Dizer o Direito

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Não existe exigência legal de que o mandado de busca e apreensão detalhe o tipo de documento a ser apreendido, ainda que de natureza sigilosa

  

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, médico, estava sendo investigado pela polícia por, supostamente, ter adulterado prontuários de pacientes internados em clínica psiquiátrica.

Os pacientes, mesmo sem indicação, permaneciam internados no hospital. Para concretizar isso, os prontuários eram supostamente adulterados com a inserção de informações falsas.

A autoridade policial formulou representação ao juiz pedindo a busca e apreensão na clínica psiquiátrica e na residência do investigado.

O magistrado deferiu a medida autorizando a apreensão de documentos indispensáveis à apuração dos fatos sob investigação.

A polícia, ao cumprir o mandado, apreendeu diversos prontuários médicos que haviam sido assinados pelo investigado.

João impetrou habeas corpus alegando que a apreensão foi ilícita. Isso porque na decisão que autorizou a medida não existia autorização específica para a apreensão de prontuários médicos.

Segundo a defesa, os prontuários são documentos sigilosos e, portanto, só poderiam ter sido recolhidos com autorização judicial específica.

 

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?

NÃO. No caso concreto, conforme já explicado, a investigação foi deflagrada em virtude da adulteração de prontuários. Logo, é evidente que os principais objetos visados pela medida de busca e apreensão eram justamente os prontuários dos pacientes que haviam sido submetidos a tratamento e, ao mesmo tempo, vítimas de inúmeros crimes.

Desse modo, não houve qualquer nulidade na apreensão desses documentos.

Embora os prontuários possam conter dados sigilosos, foram apreendidos a partir da imprescindível autorização judicial prévia, quer dizer, a prova foi obtida por meio lícito.

O fato de o mandado de busca não ter feito uma discriminação específica é irrelevante, até porque os prontuários médicos encontram-se inseridos na categoria de documentos em geral, não existindo qualquer exigência legal de que a autorização cautelar deva detalhar o tipo de documento a ser apreendido quando este possuir natureza sigilosa.

Conforme já decidiu o STF:

Dada a impossibilidade de indicação, ex ante, de todos os bens passíveis de apreensão no local da busca, é mister conferir-se certa discricionariedade, no momento da diligência, à autoridade policial.

STF. 1ª Turma. Pet 5173/DF, Min. Dias Tofoli, DJe 18/11/2014.

 

Vale ainda mencionar o entendimento do próprio STJ:

O art. 243 do CPP disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalhamento do que pode ou não ser arrecadado.

STJ. 5ª Turma. HC 524.581/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 13/2/2020.

 

Suficiente à delimitação da busca e apreensão é a determinação de que deveriam ser apreendidos os materiais que pudessem guardar relação estrita com aqueles fatos.

STJ. 6ª Turma. HC 537.017/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 3/2/2020.

 

O art. 240 do CPP, ao tratar da busca e apreensão, apresenta um rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo.

STJ. 5ª Turma. HC 142.205/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 13/12/2010.

 

Ademais, vale frisar que o sigilo do qual se revestem os prontuários médicos pertence única e exclusivamente aos pacientes, não ao médico.

Assim, caso houvesse a violação do direito à intimidade, essa ofensa teria que ser arguida pelos seus titulares (pacientes) e não pelo investigado.


Em suma:

Não existe exigência legal de que o mandado de busca e apreensão detalhe o tipo de documento a ser apreendido, ainda que de natureza sigilosa.

STJ. 6ª Turma. RHC 141.737/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 



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