Imagine a seguinte situação
hipotética:
João, médico, estava sendo
investigado pela polícia por, supostamente, ter adulterado prontuários de
pacientes internados em clínica psiquiátrica.
Os pacientes, mesmo sem indicação,
permaneciam internados no hospital. Para concretizar isso, os prontuários eram
supostamente adulterados com a inserção de informações falsas.
A autoridade policial formulou
representação ao juiz pedindo a busca e apreensão na clínica psiquiátrica e na
residência do investigado.
O magistrado deferiu a medida autorizando
a apreensão de documentos indispensáveis à apuração dos fatos sob investigação.
A polícia, ao cumprir o mandado, apreendeu
diversos prontuários médicos que haviam sido assinados pelo investigado.
João impetrou habeas corpus
alegando que a apreensão foi ilícita. Isso porque na decisão que autorizou a
medida não existia autorização específica para a apreensão de prontuários
médicos.
Segundo a defesa, os prontuários
são documentos sigilosos e, portanto, só poderiam ter sido recolhidos com
autorização judicial específica.
A tese da defesa foi
acolhida pelo STJ?
NÃO. No caso concreto, conforme
já explicado, a investigação foi deflagrada em virtude da adulteração de
prontuários. Logo, é evidente que os principais objetos visados pela medida de
busca e apreensão eram justamente os prontuários dos pacientes que haviam sido
submetidos a tratamento e, ao mesmo tempo, vítimas de inúmeros crimes.
Desse modo, não houve qualquer
nulidade na apreensão desses documentos.
Embora os prontuários possam
conter dados sigilosos, foram apreendidos a partir da imprescindível
autorização judicial prévia, quer dizer, a prova foi obtida por meio lícito.
O fato de o mandado de busca não
ter feito uma discriminação específica é irrelevante, até porque os prontuários
médicos encontram-se inseridos na categoria de documentos em geral, não
existindo qualquer exigência legal de que a autorização cautelar deva detalhar
o tipo de documento a ser apreendido quando este possuir natureza sigilosa.
Conforme já decidiu o STF:
Dada a impossibilidade de indicação, ex ante, de todos os
bens passíveis de apreensão no local da busca, é mister conferir-se certa
discricionariedade, no momento da diligência, à autoridade policial.
STF. 1ª Turma. Pet 5173/DF, Min. Dias Tofoli, DJe 18/11/2014.
Vale ainda mencionar o
entendimento do próprio STJ:
O art. 243 do CPP disciplina os requisitos do mandado de busca e
apreensão, dentre os quais não se encontra o detalhamento do que pode ou não
ser arrecadado.
STJ. 5ª Turma. HC 524.581/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe
13/2/2020.
Suficiente à delimitação da busca e apreensão é a determinação
de que deveriam ser apreendidos os materiais que pudessem guardar relação
estrita com aqueles fatos.
STJ. 6ª Turma. HC
537.017/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 3/2/2020.
O art. 240 do CPP, ao tratar da busca e apreensão, apresenta um
rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se
encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração
ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer
respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo.
STJ. 5ª Turma. HC 142.205/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe
13/12/2010.
Ademais, vale frisar que o sigilo
do qual se revestem os prontuários médicos pertence única e exclusivamente aos
pacientes, não ao médico.
Assim, caso houvesse a violação do direito à intimidade, essa ofensa teria que ser arguida pelos seus titulares (pacientes) e não pelo investigado.
Em suma:
Não existe exigência legal de que o mandado de busca e apreensão detalhe o tipo de documento a ser apreendido, ainda que de natureza sigilosa.
STJ. 6ª Turma. RHC 141.737/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 27/04/2021 (Info 694).