Marco Aurélio, julgado em
30/11/2020.
(...) 4. No que concerne à
alegada nulidade do depoimento prestado perante a autoridade policial, em
virtude da ausência de informação a respeito do direito de permanecer em
silêncio, consigno que, no moderno processo penal, eventual alegação de
nulidade deve vir acompanhada da efetiva demonstração do prejuízo, o que não
foi sequer indicado no presente recurso. Nesse contexto, a simples alegação de
que o recorrente não foi alertado do seu direito ao silêncio, em nada repercute
sobre a higidez processual. (...)
STJ. 5ª Turma. RHC 77.238/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares Da
Fonseca, julgado em 11/05/2021.
(...) A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que a ausência de informação quanto ao direito ao silêncio constitui nulidade relativa, dependendo da comprovação de efetivo prejuízo. (...)
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 608.751/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 23/03/2021.