Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é portador de hepatite C
crônica. O médico receitou para ele um medicamento chamado “Viekira Pak” que,
na época, custava cerca de R$ 100 mil.
João solicitou que o plano de
saúde fornecesse a ele o medicamento.
A operadora negou o custeio sob o
argumento de que se trata de um remédio de uso domiciliar.
Medicamento de uso domiciliar é
aquele prescrito pelo médico para administração em ambiente externo ao da
unidade de saúde.
O Viekira Park é um remédio comercializado
em drogarias, constituído por comprimidos que podem ser ingeridos em domicílio.
Logo, enquadra-se no conceito de medicamento de uso domiciliar.
Inconformado com a recusa, João ajuizou
ação de obrigação de fazer contra o plano pedindo o fornecimento do fármaco.
A questão chegou até o STJ.
O que decidiu o Tribunal? O plano de saúde é obrigado a fornecer medicamentos para
tratamento domiciliar (remédios de uso domiciliar)?
REGRA: em regra, os planos de saúde não são obrigados a
fornecer medicamentos para tratamento domiciliar.
EXCEÇÕES. Os planos de saúde são
obrigados a fornecer:
a) os antineoplásicos orais (e
correlacionados);
b) a medicação assistida (home
care); e
c) os incluídos no rol da ANS (Agência
Nacional de Saúde Suplementar) para esse fim.
Assim, os medicamentos receitados
por médicos para uso doméstico e adquiridos comumente em farmácias não estão,
em regra, cobertos pelos planos de saúde. Isso porque, em regra, os planos de
saúde (que integram o sistema da Saúde Suplementar) somente são obrigados a
custear os fármacos usados durante a internação hospitalar. As exceções ficam
por conta dos antineoplásicos orais para uso domiciliar (e correlacionados), os
medicamentos utilizados no home care e os remédios relacionados a
procedimentos listados no Rol da ANS.
O tema é tratado no art. 10,
VI, da Lei nº 9.656/98
O art. 10 lista em seus incisos tratamentos,
procedimentos e medicamentos que os planos de saúde não são obrigados a fornecer.
O inciso VI afirma que, em regra, o
plano de saúde não é obrigado a fornecer medicamentos para tratamento
domiciliar, ressalvado o disposto no art. 12, I, “c” e II, “g” da Lei.
O art. 12, I, “c” e II, “g” preveem que os planos de saúde
são obrigados a fornecer antineoplásicos orais (e correlacionados). Confira:
Art. 10. É instituído o
plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial
médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos,
realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de
terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das
doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde,
respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
(...)
VI - fornecimento de medicamentos para
tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’
do inciso II do art. 12;
Art. 12. (...)
I - quando incluir atendimento
ambulatorial:
(...)
c) cobertura de tratamentos antineoplásicos
domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos
adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;
II - quando incluir internação
hospitalar:
(...)
g) cobertura para tratamentos
antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos
radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de
procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência
prestada em âmbito de internação hospitalar;
Exceção 1: antineoplásicos
Antineoplásicos são medicamentos
que destroem neoplasmas ou células malignas. Têm a função, portanto, de evitar
ou inibir o crescimento e a disseminação de tumores. Servem, portanto, para
tratamento de câncer. Existem alguns medicamentos antineoplásicos que são de
uso oral e, portanto, podem ser ministrados em casa, fora do ambiente
hospitalar. A lei prevê que esses medicamentos, se prescritos pelo médico com
indicados para o tratamento do paciente, devem ser obrigatoriamente fornecidos
pelo plano de saúde.
Exceção 2: medicação
assistida (home care)
Se o paciente está em home
care (tratamento domiciliar), o plano de saúde também será obrigado a
fornecer a medicação assistida, ou seja, toda a medicação necessária para o
tratamento e que ele receberia caso estivesse no ambiente hospitalar.
O home care significa fornecer
para o paciente que está em casa o mesmo tratamento que ele receberia caso
estivesse no hospital. Se, no hospital, o paciente teria que tomar o remédio
“X” a cada 8h, este medicamento deverá ser custeado pelo plano de saúde, tal
qual ocorreria se estivesse internado.
Obs: essa exceção é uma
decorrência do fato de que o STJ entende que os planos de saúde podem ser
obrigados a custear o home care.
Exceção 3: outros fármacos
que sejam incluídos pela ANS como sendo de fornecimento obrigatório
A norma do art. 10, VI, da Lei nº
9.656/98 é voltada à operadora de plano de saúde, a qual, na contratação, pode
adotar tal limitação. Esse dispositivo, contudo, não proíbe que a ANS (“órgão
regulador setorial”) inclua determinados medicamentos como sendo de custeio
obrigatório no rol de cobertura mínima assistencial, ainda que sejam de uso
domiciliar.
Em suma:
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.692.938/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
27/04/2021 (Info 694).
DOD Plus – informações complementares
Cobertura de home care por
plano de saúde
João é cliente de um plano de saúde. Após ficar doente, ele foi
internado no hospital, onde permaneceu por algumas semanas. Até então, o plano
de saúde estava pagando todas as despesas. O médico que acompanhava seu estado
de saúde viu que seu quadro clínico melhorou e recomendou que ele fosse para
casa, mas lá ficasse realizando tratamento domiciliar (home care) até que
tivesse alta completa.
Ocorre que o plano de saúde não aceitou, afirmando que, no
contrato firmado com João, havia uma cláusula proibindo o serviço de home care.
Segundo a operadora, apenas o tratamento hospitalar está incluído.
O plano de saúde pode ser obrigado a custear o tratamento
domiciliar(home care) mesmo que isso não conste expressamente do rol de
serviços previsto no contrato? Mesmo que exista cláusula no contrato proibindo
o home care?
SIM. Ainda que, em contrato de plano de saúde, exista cláusula
que vede de forma absoluta o custeio do serviço de home care (tratamento
domiciliar), a operadora do plano será obrigada a custeá-lo em substituição à
internação hospitalar contratualmente prevista, desde cumpridos os seguintes
requisitos:
1) tenha havido indicação desse tratamento pelo médico
assistente;
2) exista real necessidade do atendimento domiciliar, com
verificação do quadro clínico do paciente;
3) a residência possua condições estruturais para fazer o
tratamento domiciliar;
4) haja solicitação da família do paciente;
5) o paciente concorde com o tratamento domiciliar;
6) não ocorra uma afetação do equilíbrio contratual em prejuízo
do plano de saúde (exemplo em que haveria um desequilíbrio: nos casos em que o
custo do atendimento domiciliar por dia supera a despesa diária em hospital).
STJ. 3ª Turma. REsp 1378707-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, julgado em 26/5/2015 (Info 564).
STJ. 3ª Turma. REsp 1537301-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 18/8/2015 (Info 571).